O mundo inteiro se prepara para assistir à Olimpíada de 2008, cujo pontapé inicial será dado em Pequim a 8 de agosto, durante a tradicional megacerimônia de abertura. Noventa mil pessoas lotarão o “Ninho de Pássaro”, o estádio olímpico especialmente construído para o evento, e quatro bilhões de espectadores em todo o mundo estarão com o olhar fixo na tevê ou na internet.

Há vários meses, as mídias ecoam as controvérsias a respeito do percurso da chama olímpica ao redor do mundo, sobre a eventual mudança das provas de natação e de ginástica para que elas coincidam com o início dos noticiários noturnos das tevês norte-americanas… Enquanto isso, as manifestações de protesto contra a violência chinesa no Tibete e a situação dos direitos do homem na China ameaçam manchar a festa.

OS JOGOS, DA MESMA forma que as polêmicas que suscitam, serão cobertos pelas mídias mundiais, que serão lidas, ouvidas e examinadas por um público internacional. Mas o que ele poderá compreender? De que modo os desempenhos e as problemáticas, serão decifrados pela população do planeta?

Nesse quadro, qual é o papel dos professores de jornalismo?

Foi para responder a esse tipo de perguntas que 50 alunos e 12 professores de 14 universidades dos cinco continentes se reuniram no verão passado em Salzburgo, na Áustria. Um dos professores vinha da China. Desde o início desse encontro, que durou três semanas, ele manifestou suas inquietudes. Embora sua escola ministre uma excelente formação jornalística, ela consiste na verdade em um buraco n’água: os diplomados não conseguem trabalhar. Com efeito, por que as mídias pagariam repórteres e redatores quando podem chamar estagiários que trabalham de graça? Além disso, explicou o professor chinês, a imprensa chinesa é dominada por tablóides que não primam, sabemos bem, pela qualidade de suas informações nem por sua exatidão ou sua objetividade. Fofocas e notícias sobre celebridades dominam a cada dia a mídia chinesa, tanto a escrita quanto a on-line. Como, na sua condição de professor, ele poderia ajudar a remediar essa situação?

Essas três semanas de reflexão propostas pela Academia de Salzburgo sobre as mídias e as mudanças mundiais, durante as quais os participantes prepararam um curso de iniciação ao controle das mídias destinadas aos estudantes do mundo inteiro, proporcionaram a esse professor uma visão totalmente nova sobre seu papel. Ele não consiste apenas em ensinar a seus alunos como informar sobre os fatos e os problemas do dia-a-dia, mas também em sensibilizá-los sobre a importância de uma imprensa livre e objetiva. Pois enquanto não ensinarmos ao público que o acesso à informação é uma condição necessária ao exercício da cidadania, ele não exigirá um jornalismo de qualidade.

Hoje, mais do que nunca, as mídias desempenham um papel vital para a sociedade civil; a liberdade de expressão, porém, perde terreno em quase toda parte. A atenção fixou-se a tal ponto na gestão das novas tecnologias, na interrogação sobre a viabilidade dos modelos econômicos, na adaptação às flutuações espetaculares dos índices de audiência e na condenação de uma fome aparentemente insaciável de uma imprensa de escândalo, que deixamos de lado várias outras questões essenciais.

Os defensores da liberdade de imprensa fizeram contas de tudo o que aconteceu nos últimos tempos: violações da liberdade de palavra, jornalisjornalistas transformados em alvo de ataques, fechamento de mídias bem estabelecidas como suportes virtuais, marginalização de vozes de minorias. Os atentados à liberdade de expressão e à liberdade de imprensa assumiram tais proporções em toda parte ao redor do mundo que não podem mais ser ignorados.

Trata-se, na verdade, de uma questão de vida ou morte. Segundo a Associação Mundial de Jornais, com sede em Paris, 95 jornalistas foram mortos em serviço em 2007: 44 no Iraque, 8 na Somália, 6 no Sri Lanka e 5 no Paquistão. A eles se somam os 110 jornalistas abatidos em 2006, entre eles algumas vozes mundialmente importantes, como a da jornalista investigativa russa Anna Politkovskaïa. Quando Pervez Musharraf, presidente do Paquistão, suspendou a constituição do seu país em novembro último, vários canais de tevê foram fechados, proibiuse a retransmissão de programas estrangeiros via cabo e os boletins de informação foram submetidos à censura. Alguns jornalistas foram condenados a duras multas ou proibidos de se manifestar, sob pena de serem condenados e presos por até três anos.

As mídias têm um papel vital na sociedade civil

POR OUTRO LADO, no Ocidente, países como a França são obrigados a gerir a situação de filhos e netos de imigrantes norte-africanos que foram marginalizados – inclusive pelas mídias, a não ser quando eles fazem seus protestos – e até demonizados por descrições estereotipadas, reforçando uma imagem negativa que não corresponde à realidade. Os jornalistas não deveriam correr tais riscos para fazer uso público de sua palavra. Uma imprensa livre não é útil e fundamental apenas em tempos de crise política. Mídias que permitem a manifestação das mais diversas vozes e o debate das mais variadas idéias são indispensáveis para o respeito e o bom funcionamento das instituições. Elas também são importantes para o crescimento econômico, a transparência e a responsabilidade das empresas. A liberdade de expressão é preciosa como o ar que respiramos. Trata-se de uma questão de vida ou morte. Para viver feliz e em segurança, o público deve ter consciência do caráter fundamental do seu direito à liberdade de expressão.

Como fazer para essa causa progredir? Ensinando, apresentando aos alunos estudos e análises de casos representativos e oferecendo-lhes os instrumentos que permitem um distanciamento da tendência das mídias a privilegiar o sensacionalismo ou fazer a corte às novas gerações. Os futuros jornalistas devem compreender que sem a pluralidade de expressão, sem essa capacidade que as mídias sadias possuem de representar o conjunto das opiniões, não pode haver sociedade livre, aberta e justa.

Quando não temos acesso a todas as vozes, quando nada protege essa pluralidade, só chega a nossos ouvidos a voz dos mais poderosos. Ensinar os estudantes, sem exceção, a examinar o que lêem, ouvem e vêem, ensiná-los a detectar aquilo que não lhes é dito e que não lhes é mostrado, é crucial para que exercitem seus direitos de cidadãos e para a igualdade das oportunidades.

A 8 de agosto, quando começarão os Jogos, a grande maioria dos espectadores achará muito natural assistir a essa grande confrontação de atletas do mundo inteiro. Não seria necessário que essa diversidade que caracteriza a Olimpíada se refletisse numa diversidade de expressões nas mídias? Não seria necessário que o público compreendesse que ter acesso a uma tal diversidade não é apenas um direito, mas também, e sobretudo, uma necessidade?

Susan Moeller, diretora do International Center for Media and the Public Agenda (EUA).