Descobrir o que alguém está pensando já não é uma proeza de ficção científica. Pesquisadores britânicos e japoneses conseguiram “ler” pensamentos de pessoas, analisando neuroimagens obtidas por meio de aparelhos de ressonância magnética funcional.

Ler a mente passou a ser uma habilidade mais próxima do mundo real depois de um estudo do University College de Londres (UCL), publicado em março na revista Current Biology. A pesquisa, conduzida pelos professores Eleanor Maguire e Demis Hassabis, indica que é possível “ler” as memórias de uma pessoa simplesmente examinando sua atividade cerebral. De acordo com os cientistas, nossas memórias são gravadas em padrões regulares, uma descoberta que contraria o atual pensamento científico.

Eleanor e Hassabis já haviam investigado o papel do hipocampo, uma pequena área do cérebro considerada essencial para a orientação, a recordação de memórias e a imaginação de eventos futuros. Num estudo realizado alguns anos atrás, ela examinou os cérebros de taxistas londrinos, os quais passam anos aprendendo o complexo mapa de ruas da capital britânica. Eleanor mostrou que, no cérebro desses motoristas, uma área na parte de trás do hipocampo estava aumentada, o que parecia indicá-la como a região envolvida no aprendizado da localização e da direção.

O novo estudo confirma que os padrões relacionados à memória espacial estão situados na mesma área, sugerindo que a parte de trás do hipocampo tem um papel-chave na representação de ambientes espaciais. Nele, os cientistas conseguiram mostrar como essa área cerebral traz as memórias à tona. Isso é possível com a participação fundamental de neurônios específicos do hipocampo, as “células de localização” (place cells). Segundo Eleanor e Hassabis, quando nos movemos, as células de localização são ativadas para nos dizer onde estamos.

Os pesquisadores usaram um aparelho de ressonância magnética funcional (fMRI, na sigla em inglês), que mede as mudanças no fluxo sanguíneo dentro do cérebro, para examinar a atividade das células de localização enquanto voluntários se moviam num ambiente de realidade virtual. As informações obtidas foram então analisadas por um algoritmo informático criado por Hassabis.

“Perguntamos se conseguiríamos ver padrões interessantes na atividade neural que nos pudessem contar o que os participantes estavam pensando, ou, nesse caso, onde eles estavam”, disse Eleanor. “Surpreendentemente, apenas por ver as informações do cérebro, podíamos prever, de forma exata, onde eles estavam no ambiente de realidade virtual. Em outras palavras, podíamos ‘ler’ suas memórias espaciais.”

Estudos anteriores realizados com ratos não davam pistas a respeito da existência de uma estrutura na qual as memórias fossem gravadas. É por isso que a pesquisa de Eleanor e Hassabis surpreendeu. Ela disse: “Os aparelhos de fMRI nos permitiram ver a imagem mais ampla do que está acontecendo nos cérebros das pessoas. Ao observarmos a atividade de dezenas de milhares de neurônios, pudemos ver que deve haver uma estrutura funcional – um padrão – para a maneira segundo a qual essas memórias são codificadas. De outra forma, simplesmente não seria possível realizar nossa experiência.”

A cientista avalia que essa pesquisa abre um leque de possibilidades sobre como as memórias reais são codificadas através dos neurônios, permitindo ir além das memórias espaciais e examinar lembranças mais ricas do passado ou visualizações do futuro. “Compreender como nós, humanos, recordamos nossas memórias é essencial para nos ajudar a aprender como a informação é processada no hipocampo e como nossas memórias são erodidas por doenças como o Alzheimer”, diz Hassabis. “É também um pequeno passo rumo à ideia de leitura da mente, porque simplesmente ao observar a atividade neural podemos dizer o que alguém está pensando.” Ele avalia que se passariam pelo menos dez anos até se chegar a uma tecnologia com a qual se conseguisse ler os pensamentos de alguém numa sessão simples, mesmo contra a vontade da pessoa examinada.

Eleanor também vislumbra um intervalo de tempo semelhante até que seja possível “ver” dentro da cabeça de alguém. “Podemos descansar tranquilos em termos de leitura da mente. Embora tecnicamente nesse estudo pudéssemos predizer a memória espacial de alguém a partir de sua atividade cerebral, não houve nada intrusivo a respeito do que fizemos. Não é que pudemos pôr alguém em um aparelho de ressonância magnética e de repente lemos seus pensamentos. É um processo que ainda está num estágio bastante preliminar.” De qualquer modo, uma brecha na caixa de Pandora da leitura da mente já foi aberta – tanto é que Hassabis considera que já seria útil começar a discutir as implicações éticas dessa possibilidade.

Imagens mentais em tela

Você pode ler meus pensamentos? Cientistas do Laboratório de Neurociência Computacional ATR, de Kyoto (Japão), também levaram o desafio a sério e conseguiram projetar imagens mentais sobre uma tela. A experiência demonstrou a possibilidade de se reconstruírem várias imagens vistas por uma pessoa por meio da análise do seu fluxo sanguíneo cerebral. Através de um aparelho de ressonância magnética funcional (fMRI ) foram mapeadas as alterações do fluxo segundo as imagens percebidas pelo paciente durante 12 segundos, enquanto um computador analisava os dados e associava as variações. A seguir, o paciente foi submetido a uma nova série de imagens, como as letras que compõem a palavra neuron, e o computador foi capaz de reconstruir e mostrar aquilo que a pessoa estava vendo, baseando-se unicamente na sua atividade cerebral. Até o momento, a pesquisa foi feita com 400 imagens em preto e branco, de 10 x 10 pixels cada uma, mas os cientistas asseguram que no futuro a técnica poderá ser aplicada a situações mais complexas, até chegar à representação de imagens do pensamento e dos sonhos. Os resultados do estudo, publicados na revista Neuron, poderão ser aplicados inclusive no campo das artes visuais e do design. Segundo os cientistas, será possível, por exemplo, ler o que se passa na mente de um artista quando ele cria uma obra. A descoberta poderia ainda abrir caminho para desenvolvimentos posteriores, inclusive no campo dos outros sentidos, e sugerir novos tratamentos na psiquiatria, sobretudo para problemas ligados às alucinações. “Essa tecnologia”, explicou o chefe do ATR, Yukiyasu Kamitani, “poderá ser estendida também aos demais sentidos. Será possível ler os sentimentos e os estados emocionais complexos de uma pessoa.” Kang Cheng, pesquisador do Riken Brain Science Institute, saudou a novidade como “uma grande descoberta para a compreensão da atividade cerebral” e previu, tal como seu colega britânico Demis Hassabis, que a leitura da mente em espectro mais amplo não está muito distante: “Em apenas dez anos os progressos nessa área tornarão possível ler os pensamentos de uma pessoa com um bom grau de precisão.”

Equipe Planeta