Agência intergovernamental Irena apresenta modelo para meta climática ambiciosa até 2050, apostando em energias renováveis e na eliminação de CO2 – com efeitos secundários positivos para economia e mercado de trabalho.”A janela de tempo para a meta de 1,5 ºC se fecha rapidamente. Estamos nos movendo na direção errada”, declarou nesta terça-feira (16/03), em Abu Dhabi, o diretor-geral da Agência Internacional de Energia Renovável (Irena, na sigla em inglês), Francesco La Camera.

Com a publicação do relatório World energy transitions outlook (Perspectivas mundiais das transições energéticas), a organização, que engloba 162 nações, enfatiza ser praticável a meta de limitar o aquecimento global a 1,5 ºC acima dos níveis pré-industriais, até 2050.

“O Outlook [relatório] aponta opções que temos na estreita corda-bamba para a meta de 1,5 ºC. Uma mudança de curso significativa exige uma aceleração drástica da virada energética”, afirma a Irena.

Em seu modelo, a agência parte de um orçamento global disponível de 500 bilhões de toneladas de dióxido de carbono. Se não for lançada na atmosfera mais do que essa quota, a probabilidade de alcançar a meta é de 50%. Para elevá-la até 67%, o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) calcula ser necessária uma redução do orçamento de CO2 a 285 bilhões de toneladas. Atualmente, os setores de energia e agricultura emitem 42 bilhões de toneladas por ano.

Predomínio da energia elétrica

“O caminho diante de nós é um tremendo desafio, mas uma série de fatores favoráveis o tornam realizável”, assegurou o diretor-geral La Camera na apresentação do documento.

“Economias nacionais importantes, responsáveis por mais da metade das emissões de CO2 do mundo, estão no processo da neutralidade climática. Também o capital global entrou em movimento; mercados financeiros e investidores depositam capital em aplicações sustentáveis.”

A Irena parte do princípio de que a energia elétrica será a forma principal de energia, com a previsão de que, até o ano 2050, 80% de todos carros e caminhões serão elétricos. Nesse mesmo prazo, um total de 400 milhões de bombas de calefação elétricas – 20 vezes o total atual – aquecerá os edifícios.

Por outro lado, calefação, transportes e também a produção de hidrogênio verde exigirão três vezes mais energia elétrica do que hoje. Usinas de carvão mineral serão praticamente inexistentes, com 90% da eletricidade partindo de fontes renováveis, sobretudo o sol e o vento.

Assim, até 2050 a capacidade fotovoltaica instalada deverá ser 30 vezes maior que em 2018; a eólica, 14 vezes; e a hidroelétrica precisará dobrar. A parcela do gás natural ficaria em 4%, a da energia nuclear, em 6%. Para alcançar sua meta climática, a Irena aposta, ainda, em tecnologias para eliminação de dióxido de carbono da atmosfera, como florestamento, carvão vegetal e a captura e armazenamento de carbono no subsolo (CCS).

Vantagens para economia e mercado de trabalho

De acordo com La Camera, a virada energética já começou: o consumo mundial de petróleo continuará a diminuir nos próximos anos, e a partir de 2025, também o de gás natural. “Os mercados financeiros já refletem essa transformação, ao retirar capital dos combustíveis fósseis e aplicá-lo em investimentos sustentáveis, como as energias renováveis.”

Em relação aos pacotes conjunturais planejados, o diretor da organização intergovernamental adverte contra decisões equivocadas: as verbas devem ser aplicadas estrategicamente para a meta de 1,5 ºC, e nesse caso também trariam grandes vantagens para o mercado de trabalho. “Para cada milhão de dólares investido aqui, serão criados quase três vezes mais empregos do que com os combustíveis fósseis”, afirma.

Na opinião de Christian Breyer, professor de economia solar da Universidade LUT, da Finlândia, um dos principais especialistas em modelos energéticos globais, “o cenário de 1,5 ºC da Irena vai na direção certa” e é “cogitável”. Ele critica, porém, o fato de se orientar por um orçamento de CO2 com apenas 50% de probabilidade de alcançar a meta.

O modelo prevê, ainda, grande volume de emissões negativas, o que, segundo Breyer, “é tecnicamente difícil, economicamente muito caro; e ninguém iniciaria uma viagem com 50% de probabilidade de terminar de modo fatal”. Além disso, as vantagens da “extremamente econômica eletricidade solar ainda não foram inteiramente integradas no cenário, mas soluções sistêmicas custosas, como energia nuclear e biomassa com emissão de CO2, sim”.

Em contrapartida, ao lado de outros peritos científicos em energia, Breyer conclama a uma iniciativa global por um sistema de energias renováveis, visando suprir inteiramente o mundo com elas até o ano 2035. De sua declaração conjunta consta que, com considerável vontade política, o projeto é “técnica e economicamente realizável”.

O sistema proposto seria também mais barato do que um incluindo energia fóssil e nuclear, afirmam os cientistas. Assim como a Irena, eles enfatizam os efeitos secundários positivos: a transição para as fontes renováveis aqueceria a economia mundial e criaria milhões de vagas de trabalho a mais do que o velho sistema de energia.