Hariharananda (à esquerda) e o seu discípulo Prajnanananda.

São poucos os que amam e praticam o silêncio e a contemplação. Vivemos ruidosamente, o corpo sempre ocupado, a mente atolada em um turbilhão de pensamentos. Assim, soam miraculosos os feitos conquistados pelos santos hindus em vidas inteiras dedicadas ao autoconhecimento por meio da prática da ioga e da meditação. São histórias de comunicação telepática, de conhecimento do futuro, de materialização e desmaterialização do corpo. Histórias fantásticas para quem, como nós ocidentais, constituiu uma filosofia descolada da experiência pessoal, ao contrário da filosofia iogue, cujo edifício teórico foi construído a partir da contínua observação da mente-corpo.

A Kriya Ioga é uma linhagem desses gurus. Sua origem remonta ao período mítico da Índia, há muitos milênios, mas ela se torna mais conhecida somente no final do século 19, quando o guru eterno e imortal Mahavatar Babaji inicia Lahiri Mahasaya. Passada oralmente de mestre para discípulo, foi então ensinada por Lahiri Mahasaya a Swami Sri Yukteswar, o grande guru de Paramahansa Yogananda e Paramahamsa Hariharananda – este último o mestre venerável de Prajnanananda, que estará em São Paulo em outubro.

As técnicas da Kriya Ioga são mencionadas nos textos sagrados dos Upanishads, do Yoga Sutra e do Bhagavad Gita: “É a revivescência da mesma ciência que Krishna deu há milênios a Arjuna, e que foi mais tarde conhecida por Patânjali (autor do Yoga Sutra) e por Cristo, São João e São Paulo”, como ensina Yogananda no livro Autobiografia de um iogue. No Bhagavad Gita, diz Krishna: “O iogue detém a degeneração do corpo, garantindo um suprimento adicional de prana (força vital) ao acalmar a ação dos pulmões e do coração; ele também detém as mutações do crescimento no corpo, pelo controle de apana (corrente eliminadora). Deste modo, neutralizando o crescimento e a degeneração, o iogue aprende o controle da força vital.”

A raiz sânscrita de kriya é kri, que significa agir, reagir, a mesma raiz da palavra karma e que evoca o princípio natural da causa e efeito; ya significa alma; e yoga, união. Assim, “Kriya Ioga é a união com o infinito por meio de certa ação ou rito”. Sua prática se baseia na interação entre a respiração e a mente, e é composta principalmente de pranayamas, ou exercícios de respiração e concentração – controlando a respiração e aquietando as oscilações da mente, o devoto conquista a libertação.

A partir dos ensinamentos de Babaji, várias escolas de Kriya Ioga foram criadas por seus diferentes discípulos. Na linhagem de Hariharananda há seis níveis de kriya, cada qual com duração de três a quatro anos. A iniciação é aberta a qualquer pessoa interessada e a prática pode ser feita individualmente ou em grupo. No Brasil, há cerca de 5 mil iniciados nessa linhagem de Kriya Ioga.

Paramahamsa Hariharananda, ou Baba, como é carinhosamente chamado por seus discípulos, alcançou o mais alto estado de iogue – o estado no qual o organismo deixa de apresentar pulso e respiração. Tinha profundo conhecimento da Bíblia, do Alcorão e da Torá, além do domínio das escrituras hindus. Sua missão de preservar e difundir a Kriya Ioga o levou ao Ocidente em 1974, aos 67 anos, onde fundou o Kriya Yoga Institute, na Flórida (Estados Unidos). Sua morte ou mahasamadhi – “saída do corpo, final e consciente, de uma pessoa realizada” – aconteceu em 2002, aos 95 anos de idade.

Antes, porém, nomeou como seu sucessor seu discípulo predileto, o monge indiano Paramahamsa Prajnanananda. Nascido em 1960 em Cuttack, no distrito de Orissa, na Índia, Prajnanananda foi um buscador espiritual desde a infância. Guiado por Paramahamsa Hariharananda, em 1994 renunciou à sua vida acadêmica e aos negócios

mundanos para levar a Kriya Ioga para países europeus, Estados Unidos e, desde 2005, também ao Brasil. É essa a história que ele vai contar para nós em sua palestra.

Mestre em economia, mestre espiritual

O mestre iogue indiano Paramahamsa Prajnanananda virá a São Paulo em comemoração aos dez anos do Kriya Yoga Institute no Brasil, cujo primeiro centro foi criado em Brasília, em 1998. Em evento público e gratuito, ele fará a palestra “Como abandonei meu doutorado em economia para me tornar monge” e participará do lançamento do seu livro Minha vida com o mestre, em que relata os 22 anos de convivência e aprendizado com Hariharananda. Os recursos obtidos com a venda do livro serão enviados ao orfanato que ele dirige na Índia.

O Brasil já conhece Prajnananda e Hariharananda. Em 2006, São Paulo e Brasília foram palco das comemorações do centenário de nascimento de Paramahansa Hariharananda (PLANETA, julho 2006), falecido quatro anos antes. Prajnanananda, 48 anos, foi professor de economia no Ravenshaw College, em Cuttack, Orissa, costa leste da Índia. Profundo conhecedor das escrituras sagradas, escreveu o livro Minha vida com o mestre seguindo a tradição do clássico da filosofia espiritual Autobiografia de um iogue, de Paramahamsa Yogananda. É vice-presidente do Kriya Yoga Institute, com sede na Flórida (EUA) e filiais em vários países.

O orfanato Hariharananda Balashram fica no distrito indiano de Orissa, na baía de Bengala, região litorânea freqüentemente castigada por enchentes. Foi criado para socorrer crianças órfãs e pobres, cujas famílias foram vitimadas por um grande ciclone que devastou a região e matou quase 50 mil pessoas, em 1999.

Nele, as crianças aprendem vários idiomas e recebem ensino com base no currículo oficial indiano. Mas estudam também as escrituras sagradas, aprendem preces e praticam meditação, segundo o conhecimento espiritual legado pelos grandes sábios da Índia. Paramahamsa Prajnanananda considera que até mesmo ali esses valores começam a se perder, razão pela qual se empenha em resgatá-los. Atualmente com 160 crianças, o orfanato está sendo preparado para abrigar 480.

Diferentes linhagens, uma única fonte

Babaji foi citado publicamente pela primeira vez por Yogananda em Autobiografia de um iogue, mas informações sobre sua vida surgiram apenas em 1991, no livro Babaji e os 18 siddhas, de Marshall Govindan Satchidananda”, explica José Tadeu Arantes. Jornalista e escritor, Arantes é autor de vários livros sobre espiritualidade, dentre eles Mestres, que trata da vida de Babaji e de outros sábios de várias tradições. Até julho, era também editor da revista Le Monde Diplomatique Brasil.

Segundo Govindan, que foi discípulo do grande iogue Ramaiah, Babaji nasceu numa família de brâmanes no dia 30 de novembro de 203 d.C., numa pequena aldeia do sul da Índia, e foi chamado Nagaraj, o “rei das serpentes”. Seu pai era o sacerdote mais importante da aldeia, e ele sentiu desde logo o efeito de uma vida passada entre cerimônias e comemorações religiosas.

Aos 5 anos, foi seqüestrado por um mercador e vendido como escravo para um homem rico e bondoso, que o libertou logo depois. Babaji ficou, assim, livre de seus laços familiares e sociais. Durante anos perambulou com um grupo de sanyasins, conhecendo templos e estudando as escrituras sagradas. Desde muito jovem criou a reputação de erudito.

Aos 16 anos, no centro religioso de Badrinath (a mais de 3 mil metros de altitude, no Himalaia), e depois de 18 meses de rigorosa disciplina iogue, Babaji entrou em estado de Soruba Samadhi. “A divindade desceu, fundiu-se com ele e transformou todos os seus corpos – o espiritual, o intelectual, o mental, o vital e o físico. Seu corpo físico parou de envelhecer e cintilou com o brilho dourado da incorruptibilidade divina. Babaji assumiu como missão auxiliar a humanidade sofredora em sua busca de compreensão e realização do divino. Prometeu permanecer em seu corpo físico, sempre visível para algumas pessoas deste mundo.” O autor dessas palavras, Marshall Govindan, teria ele próprio recebido instruções de Babaji durante uma meditação no Natal de 1988.

“Babaji permaneceu no mundo físico como um grande instrutor, citado por sábios de várias linhagens. É ele quem está conduzindo todo o processo espiritual deste planeta, por trás da cena”, sustenta Arantes. Ele lembra que “o mito da imortalidade existe também em outras tradições religiosas, como a cristã, com Jesus Cristo; o taoísmo, na China; e o judaísmo, que traz no Velho Testamento figuras consideradas imortais, como Enoch e Elias.”

SERVIÇO

Evento:

Data e horário – dia 9 de outubro, às 19h30. Local – Associação Hokkaido, rua Joaquim Távora, 605, Vila Mariana, junto do metrô Ana Rosa, São Paulo.

O evento abre com uma apresentação do coral infantil Vivendo com Arte das comunidades de Paraisópolis e Jardim Colombo, em solidariedade às crianças indianas. É seguido pela palestra de Prajnanananda “Como abandonei meu doutorado em economia para me tornar monge”, pelo lançamento do livro Minha vida com o mestre e pela exibição de vídeo sobre o orfanato.

A palestra será transmitida pelo site www.kriya.org.br. A entrada do evento é franca e não é necessário fazer inscrição.

Livros:

Minha vida com o mestre, Paramahamsa Prajnanananda, edição do Centro Kriya Yoga São Paulo.

Autobiografia de um iogue, Paramahamsa Yogananda, edição da Self-Realization Fellowship, 1ª edição de 1946.

Babaji e os 18 siddhas – A tradição kriya yoga, de Marshall Govindan Satchidananda.

Sites:

www.kriya.org

www.kriya.org.br

www.balashramtrek.org

www.handinhandusa.org

www.yogananda.org.br

www.babaji.ca