O islamismo ressurge na China após décadas de sangrenta repressão. Graças à atual política mais flexível do Partido Comunista Chinês, que permite aos cidadãos maior liberdade de culto religioso, os muçulmanos do país aumentam de número e voltam a freqüentar as mesquitas. Embora modesto, esse renascimento é bem perceptível. Mas os ventos da rebelião já sopram também em meio à comunidade islâmica chinesa, insuflados pelo fundamentalismo importado de países da Ásia Central, como o Afeganistão e o Irã.

O islamismo existe na China como religião estabelecida há cerca de 800 anos. Os contatos iniciais, no entanto, remontam a muitos séculos antes disso. Começaram no ano 650 da nossa Era, apenas 18 anos após a morte do profeta Maomé. Uma delegação enviada pelo terceiro califa do Islã foi visitar o imperador chinês Yung-Wei. A delegação era chefiada por Assad ibn Waqqas, tio do profeta por parte de mãe.

No início, o imperador abriu os braços para o islamismo. Mandou erigir, inclusive, a magnífica mesquita de Cantão, um símbolo da nova religião que se implantava em solo chinês. Desde então, a cultura islâmica foi se for talecendo no país, graças também à presença de mercadores islâmicos que percorriam todo o império através da Rota da Seda e dos portos do Oceano Índico.

Chineses fazem compras no distrito muçulmano de Nui Jie, na capital chinesa.

Dificuldades e resistência eram constantes

Só na época da dinastia mongol, no entanto, entre os séculos 13 e 14, o islamismo conseguiu se estabelecer no país de forma permanente. As dificuldades e resistência contra essa implantação foram muitas e constantes. As relações entre muçulmanos e chineses se mostraram sempre extremamente mutáveis, com períodos de coexistência pacífica e outros caracterizados por conflitos sangrentos. Enquanto alguns imperadores encorajaram a imigração muçulmana, outros oprimiram os muçulmanos com brutalidade. Apenas durante a dinastia Ching (1644 – 1911), cinco guerras foram desencadeadas contra os muçulmanos chineses.

Mas a mais severa repressão ao islamismo na China aconteceu em tempos bem mais recentes, durante a Revolução Cultural, de 1958 a 1976. Sob o moto maoísta “Destruir o velho mundo e construir um novo”, o islamismo, como todas as outras religiões implantadas na China, foi suprimido sem dó nem piedade.

Nesse período, quase todas as mesquitas e instituições islâmicas foram destruídas ou privadas das suas funções religiosas, e quase todo o clero eliminado. No oeste da China, onde se concentra a maioria dos muçulmanos do país, o Partido Comunista assentou dezenas de milhares de chineses da etnia han, com o objetivo de difundir a população muçulmana.

Desde então, a situação mudou muito. A atual fase mais liberal do Partido Comunista Chinês, governante do país, permite a prática mais livre das religiões, não somente aquelas autenticamente chinesas, como o taoísmo e o confuncionismo, mas também as que vieram de fora, como o islamismo e o cristianismo.

…Na Paz, a festa

No sentido horário, mulher vende trajes islâmicos, na Praça da Paz Celestial, em Pequim

Região chinesa é área de conflito

Graças à liberalização da política chinesa em relação à liberdade de culto religioso, o islamismo vive hoje um modesto renascimento na China. As informações sobre o número real de muçulmanos no país variam muito, já que não existem estatísticas oficiais. Calcula-se que no país vivam entre 20 e 130 milhões de muçulmanos, a maioria deles no oeste da China. O número de mesquitas é estimado em 35 mil.

Dois grandes grupos da população chinesa professam o islamismo: os uigurs, que moram na província de Xinjiang; e os hui, que estão espalhados por todo o país. Etnicamente, os uigurs não são chineses, e sim um ramo da etnia turcomana. Os hui, por seu lado, são etnicamente e lingüisticamente similares aos chineses han, diferindo deles apenas pela religião.

Fiéis rezam na mesquita durante a festa do Eid-al-Fitr (banquete do término do jejum) que assinala o final do Ramadã

Atualmente, a região onde vive o grupo dos uigurs é uma área de conflito, já que muitos muçulmanos dessa etnia se esforçam para alcançar a independência da região, criando nela o Estado do Turcomenistão do Leste. O governo chinês teme que esse movimento separatista se espalhe para outras províncias, e por isso está adotando duras medidas contra os rebeldes.

Na atual guerra mundial contra o terrorismo, Pequim tenta estabelecer um vínculo entre os rebeldes muçulmanos e o terrorismo internacional. As autoridades chinesas temem que esses separatistas estejam sendo influenciados por muçulmanos fundamentalistas de países da Ásia Central, como o Afeganistão e o Irã. Segundo Pequim, os ânimos dos rebeldes são insuflados pelos acontecimentos dos últimos anos no Iraque e no Afeganistão – entendidos como guerras que objetivam extinguir toda a comunidade muçulmana.

…Fim do jejum

Vista externa da Sede Nacional dos hui no distrito de Nui Jie, em Pequim.

Apesar disso, os muçulmanos na China têm hoje o direito de praticar livremente a sua religião. Embora o governo central não abra mão de certas providências controladoras – o treinamento de imãs só pode ser feito em escolas aprovadas pelo Estado -, ele não impede os muçulmanos de seguirem normalmente suas crenças.

Acrobatas se aquecem para participar da comemoração do Eid-al-Fitr, festival que marca o fim do Ramadã, longo período de preces e de jejum feito pelos muçulmanos.

Depois de um longo período durante o qual o resto do mundo tinha pouco ou nenhum conhecimento sobre os muçulmanos na China, a importância política dessa presença começa agora a ser mundialmente reconhecida. O desenvolvimento do islamismo na China, que atualmente passa por uma fase de grande expansão, tanto política quanto econômica, será um fenômeno de grande interesse para a comunidade global no futuro. Quais serão os resultados do confronto entre a economia que mais cresce no mundo e a religião que mais se expande na atualidade?

Sean Gallagher é repórter fotográfico inglês, especializado em viagens e documentários fotográficos.