Muitas empresas estão prosperando graças a produtos e serviços inovadores que ajudam a melhorar a qualidade de vida da população carente. São os chamados negócios sociais, ou “setor 2,5”, pois ficam entre o segundo setor (a iniciativa privada) e o terceiro (o das ONGs e organizações sem fins lucrativos), criando modelos que buscam soluções de mercado para superar problemas sociais e ambientais.

Como qualquer companhia, a “empresa social” deve dar lucro. Mas ele não é um fim em si mesmo, e sim um meio para gerar soluções que ajudem a reduzir a pobreza, a desigualdade e a degradação ambiental. Embora no começo a iniciativa possa depender de doações e recursos de fundos de investimento, o negócio deve se tornar autossustentável com o tempo. O produto ou serviço comercializado visa beneficiar diretamente as pessoas da base da pirâmide social e gerar recursos para a empresa prosperar e ser eficiente. Empresas sociais também precisam educar para o consumo sustentável e desestimular o endividamento.

A forma de usar o lucro ainda é controversa. Para o economista Muhammad Yunus, Prêmio Nobel da Paz em 2006 (ver quadro na pág. XX), os investidores só deveriam recuperar o capital investido, sem direito a lucros e dividendos. A rentabilidade, afirma Yunus, deve subsidiar investimentos em marketing, inovação, tecnologia e aprimoramento de processos.

Já os defensores da distribuição de lucro afirmam que, quanto mais atraente for o negócio, mais investidores se interessarão e mais problemas sociais serão abordados, pois o modelo cresce e é replicado. Nesse grupo estão aceleradoras de negócios sociais, fundos de investimento, startups e incubadoras.

Como o conceito é novo, a falta de uma definição clara e de uma legislação específica cria obstáculos. No Reino Unido, o governo regulamentou o setor e se tornou cliente das empresas sociais, que movimentam R$ 74 bilhões por ano. Em países como Chile, Canadá, EUA, Austrália e Coreia do Sul, os negócios éticos já são bastante estruturados.

Em 2009 havia só um fundo de investimento voltado para os negócios sociais; hoje, são dez. Embora não se saiba quantas empresas sociais existem no Brasil, o setor vem se fortalecendo. Calcula-se que os fundos internacionais tenham R$ 250 milhões para investir aqui.

Formação profissional

Em Salvador (BA), o Instituto de Co-Responsabilidade Social (Incores) qualifica e insere jovens carentes no mercado de trabalho. Desde sua criação, em 2010, cerca de 400, com idade entre 14 e 24 anos, passaram pela empresa. Desses, 37 concluíram o curso e 68 foram efetivados em parcerias com Ford, Banco do Brasil, Odebrecht e Voith. “O fundamental é despertar os jovens para atuar como agentes de transformação da vida e da sociedade”, diz Tanya Andrade, superintendente do Incores.

Há sete anos, Tanya dirigia o Programa Enter Jovem, implementado no Brasil pelo American Institutes for Research, que atendia 11 mil jovens de comunidades pobres. Quando o instituto deixou o Brasil, a equipe decidiu conduzir o programa como um negócio social, para não depender de doações. O Incores começou numa pequena sede, com equipamentos e móveis doados. A aceleradora NESsT colaborou com recursos financeiros, assistência técnica e profissionais que ajudaram a estruturar e gerir o negócio.

Em apenas um ano, a empresa atingiu o ponto de equilíbrio, mudouse para um espaço maior e hoje se mantém com a receita gerada por 25 contratos e convênios. Tanya atribui o sucesso à qualidade da formação dada aos jovens, além de estruturação adequada e um bom planejamento inicial. Mas nem tudo foi fácil. “As empresas sociais ainda são olhadas com desconfiança. Até abrir uma conta empresarial é trabalhoso”, diz.

No início a empresa tinha 32 aprendizes. Em 2011 já eram 250. Hoje ela contabiliza mil jovens treinados em cursos com duração de até 24 meses. Por ainda integrar a rede NESsT, o Incores foi audado pela consultoria PwC, que analisou a gestão e delineou a estratégia de expansão. O instituto chegou este ano a São Paulo, para desenvolver atividades na capital e no ABC.

Conflitos

Em 2001, o advogado curitibano André Albuquerque criou a Terra Nova Regularizações Fundiárias, primeira empresa social do país especializada em mediar conflitos entre proprietários e moradores em áreas urbanas de ocupação irregular consolidada. Ela faz a ligação entre governo, titulares do domínio (proprietários) e ocupantes.

Com calma e determinação, Albuquerque busca transformar disputas em acordos. Para tanto, criou um método de atuação que permite o acesso de milhares de pessoas a títulos de propriedade. Em seus 12 anos, o negócio já fechou mais de cinco mil contratos de regularização e hoje atua em conflitos que envolvem 50 mil pessoas.

Outra empresa social de Albuquerque, a Renascer Reassentamento e Desenvolvimento Humano, reassenta famílias impactadas por obras de infraestrutura. A experiência começou em 2008, com os ribeirinhos atingidos pelas obras da hidrelétrica de Santo Antônio, em Porto Velho (RO), construída pela Odebrecht. A ação beneficiou 80 famílias. Segundo o advogado, seu método pode ser replicado em outros países. “Muitas famílias perdem sua condição de trabalho e rompem relações familiares ou sociais quando reassentadas involuntariamente. Precisamos mudar a forma de tratar os mais vulneráveis”, afirma.

A Terra Nova já atraiu a atenção de um grande fundo de investimentos. Ela se reestruturou, atraiu colaboradores e planeja ampliar a atuação. A empresa tem cerca de 20 projetos em prospecção e pretende regularizar 50 mil famílias no Paraná e em São Paulo até 2017. “Vamos continuar trabalhando para viver em um mundo mais equânime e fraterno”, diz Albuquerque.

Saúde itinerante

O caos na saúde pública inspirou o médicocirurgião Roberto Kikawa a criar em 2008 o projeto Centro de Integração de Educação e Saúde (Cies) para levar atendimento preventivo especializado e de alta tecnologia a comunidades carentes por meio de um centro móvel avançado. Seu projeto tornou-se conhecido pela “Carreta da Saúde”, um caminhão com 100 m2 de área útil quando aberto, que oferece equipamentos e atendimento médico em até 12 especialidades.

O Cies tem parcerias com governos, empresas, sociedade civil e comunidades. Desde sua criação, a carreta e outras unidades já percorreram 27 cidades, atendendo cerca de 100 mil pessoas. Atualmente, o projeto está presente no bairro de Ermelino Matarazzo, na capital paulista, em Três Lagoas (MS), São Francisco do Sul e Navegantes (SC). Ainda este ano começará a atuar no Morro do Alemão, no Rio de Janeiro. Países como Itália, Colômbia, Panamá, Venezuela e Angola já se interessaram pelo projeto.

O Cies trabalha com profissionais remunerados, garantindo um atendimento de qualidade. O programa opera com três modelos. Quando contrata o atendimento, o governo paga pelos serviços, baseados na tabela do Sistema Único de Saúde (SUS). Empresas privadas também podem contratar as unidades (Carreta, Boxes e Van da Saúde). A custo mensal baixo (de R$ 12,00 a R$ 144,00) as comunidades também podem ter acesso a um check-up completo anual.

Segundo Kikawa, o negócio está em fase de replicação e poderá se tornar uma franquia. “Temos convite para implantar o projeto em vários Estados, países da América Latina, África e até nos EUA”, afirma.

Ensino aprimorado

Escolas públicas dificilmente oferecem a mesma formação do ensino privado. Por isso, em 2011, Cláudio Sassaki e Eduardo Bontempo fundaram a Geekie, empresa voltada a proporcionar educação de alto nível em escala, independentemente de classe econômica ou social, por meio do desenvolvimento de produtos para melhorar o aprendizado.

“Optamos por montar uma startup, pois acreditamos em negócios com resultados e retorno financeiro, mas cujo objetivo seja o impacto social”, diz Sassaki. “Para cada escola particular que paga por nossos produtos, oferecemos gratuitamente o mesmo para uma escola pública.”

Nesse sentido, a qualidade da equipe é fundamental. “Um dos principais desafios é a contínua contratação de talentos. Buscamos gente diferenciada tecnicamente, que tenha valores semelhantes aos nossos e o objetivo de melhorar a educação no país”, afi rma  Sassaki.

A Geekie já atingiu cerca de 7,1 mil escolas, das quais 6,3 mil da rede pública, impactando 430 mil alunos (380 mil da rede pública). O Geekie Games, projeto desenvolvido para o Enem 2013, fez o impacto potencial subir para 2,6 milhões de alunos do ensino médio, considerados a parceria da empresa com 11 Secretarias de Ensino e o trabalho de divulgação e contato com estudantes.

A empresa também lançou projetos especiais como o “Simulado Geekie Estadão” no modelo Enem, em parceria com o jornal O Estado de S.Paulo. Ela ofereceu o seu Geekie Teste um mês antes da prova do Enem e, com isso, atingiu 160 mil pessoas. As novidades continuam. “Alunos do ensino médio vão poder ter acesso gratuito ao Geekie Lab, nossa plataforma online  de aprendizado adaptativo que permite a preparação para o Enem por meio de ferramentas de diagnóstico e estudo personalizado”, avisa Sassaki