Novo governo de extrema direita da Itália quer “bloqueio naval” contra migrantes no Mediterrâneo. Ainda é incerto se Meloni conseguirá manter as promessas eleitorais, e como elas afetarão a política de migração da UE.Durante a campanha eleitoral, a nova primeira-ministra da Itália, Georgia Meloni, do partido neofascista Irmãos da Itália (FdI), manifestou-se basicamente favorável ao bloqueio da migração marítima oriunda do norte da África para a Itália.

“Nós propomos um bloqueio naval porque – como já explicamos mil vezes – é uma missão europeia conjunta com os Estados do Norte da África deter o tráfico humano e criar hotspots sob gestão conjunta no território africano. Lá a EU deve examinar os pedidos de asilo e decidir quem precisa de proteção internacional e quem não precisa”, anunciou a ultradireitista num vídeo do FdI.

O que exatamente ela quer dizer com bloqueio naval não está totalmente claro, segundo o pesquisador de migração Christopher Hein, que leciona na Universidade LUISS, em Roma. Entretanto, “esta linguagem é uma indicação clara da direção que a futura política de migração e asilo vai tomar”, comentou em entrevista à revista Migazin, especializada em temas migratórios.

A diretora do Conselho Europeu para Refugiados (Ecre), Catherine Woollard, também se mostrou cética em relação aos anúncios feitos pela nova chefe de governo italiano. “Sustar completamente a migração não é possível, nem seria do interesse da Itália. Podemos contar com ações e medidas controversas. Já há indicações de que o foco será novamente a chegada de navios de resgate marítimo.”

Fechar portos não é uma política de migração

Nos anos de 2018 e 2019, o então ministro do Interior da Itália, Matteo Salvini, do partido populista de direita Liga, fechou temporariamente os portos italianos para embarcações de resgate marítimo com migrantes náufragos a bordo. A Liga faz parte do governo de coalizão de direita agora no poder, porém Meloni negou a Salvini seu desejado retorno à pasta do Interior. concedendo-lhe o Ministério dos Transportes.

O novo ministro do Interior italiano – cargo incumbido com temas relacionados à imigração – é um aliado íntimo de Salvini. Matteo Piantedosi ainda não expressou opiniões tão radicais como as do antecessor, mas foi sua chefe direta, a premiê Meloni, que definiu o direcionamento da política de migração ainda durante a campanha eleitoral.

“Na prática, queremos fazer valer na Itália o simples princípio de que só se pode entrar legalmente. Os fluxos migratórios para nossa nação não devem ser administrados por contrabandistas, ou pior, por aqueles que buscam desestabilizar nossa nação e a Europa”, disse Meloni.

No supracitado vídeo do Irmãos da Itália, a líder afirmava que apenas 8% dos migrantes teriam direito a refúgio ou asilo, sendo o restante jovens que querem apenas trabalhar na Itália.

Mas o novo governo em breve terá que lidar com a realidade da migração, segundo o especialista em migração da bancada verde do Parlamento Europeu, o alemão Erik Marquardt. A seu ver, criminalizar o resgate marítimo e fechar os portos não trará muitos benefícios para Meloni.

“Acho que ela vai descobrir logo que 90% dos que aportam na Itália simplesmente chegam sem a ajuda de navios de resgate marítimo. Isso significa que o resgate marítimo não é um pré-requisito para que alguém chegue à Itália, mas que quanto mais gente tiver que deixar a Líbia, mais chegarão à Itália.”

“Itália se beneficia dos imigrantes”

O eurodeputado verde argumenta ainda que a Itália se beneficia da migração: “Muitos setores, por exemplo a agricultura, só funcionam na Itália porque gente que veio irregularmente trabalha neles, às vezes em condições desumanas. Por isso acredito que ela pode dizer algo publicamente, mas, na prática, descobrirá logo que seu populismo da campanha eleitoral não ajuda a Itália a se sair melhor”, antecipa Marquardt.

A maioria dos cerca de 65 mil que chegaram à Itália por mar em 2022, até agora, provavelmente não será incluída no sistema de asilo italiano, mas seguirá caminho para o norte. Este fenômeno de migração contínua também se aplica a outras rotas de fuga através da Grécia ou dos Bálcãs.Só assim se explica que a maioria dos pedidos de refúgio na União Europeia não seja feita nos países mediterrâneos, como Itália ou Grécia, mas na Alemanha.

Estagnação na política de migração da UE

No nível europeu, tanto a Comissão Europeia e os Estados-membros, quanto a nova primeira-ministra da Itália apelam por uma melhor proteção das fronteiras externas, ou seja, pela prevenção dos ingressos irregulares. A ideia de analisar os requerimentos de refúgio e asilo em campos fora da UE também tem muitos adeptos. No entanto, até então, isso não possível implementá-la na prática.

A distribuição entre os Estados-membros dos requerentes de asilo e de refúgio chegados na Itália ou na Grécia fracassou devido à resistência de países como Polônia e Hungria. E é justamente com esses dois governos nacionalistas que o novo governo italiano quer estreitar os laços.

“É impossível prever o impacto que isso terá na UE. Depende de uma série de fatores que ainda não sabemos”, comenta Woollard. Ela diz supor que a Itália, que está gravemente abalada economicamente, estará disposta a fazer concessões na política de refugiados e migração para garantir o recebimento das verbas do fundo europeu criado para revitalizar a economia europeia afetada pela pandemia do coronavírus, entre outros fatores.

Nova missão da UE no Mediterrâneo?

Para o eurodeputado verde Marquardt, a cooperação com o novo governo italiano dificilmente será mais fácil do que com governos anteriores. “No caso da Itália, provavelmente se perderá um parceiro grande e construtivo. Isso certamente é um obstáculo à divisão de responsabilidades que precisamos na União Europeia.”

Em sua primeira declaração como chefe de governo, Meloni anunciou nesta terça-feira (25/10) que, em vez de um bloqueio naval da Itália, a Missão Sophia – a vigilância do Mar Mediterrâneo por unidades navais da UE – poderia ser reativada.

A ultradireitista anunciou que pretende abordar essa questão em nível europeu. Em 2019, também por instigação da Itália, a Missão Sophia foi encerrada, uma vez que os Estados-membros da UE não queriam se comprometer a aceitar migrantes resgatados pela missão e distribuí-las por toda a UE.