Combater a depressão já é um problema de saúde pública. Até 2030, essa será a doença mais comum no mundo. Uma nova técnica não medicamentosa surge como terapia, mas mexe com resistências antigas por ser uma evolução do tratamento por eletrochoque.

Desde a Grécia Antiga, há mais de 2.500 anos, a eletricidade tem sido usada para tratamentos de saúde. Como não existia a energia que acende lâmpadas e movimenta elevadores, os gregos usavam enguias e peixes elétricos sobre a testa do paciente. O conceito, portanto, não é nada novo, mas as formas como essa terapia é aplicada evoluíram muito desde então. Uma nova técnica está lançando luz no fim do túnel escuro da depressão.

Não se trata de um alento apenas para os deprimidos, mas para toda a sociedade, que precisa lidar com previsões deprimentes para as próximas décadas. Em 2030, a depressão deve atingir mais pessoas no mundo do que qualquer outra doença, superando a incidência de ataques cardíacos e câncer, segundoa Organização Mundial da Saúde (OMS). No Brasil já são 38 milhões de pessoas afetadas. Os casos mais graves incluem uma vida em estado lamentável e mortes prematuras, pois a depressão pode levar ao suicídio.

A novidade, chamada de “convulsoterapia magnética” (magnetic seizure therapy, MST, em inglês), já está em fase experimental na América do Norte e na Europa. Em 2014, o Brasil pode entrar para o grupo de países participantes desses testes para aprovação do método. “Estamos avaliando uma proposta de adquirir a máquina para participar desse ensaio clínico multicêntrico”, revela André Brunoni, coordenador do Serviço Interdisciplinar de Neuromodulação do Instituto de Psiquiatria (IPq) do Hospital das Clínicas da USP.

As pesquisas em MST estão sob o comando do canadense Jeff Daskalakis, referência mundial na área, que abriu, em novembro de 2012, uma clínica especializada em Toronto, o Cen tre for Therapeutic Brain Intervention. Para entender essa forma de tratamento, é importante conhecer duas outras técnicas já utilizadas em larga escala: a estimulação magnética transcraniana repetitiva (EMTr) e a eletroconvulsoterapia (ECT), mais conhecida como eletrochoque eletrochoque.

Comumente estigmatizada pelo uso equivocado e punitivo no passado, mostrado nos filmes Bicho de Sete Cabeças, com Rodrigo Santoro, e Um Estranho no Ninho, com Jack Nicholson, a terapia por meio de choques elétricos evoluiu muito em relação aos seus primórdios, nos anos 1930. Os resultados são alcançados logo na primeira semana, diferentemente dos remédios antidepressivos, que podem levar semanas para fazerem efeito. Ela é geralmente aplicada nos casos em que as medicações psiquiátricas não obtêm nenhuma resposta do paciente, cerca de 20%. Sua eficácia hoje é incontestável, por isso é a técnica mais indicada para casos graves, em que o risco de suicídio é iminente. A ECT obtém boas respostas em 80% a 90% dos casos e 50% dos pacientes alcançam remissão (eliminação dos sintomas).

Antes de receber os choques, o paciente é anestesiado. A descarga elétrica enviada ao cérebro causa convulsões, que, acredita-se, provocam a liberação  dos neurotransmissores e hormônios, carentes nos deprimidos. Os neurotransmissores – como serotonina, noradrenalina  e dopamina – são moléculas responsáveis pela comunicação entre os neurônios, as células do sistema nervoso. “A contraindicação nesse caso é a necessidade de anestesia e os déficits cognitivos, como desorientação e perda de memória”, explica Brunoni. 

Quando se trata da EMTr, a proposta é remodelar a atividade cerebral por meio de estímulos elétricos. Um braço da máquina é posicionado sobre a área da cabeça a ser atingida. Dentro dele estão as bobinas, as quais geram um campo magnético que penetra pela caixa craniana e estimula as células do cérebro sem causar dor nem ferimento. A corrente elétrica se espalha pela região que está hipoativa, causando a depressão.

Efeitos colaterais

“A técnica é supersegura. Dois dos poucos efeitos adversos são dores de cabeça leves e um pequeno zumbido no ouvido. O maior problema mesmo é que nem todo mundo responde ao tratamento”, resume Marco Antônio Marcolin, Ph.D. pela Universidade de Illinois (EUA). Segundo estudos comparativos produzidos de 1996 até hoje, os resultados do EMTr são iguais ou melhores que os antidepressivos em altas doses.  A técnica só foi reconhecida no Brasil, pelo Conselho Federal de Medicina (CFM), em maio de 2012, para tratamento psiquiátrico de depressão uni e bipolar e alucinações auditivas na esquizofrenia.

Aliando a segurança desse procedimento à efetividade da eletroconvulsoterapia, surge a convulsoterapia magnética, ou MST. Como o sistema de campo magnético tem uma ação mais localizada, ela evita que a atividade elétrica se espalhe por outras áreas do cérebro, associadas aos efeitos colaterais da ECT. Segundo Daskalakis, os testes com a convulsoterapia magnética têm mostrado ausência dos efeitos colaterais e as respostas ao tratamento têm sido altas.

Obviamente, ainda é cedo para saber quanto custará uma sessão de MST no Brasil. A de EMTr custa cerca de R$ 350, e desde dezembro de 2012, passou a ser coberta por planos de saúde; a de ECT, R$ 500, e é oferecida pelo Sistema Único de Saúde (SUS). No primeiro mês, o preço do tratamento pode ser alto, pois são necessárias várias sessões por semana, sobretudo com EMTr. Na fase de manutenção, a frequência é bem reduzida. No caso dos tratamentos com remédios, os gastos dependem da dosagem receitada para cada paciente, mas chegam facilmente a R$ 500 por mês em casos graves e moderados. Nisso não estão incluídos medicamentos indiretos para alteração do sono e do apetite, redução da libido, náusea, tontura e tremores, os efeitos colaterais mais comuns dos antidepressivos. Além disso, o uso dos fármacos pode durar anos ou toda a vida. Entretanto, com ou sem efeitos colaterais, as terapias oferecem saída a curto prazo para a depressão.