Nada de confinamento, nem máscaras: apesar do aumento dos casos de covid-19, a Suécia insiste em manter apenas um mínimo de medidas restritivas, com grande apoio popular.Para alguns, o epidemiologista-chefe da Agência de Saúde Sueca, Anders Tegnell, é um defensor da liberdade e da sensatez cuja antipatia por confinamentos permitiu que os suecos continuassem esquiando, fazendo compras e jantando fora sem máscara, enquanto no resto da Europa a imposição das regras restritivas da pandemia chega a envolver ação policial.

Para outros, é um renegado temerário, responsável pela perda de muito mais vidas do que necessário, que colocou a Suécia no topo das listas de contágios de covid-19. Até mesmo o rei Carl Gustaf expressou consternação diante da taxa de mortes.

Tegnell se mostra atônito com a imagem constantemente disseminada do curso adotado por seu país como algo único, e com as incontáveis discussões sobre se foi correto ou não.

“Dizer que a Suécia tenha agido diferente de outros países, não é verdade”, comentou o epidemiologista à DW, em Estocolmo. “Fizemos basicamente o mesmo que muitos outros países, de modo ligeiramente diferente.”

“Ligeiramente diferente” soa como uma minimização diante das severas restrições adotadas por outros países da União Europeia, com multas salgadas para quem as violar. Na Suécia – excetuados a limitação do número de participantes de reuniões em público e o fechamento de bares e restaurantes às 20h –, a maioria das medidas foram estabelecidas não como normas obrigatórias, mas “recomendações”.

Restrições voluntárias

Uma das diferenças mais óbvias ao andar por Estocolmo é a ausência do uso de máscaras. Tegnell acredita que elas são pouco eficazes em evitar a transmissão do novo coronavírus, sobretudo comparadas com o distanciamento físico. Por isso, o uso nunca foi compulsório para os suecos.

“Podemos ver países como França, Itália, mesmo a Alemanha, com regras muito rigorosas sobre as máscaras, e que ainda têm um grande número de casos”, observa. Foi apenas em janeiro que os usuários de transportes públicos passaram a ser encorajados a colocar máscara, em especial nos horários de pico, mas não há penalidade para quem não o faça.

Apesar da imagem de uma vida pouco alterada pelo Sars-Cov-2, Tegnell sustenta que “as pessoas mudaram enormemente o seu comportamento, e foi por vontade própria, por saberem que é a coisa certa”. Assim, cerca de 40% dos cidadãos agora estaria trabalhando de casa, viaja-se muito menos e, se possível, evitam-se os transportes públicos.

Segundo o médico, o que a Suécia fez, em contraste com outros, foi focar “o que precisamos fechar, para ter efeitos, de modo a não precisar fechar toda a sociedade”. O governo sueco só dispõe de direito legal temporário para impor um confinamento, se considerar necessário, mas não o fez.

Sem comparação com Finlândia e Noruega

Anders Tegnell rejeita comparações simplistas com as vizinhas Finlândia e Noruega, que optaram por medidas mais rigorosas logo no início da crise e agora contam entre os países europeus com as mais baixas taxas de mortalidade.

Há “enormes diferenças” entre as duas e seu país, afirma, enfatizando a concentração demográfica nas grandes cidades, uma maior percentagem de indivíduos de baixo poder econômico e a tendência dos suecos de viajarem mais.

Assim, a Finlândia e a Noruega “são as exceções”: “A Suécia é muito mais comparável à Bélgica, Áustria, até Alemanha, em diversos aspectos”, diz Tegnell.

Falhas de comunicação do governo

O professor de jornalismo Christian Christensen, da Universidade de Estocolmo, tem acompanhado o impacto causado pelos métodos do governo para comunicar suas políticas. Ele toma cuidado para não questionar as avaliações epidemiológicas, mas tem uma série de outras ressalvas.

Em sua opinião, o país não deve ser considerado uma utopia nem uma distopia. “Uma coisa que a Suécia não fez muito bem foi comunicar à população a explicação racional por trás de suas políticas”, afirma.

Como exemplo, ele cita o uso de máscaras protetoras: faz apenas três meses que foi expedida a recomendação de usá-las durante a hora do rush. Não são muitos o que seguem a orientação, fato que Christensen atribui à falta de informações complementares.

“Foi o resultado de uma mudança na avaliação científica ou só uma mudança de política?”, pergunta, acrescentando: “Então se você está dizendo que vai ajudar, e a visão da ciência não mudou radicalmente nesse ponto, então eu diria: por que não fez isso antes?”

O professor frisa tratar-se de uma informação que seria especialmente importante para o segmento da população que é “essencialmente forçado” a usar o transporte público por não ter automóvel.

“Aqui se está vendo uma distinção de classes bem nítida. Acho que uma das coisas que notaremos nos próximos cinco a dez anos, quando olharmos para os tempos da covid, é até que ponto essa questão específica não foi suficientemente discutida na Suécia ou na Europa.”

Homenagem tatuada

O epidemiologista Tegnell afirma que seu departamento se esforçou para divulgar informações sobre os métodos de prevenção da covid-19. Reconhecendo que “sempre podemos fazer mais, pois ainda há essas parcelas da população que são atingidas como mais força”. Ele frisa que a maioria dos suecos está contente com a gestão das medidas públicas.

Um deles é Gustav Lloyd Agerblad, um vendedor de equipamento de perfuração residente em Estocolmo que em 2020 fez manchetes ao mandar tatuar em seu braço o retrato de Tegnell. “Ele foi de zero a astro de rock”, comenta Agerblad, rindo – embora reconheça que a popularidade do epidemiologista caiu um pouco, desde a alta das infecções.

O vendedor de 32 anos diz que não se arrepende, em absoluto, já que Tegnell “representa esse modo diferente de gerir crises no mundo, em que as pessoas ainda podem ter muitas liberdades”.

Indagado sobre a homenagem que recebeu em forma de pintura na pele, Anders Tegnell explica que, enquanto especialista em doenças infecciosas, não é a favor de nenhum tipo de tatuagem.