Vulcões, geleiras, gêiseres, rios de água fervente, lagos termais, sol à meia-noite e baleias nadando defronte à cidade. Estamos na Islândia

 

Próximo ao centro da capital, o Sólfar, uma escultura estilizada das primeiras embarcações vikings usadas pelos habitantes da Islândia, fotografada às 23h30, durante o Midnight Sun, o sol da meia-noite.

Um dos países que eu mais queria conhecer era a Islândia. Desde menino, abria enciclopédias antigas e velhos mapas surrados – tudo que eu dispunha àquela época para sonhar – e meu olhar ia direto para aquela ilha isolada na vastidão do Atlântico Norte. A enciclopédia Conhecer dava conta de que lá vivia um povo meio esquimó, pescadores e caçadores de baleias, e eu ficava imaginando. Muitos anos depois, em minhas idas à Escandinávia, a Islândia foi ficando mais próxima, até que em minha última viagem a Noruega inclui o país em meu roteiro.

No século 7, monges irlandeses em busca de isolamento empreendiam excursões esporádicas às Ilhas Faroe. Vez por outra se aventuravam mais ao norte, em uma ilha remota e desabitada à qual chamavam Thule. Em meados do século 9, o viking Naddoddur perdeu-se na viagem da Noruega para as Ilhas Faroe e atingiu a costa da Islândia. É considerado o primeiro viking a desembarcar na ilha. A chegada dos nórdicos, povo rude e politeísta, acabou com a tranquilidade dos irlandeses, que se retiraram em fuga.

Gardar Svavarsson, viking de origem sueca, realizou a primeira circunavegação em Thule, constatou tratar-se de uma ilha e rebatizou-a de Gardarshólmi (Ilha de Gardar). Flóki Vilgerdarson, o terceiro viking a aportar propositadamente naquelas paragens, após um rigorosíssimo inverno transcorrido em meio a terríveis dificuldades, rebatizou-a de Island, nome que perdura até hoje.

 

Vulcões, geleiras, gêiseres, rios de água fervente, lagos termais, sol à meia-noite e baleias nadando defronte à cidade. Estamos na Islândia

Abaixo, Gulfoss, a maior cachoeira da Islândia. Na página ao lado, acima, momento inicial da erupção do Geysir, quando a bolha de ar surge e expele água fervente. Abaixo, Geysir, o mais famoso gêiser da Islândia, que entra em erupção regularmente a cada cinco minutos.

Em 870, teve início a colonização com Ingólfur Arnarsson, o primeiro habitante permanente da Islândia. Ele abandonou a Noruega, sua pátria, após uma grave disputa feudal, e a única coisa que se sabe sobre ele é que seu filho foi um grande líder tribal e fundou o primeiro Parlamento islandês. Quando Arnarsson e seus companheiros se aproximaram da baía onde mais de sete séculos depois seria fundada a cidade de Reykjavik, avistaram fumarolas originadas nos numerosos gêiseres e batizaram aquele lugar de baía enfumaçada (reik = baía e avik = fumaça).

O complexo e áspero idioma islandês originou- se da língua dos vikings, conhecida na Escan dinávia como old norwegian, ou norueguês antigo. Na Noruega, Dinamarca e Suécia, o old norwegian evoluiu e deu origem ao sueco, ao dinamarquês e ao norueguês, idiomas muito semelhantes entre si. Em virtude do isolamento geográfico e cultural, porém, o islandês manteve- se próximo da língua ancestral dos vikings. O resultado é que os escandinavos não entendem nada do islandês.

Glauber Rocha que me dê licença, mas é a Islândia a verdadeira terra em transe, um caldeirão em ebulição de atividade geotérmica e vulcânica. Há 10 mil anos, as geleiras cobriam 100% do país. Hoje, cobrem 10% – o que não é pouco. Sua maior geleira, o Vatnajökull (vatna = água, jökull = geleira), é maior que a soma das três maiores geleiras da Europa continental.

 

Vulcões, geleiras, gêiseres, rios de água fervente, lagos termais, sol à meia-noite e baleias nadando defronte à cidade. Estamos na Islândia

Numerosos vulcões, geleiras, gêiseres e rios de água fervente formam uma paisagem exótica, com vastos campos de lava cobertos de musgo verde-pálido e pontilhados de pedregulhos do tamanho de caminhões. De tempos em tempos, violentas erupções modificam a geografia inóspita do interior do país. Apenas 2% da ilha tem cobertura vegetal e a paisagem é predominantemente marrom.

Mais da metade dessas erupções acontece embaixo dos glaciares, ocasionando um fenômeno chamado jokulhlaup – enormes fluxos de água causados pelo súbito e intenso derretimento glacial, que podem aflorar em minutos ou horas após o início da erupção e provocar alagamentos devastadores. Por essa razão, as áreas em volta dos vulcões são desabitadas.

Isso não é tudo: outro fenômeno tão bizarro como mortífero às vezes se origina desse cenário dantesco. Quando uma erupção irrompe por baixo de uma gigantesca geleira, o magma a 1.200ºC se choca com o gelo e lança para o ar enormes nuvens de vapor e minúsculas partículas incandescentes. São essas cinzas que, expelidas pelo vulcão Eyjafjallajoekull, têm causado o fechamento do espaço aéreo de vários países europeus, pelo risco que representam para a aviação.

Além disso, a combinação da nuvem de vapor com as partículas gera uma carga estática intensa, que mais de uma vez desencadeou sequências de raios. Em 1918, durante uma erupção do Katla, o segundo maior vulcão da Islândia, centenas de cabeças de gado que pastavam fora do alcance dos dejetos do vulcão morreram eletrocutadas. Aliás, os vulcões da Islândia, tais como o Hekla e o Katla, são sempre batizados com nomes femininos porque, segundo os islandeses, explodem sem motivo e sem avisar.

 

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Os gêiseres, de todas as feições e tamanhos, são uma intrigante marca registrada do país. Crateras com vários metros de diâmetro onde borbulha uma água cinzenta, fendas estreitas de onde saem jatos sibilantes de vapor quentíssimo, enormes buracos no solo que expelem lama fervente e ruídos sinistros. Névoas formadas pelos vapores de várias fumarolas e o onipresente cheiro de enxofre completam o cenário surreal.

A água quente jorra com fartura do subsolo e é inteligentemente usada pelos islandeses para esquentar a água fria. Mais do que isso, toda a energia elétrica consumida no país é produzida em usinas termoelétricas movidas a água quente. Há estações de prontidão abastecidas com petróleo, prontas para entrar em ação em caso de uma eventual pane termoelétrica, o que até hoje não aconteceu. Dessa forma, mais de 95% da energia gerada ali é limpa e renovável.

As águas termais têm também uma importante função social na Islândia. No Brasil, as pessoas vão ao clube ou à praia quando o clima está bom, mas os islandeses vão aos banhos termais principalmente quando o clima está ruim, e nos banhos as pessoas constroem suas relações.

 

Vulcões, geleiras, gêiseres, rios de água fervente, lagos termais, sol à meia-noite e baleias nadando defronte à cidade. Estamos na Islândia

Na página ao lado, vapores e fumaças carregados de enxofre na região de gêiseres, o sol da meia-noite e os atarracados cavalos islandeses. Abaixo, Blue Lagoon, famosa por suas propriedades terapêuticas.

Renato Grunenfelder é um suíço de 43 anos que há 20 vive na Islândia. Ele me leva para uma caminhada a 20 quilômetros de Reykjavik. Subimos um morro pardacento com vegetação rasteira. Aqui e ali, pequenas colunas de vapor denunciam gêiseres espalhados pelas encostas. Após quatro quilômetros, chegamos ao fundo do vale, depois de termos passado por dezenas de gêiseres de diferentes aspectos. Lá existe um grande buraco com mais de dois metros de diâmetro, em cujo interior pula uma lama cremosa e azulada tal como um enorme tacho de polenta fervente. Ainda longe da beirada, o terreno cede facilmente debaixo de meus pés. Decido retroceder.

Saímos dali e voltamos um pouco vale abaixo, até um ponto onde dois riachos se juntam: um, de água fria, o outro, de água quentíssima. Daí foi só escolher a temperatura da água entrando em um ponto do rio mais próximo ou distante da união dos riachos. À meia-noite, estávamos tranquilamente sentados em uma pedra dentro do rio, com a água quente até o pescoço, observando o sol pálido que se recusava a se pôr.

O Blue Lagoon, ou Lagoa Azul, a 55 quilômetros de Reykjavik, próximo de Keflavik, é o mais expressivo cartão-postal da Islândia. Suas águas cálidas são de uma incomum tonalidade azul-clara, formadas por uma mistura de água doce e salgada. A argila branquíssima do fundo é composta por uma sílica muito fina. O local já foi eleito, por suas reconhecidas propriedades terapêuticas e cosméticas, o melhor banho termal do mundo.

Os islandeses vão aos banhos termais principalmente quando o clima está ruim, e ali constroem suas relações

 

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Mesmo com a crise, foi preservada a excelente qualidade de vida do povo islandês. No inverno, a superfície congelada do lago no centro de Reykjavic serve de pista de patinação. Mulheres com bebês são uma simbologia constante em estátuas e pinturas. Ao lado, pubs e cafés no centro estão cheios de turistas.

A Islândia tem vastas regiões desabitadas e uma população pequena, que vive principalmente nas áreas costeiras. Não há cidades no interior do país, onde há poucas e precárias estradas de terra e nenhuma infraestrutura. Os islandeses têm várias histórias sobre os “heróis do interior”, pessoas que, por terem cometido algum crime ou sofrido perseguições no passado, fugiram para esses lugares e neles sobreviveram durante anos, escondendo-se em cavernas e vivendo como nômades.

 

Dos 350 mil habitantes do país, 200 mil vivem na pequena capital, Reykjavik. Apesar de sua localização geográfica, próxima à Groenlândia e limítrofe ao Círculo Polar Ártico, os invernos são relativamente amenos na Islândia se comparados a outros lugares na mesma latitude, em virtude do calor trazido pela Corrente do Golfo à ilha. De junho a agosto, verão no Hemisfério Norte, é a época do Midnight Sun, o sol da meia-noite, quando há luz 24 horas por dia. O astro se aproxima do horizonte e, em vez de se pôr, volta a se erguer no céu. Há crepúsculo, porém não há noite. A temperatura é agradavelmente amena e a ilha recebe grande quantidade de turistas.

Há muita coisa interessante para ver e fazer. No centro de Reykjavik, lojas, pubs e restaurantes estão cheios de turistas, atraídos pela grande desvalorização da coroa islandesa, a krona. A gastronomia é criativa e exuberante, baseada principalmente em pescados, frutos do mar e aves marinhas. A Baía de Husavik, defronte à cidade, é um santuário de baleias, facilmente avistadas em saídas de barco do cais central.

Os cavalos são parte da paisagem islandesa. Pequenos e atarracados, eles são mais ou menos como eram os equinos da Europa continental por volta do século 11. Cavalgar é um esporte nacional, assim como o golfe, outra paixão no país. Há campos muito bem cuidados espalhados por toda a Islândia.

 

Vulcões, geleiras, gêiseres, rios de água fervente, lagos termais, sol à meia-noite e baleias nadando defronte à cidade. Estamos na Islândia

No centro de Reykjavik, lojas, pubs e restaurantes estão cheios de turistas, atraídos pela desvalorização da coroa islandesa

Uma ótima sugestão é o Golden Circle, passeio que visita duas áreas interessantes, Geysir e Gulfoss, a pouco menos de 100 quilômetros de Reykjavik. O Geysir é um gêiser que estoura regularmente a cada 5 minutos e lança água fervente a mais de 20 metros de altura. O belíssimo Gulfoss é a maior queda d’água do país. Há caminhadas em glaciares, safáris de aves marinhas, passeios de snowmobile (uma espécie de jetski para neve) e visitas a fazendolas bucólicas com seus telhados recobertos de grama verdinha.

Como Reykjavik é uma cidade pequena, as empresas que levam os turistas passam de hotel em hotel, coletam as pessoas, levam-nas para os passeios e as devolvem a seus respectivos hotéis na volta, tudo muito pontual e organizado. Basta ligar e solicitar o passeio. Na hora combinada, uma van vem buscá-lo.

A crise mundial afetou dramaticamente a economia islandesa, cujos principais rendimentos advêm da pesca e de indústrias de softwares e biotecnologia. Com forte endividamento em diversas moedas estrangeiras, o país foi arrastado para a moratória da noite para o dia. O desemprego saltou de 8% para 19% e a Islândia passou a depender de ajuda econômica exterior.

De um dos países mais prósperos da Europa antes da crise, a Islândia hoje tem quase todos os seus bancos quebrados e muita gente se mantém em dois empregos, hábito anterior à crise. Para o turismo, se antes ela era um país caro, hoje os preços estão muito mais acessíveis, embora não tenham se tornado baratos.

Serviço

Como chegar: a Iceland Air voa a partir de várias capitais europeias – www.icelandair.com

Onde ficar: a rede Foss Hotels tem dez hotéis espalhados pelo país – www.fosshotel.is

Passeios a cavalo: Ishestar – www.ishestar.is

Safári de baleias: Elding – www.elding.is

Gêiseres, Gulfoss e Blue Lagoon: Reykjavik Excursions – www.re.is

Turismo geral no país: GJ Travel – www.gjtravel.is

Quem leva: a Latitudes tem saídas personalizadas para a Islândia – www.latitudes.com.br

Site oficial de turismo na Islândia: www.goiceland.org