Quem já não sentiu uma tristeza permanente, falta de vontade de ir para o trabalho, perda de prazer nas atividades do cotidiano, lentidão no raciocínio e vontade de só ficar deitado? Esses são alguns dos indícios da depressão, doença com efeitos corporativos nefastos examinada por um estudo pioneiro conduzido pelos médicos Clarice Gorenstein e Wang Yuan-Pang, pesquisadores do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas e professores da Universidade de São Paulo (USP). Portadores de depressão podem ficar mais de dois meses fora do trabalho. “A depressão tem impacto importante no trabalho por diminuir o número de dias trabalhados e reduzir o desempenho”, explica Yuan-Pang. 

A pesquisa Atitude e Impacto de Depressão Percebida no Ambiente de Trabalho foi feita com base em um questionário de 13 perguntas respondidas por internautas entre 18 e 65 anos de idade. Os entrevistados eram funcionários e gerentes e o objetivo do estudo era estimar como os trabalhadores percebiam a depressão, investigar os déficits relacionados à doença e as possibilidade de tratamento no local de trabalho. Participaram da pesquisa mil adultos, dos quais 411 eram mulheres e 589 homens. Uma das maiores consequências da diferença entre os sexos é que os homens demoram em torno de 80 dias para retornar ao trabalho, em comparação com 56 dias entre as mulheres.

Fatores significativos foram detectados no estudo, a começar pela inexistência de envolvimento de uso de álcool ou substâncias psicoativas, nem a presença de doenças físicas antecedendo o estado de depressão. “Por vezes, a perda de um ente querido, uma separação ou passar por um evento estressante importante pode precipitar um episódio de depressão”, ressalta Yuan-Pang. Os relacionamentos dentro do ambiente de trabalho costumam ser a principal causa para desencadear comportamentos depressivos. “Alguns dos motivos são as lideranças muito autocráticas, que não sabem conduzir processos de negociação, e expectativas sempre frustradas”, afirma Rita Ritz, professora especialista em desenvolvimento organizacional do Institute of Businness Education da Fundação Getulio Vargas.

De acordo com a Associação Psiquiátrica Americana, a depressão é caracterizada como um período de 15 dias ou mais em que o indivíduo apresenta humor alterado na maior parte do tempo e não sente prazer pelas atividades usuais. Trata-se da quarta doença de mais alto custo no mundo. Um estudo realizado em 1993 nos Estados Unidos estimou um impacto anual de US$ 44 bilhões. Cerca de 30% dos jovens com depressão leve apresentarão depressão grave dentro de 15 anos e 50% dos que sofreram de depressão grave não se recuperarão, permanecendo com depressão leve para o restoda vida. 

Com o mesmo método da pesquisa brasileira, a doença foi estudada no local de trabalho de mais de sete mil trabalhadores europeus, com financiamento da empresa farmacêutica dinamarquesa Lund beck, ativa na área das doenças nervosas. “O estudo conduzido no Reino Unido em 2013 relatou uma taxa de 26% dos trabalhadores – um em cada quatro – que já apresentaram depressão durante algum período da sua atividade ocupacional”, diz Clarice Gorenstein.

Enfrentar o problema no trabalho não é fácil, uma vez que funcionários e chefes das empresas relutam em discutir o assunto. “É necessário que as empresas informem seus colaboradores sobre os sintomas, pois a falta de informação,  aliada ao preconceito, faz com que os trabalhadores demorem a procurar ajuda”, ressalta a psicanalista Karitas Ribas, fundadora do Instituto Appana, em São Paulo.

Na pesquisa brasileira, a maioria dos trabalhadores destacou a importância da implementação de um mecanismo corporativo  de proteção contra a depressão, além de sugerir jornadas de trabalho mais fl exíveis. “Não é suficiente apenas os gestores ou a empresa oferecerem ajuda aos trabalhadores com depressão. Ter um espaço com abertura para discutir a doença pode melhorar muito o ambiente de trabalho”, afirma Clarice. 

Depressão x tristeza

Um dos fatores principais no tratamento da depressão no trabalho é o acesso à informação. “É necessário estar alerta às alterações que sentimos, para que possamos perceber quando um sintoma se torna persistente, quando ele se manifesta eventualmente ou é frequente”, aconselha Karitas. “Depois, é preciso procurar ajuda para o diagnóstico e o tratamento, que pode ser feito de forma medicamentosa ou por meio de terapias. Quanto maior for o tempo da permanência da depressão, mais severa ela pode se tornar.” 

Segundo Yuan-Pang, os pacientes que tinham depressão relataram, na pesquisa, possuir um sentimento duradouro de tristeza, acompanhado por perda de prazer nas atividades apreciadas usualmente, além de fadiga fácil com mínimos esforços. Sentiam difi culdades para executar tarefas de rotina e não se animavam para contatos sociais. “Os sentimentos de culpa, autorrecriminação e desvalia são frequentes. A maioria dos pacientes relatou perda de apetite, de sono e de libido, desleixando de cuidados pessoais e higiene. Em casos extremos, a ideia de suicídio pode acometer os pacientes
deprimidos”, observa o psiquiatra. 

Entretanto, tristeza e depressão não devem ser confundidas. Enquanto o sentimento de tristeza é transitório, a depressão é um estado persistente de humor alterado que impacta o funcionamento psicossocial do indivíduo,  comprometendo sua produtividade e a capacidade de sentir prazer na vida. “Uma pessoa com depressão vê o mundo de forma apagada, sem graça, tudo é negativo. Faltam-lhe energia e ânimo para executar as tarefas”, ressalta Clarice. 

A doença incapacita o indivíduo a executar atividades diárias e prejudica as relações interpessoais. Muitos pacientes relatam difi culdade de concentração, memória e atenção, o que afeta o desempenho diário. “Com frequência, sintomas físicos como tensão, cefaleia, problemas gastrointestinais podem acompanhar o quadro de depressão. Quando esse quadro se instala por mais de 15 dias, sem motivo aparente, com claros prejuízos ao indivíduo, deve ser indicada uma ajuda especializada”, indica Clarice.

As principais causas da depressão são os fatores genéticos, psicológicos, biológicos e ambientais. O tratamento contra o problema pode ser feito por meio de medicamentos antidepressivos e psicoterapia Entretanto, se a depressão está relacionada a problemas com o chefe ou perspectivas melhores na carreira, o ideal é que o funcionário tome algumas atitudes. “No limite, a orientação é que o profissional mude de área ou de empresa. Se existem expectativas frustradas, uma saída é traçar um plano para evoluir até chegar ao ponto desejado”, recomenda Rita Ritz. 

 

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Nem eu mesma entendia

Andréia Assunção Ferreira, 31 anos, analista de vendas em São Paulo, viveu um episódio recente de depressão no trabalho. A seguir, o seu depoimento “tudo começou no início deste ano. fim de fevereiro de 2014. tive uma crise de dor de cabeça muito forte seguida de falta de ar, pânico e vômitos. foi num final de tarde dentro da empresa. Precisei ir para casa, mas não achei que fosse algo grave, apenas que estava cansada e, então, tomei um analgésico e fui dormir. Nos dias seguintes as crises começaram a se repetir, cada vez mais frequentes e intensas. eu era socorrida dentro da própria empresa. os funcionários do meu departamento me levavam às pressas para o pronto-socorro, onde eu era medicada e ficava em observação.

Meus dias eram horríveis. eu já não conseguia desempenhar as minhas atividades na mesma velocidade de antes. Qualquer solicitação do meu chefe era motivo para me desesperar ainda mais. Já não me sentia capaz nem de atender o telefone. o sentimento era de total incapacidade e de pânico de estar ali dentro. eu não queria ver nem ouvir ninguém. só tinha vontade de ficar sozinha e de  dormir para passar as minhas dores e o sentimento de angústia. Alguns colegas ficaram preocupados, outros acharam que era frescura minha, por incrível que pareça. Meus chefes sempre diziam para eu me cuidar, mas no fundo eu sempre sentia uma cobrança, um olhar desconfiado, e isso para mim era o mais difícil. Além de estar passando por aquela reviravolta que nem eu mesma entendia, ainda sentia que deveria provar que estava doente.

Depois de dias e noites em prontos-socorros, fui encaminhada a especialistas. foi então que iniciei um “novo ciclo de amizades” com os médicos. fui a neurologista, cardiologista, ginecologista, ortopedista e nutricionista até chegar à psiquiatra. foram muitos exames até se esgotar a possibilidade de eu ter algum problema físico. em junho, a psiquiatra constatou a depressão e o transtorno de ansiedade.

As pessoas costumam associar a palavra depressão com tristeza. Não necessariamente existe relação entre as duas. No meu caso, não sentia tristeza. sentia-me incapaz, angustiada, sempre ansiosa, não conseguia dormir, achava que não conseguiria resolver meus problemas.

Minha médica me afastou da empresa para iniciarmos meu tratamento. Acredito que o excesso de trabalho, as cobranças e o estresse desencadearam todo esse problema, uma vez que o departamento em que eu trabalhava tinha seis pessoas para exercer as funções e o quadro foi reduzido para duas, eu e mais uma. Mas as atividades e os resultados ainda tinham de ser os mesmos, e cada vez mais atribuições eram solicitadas.

Vejo a depressão como uma doença grave e que exige tratamento rigoroso. faço tratamento medicamentoso, que são drogas para controle de ansiedade e indutores de sono e terapia. o tratamento é lento, até porque 50% da melhora depende do paciente, da sua força de vontade e determinação. A medicação é testada até que o paciente se adapte ao remédio e à dosagem, pode levar tempo.

Ainda não retornei ao trabalho. continuo fazendo o tratamento e parte dele é repousar e manter uma rotina tranquila. Pretendo mudar de emprego, sim. sinto que meu ciclo nessa empresa já se concluiu. Mas assim que terminar meu tratamento, pretendo procurar novos desafios. o importante é cuidar da saúde e se sentir bem no ambiente que se escolhe para trabalhar.”