Ministério Público Federal apontou “possível interferência ilícita” de Bolsonaro na investigação da Polícia Federal sobre o ex-ministro da Educação. Supremo decidirá se inquérito deve seguir na primeira instância.O juiz Renato Coelho Borelli, da 15ª Vara Federal em Brasília, que atua no caso do ex-ministro da Educação Milton Ribeiro e determinou a sua prisão na quarta-feira (22/06), revogada no dia seguinte, decidiu nesta sexta-feira enviar os autos do processo para análise do Supremo Tribunal Federal (STF).

O envio dos autos foi determinado a pedido do Ministério Público Federal (MPF), que apontou “indício de vazamento da operação policial e possível interferência ilícita por parte do presidente da República Jair Messias Bolsonaro nas investigações”.

Em 9 de junho, Ribeiro disse, em uma conversa telefônica com uma filha, que havia recebido uma ligação de Bolsonaro no qual o presidente disse achar que fariam uma busca e apreensão na casa do ex-ministro, o que acabou ocorrendo.

“Hoje o presidente me ligou… Ele tá com um pressentimento, novamente, que eles podem querer atingi-lo através de mim, sabe? (…) Ele acha que vão fazer uma busca e apreensão… em casa”, afirmou Ribeiro, segundo transcrição de interceptação telefônica que está sob sigilo, mas foi divulgada por veículos da imprensa brasileira.

O MPF também mencionou no pedido que o delegado federal Bruno Calandrini, responsável pelo pedido de prisão preventiva de Ribeiro, disse em mensagem enviada a colegas ter havido “interferência na condução da investigação”

Bolsonaro tem foro privilegiado por exercer o cargo de presidente, e investigações que envolvam seu nome devem ser conduzidas no âmbito do Supremo.

O juiz Borelli pede que a ministra Cármen Lúcia, responsável por supervisionar a investigação sobre Ribeiro quando ele ainda era ministro, decida se a atual investigação deve seguir na Justiça Federal ou se parte do inquérito deve ficar no Supremo.

O advogado de Ribeiro, Daniel Bialski, afirmou que “causa espécie” a menção a autoridade com foro privilegiado na interceptação telefônica. “Se realmente esse fato se comprovar, atos e decisões tomadas são nulos por absoluta incompetência e somente reforça a avaliação de que estamos diante de ativismo judicial e, quiçá, abuso de autoridade”, disse.

Quais são as suspeitas

O caso foi revelado pelo jornal O Estado de S. Paulo, que mostrou que os pastores Arilton Moura e Gilmar Santos conduziam a agenda do então ministro Ribeiro e agiam como lobistas, atuando na liberação de recursos federais para municípios. Os pastores franqueavam acesso ao ministro para prefeitos interessados em obter verbas do MEC para obras de creches, escolas, quadras ou para compra de equipamentos.

Normalmente, o processo de destinação de verbas do ministério é lento e burocrático. Com o intermédio dos pastores, no entanto, vários pedidos de prefeitos acabaram sendo atendidos em tempo recorde, especialmente em casos que envolvem prefeituras controladas por partidos que compõem a base do governo, como PL e Republicanos.

Em 21 de março, o jornal Folha de S. Paulo divulgou um áudio no qual Ribeiro admite que uma de suas prioridades era “atender a todos os que são amigos do pastor Gilmar”. E tudo isso a pedido do próprio presidente Bolsonaro.

“Porque a minha prioridade é atender primeiro os municípios que mais precisam e, segundo, atender a todos os que são amigos do pastor Gilmar […] Por que ele? Porque foi um pedido especial que o presidente da República fez para mim sobre a questão do Gilmar”, disse Ribeiro.

Em seguida, ele também indicou a existência de uma contrapartida que os prefeitos teriam que oferecer em troca das verbas: apoio para a construção de igrejas. “Então o apoio que a gente pede não é segredo, isso pode ser [inaudível], é apoio sobre construção das igrejas”, disse Ribeiro, sem detalhar como seria esse apoio.

Uma outra reportagem do jornal O Estado de S. Paulo trouxe uma acusação do prefeito Gilberto Braga (PSDB), do município maranhense de Luis Domingues, de que Moura lhe pediu 1 kg de ouro em troca de conseguir a liberação de verbas para o sistema de educação de sua cidade. Segundo o prefeito, o pastor também lhe pediu mais R$ 15 mil antecipados para “protocolar” as demandas junto ao MEC.

O caso provocou a queda do ministro da pasta em 28 de março, dez dias após a eclosão do escândalo.

Bolsonaro: “Mão no fogo” por Ribeiro

Em março, quando as primeiras reportagens sobre o “gabinete paralelo” no MEC foram publicadas, Bolsonaro defendeu Ribeiro e disse que colocaria sua “cara no fogo” pelo então ministro.

“O Milton, coisa rara de eu falar aqui. Eu boto minha cara no fogo pelo Milton, minha cara toda no fogo pelo Milton. Estão fazendo uma covardia com ele”, declarou Bolsonaro em uma transmissão ao vivo por redes sociais.

Após a prisão de Ribeiro, Bolsonaro mudou o tom e disse que o ex-ministro é que deveria responder por eventuais irregularidades. “Se tem prisão, é Polícia Federal, é sinal de que a Polícia Federal está agindo. Ele responda pelos atos dele. Peço a Deus que não tenha problema nenhum. Mas, se tem algum problema, a PF está agindo, está investigando, é um sinal que eu não interfiro na PF, porque isso aí vai respingar em mim, obviamente”, afirmou o presidente em uma entrevista à rádio Itatiaia.

Na quinta-feira, Bolsonaro afirmou que “exagerou” ao dizer que colocaria “a cara no fogo” pelo ex-ministro, mas disse que continuava a confiar em Ribeiro e colocaria “a mão no fogo por ele”.

bl (ots)