As casas coloridas de Port Stanley, capital das Malvinas

Praias ricas em cores e animais. No detalhe abaixo, uma igreja presbiteriana

Não é fácil chegar ao arquipélago das Malvinas (Falklands, para os britânicos), no extremo sul das Américas, a 550 km da Patagônia argentina. É preciso fazer combinações de voos até Punta Arenas, no Chile, e de lá para Port Stanley, capital das ilhas. A opção é ir até Oxfordshire, Inglaterra, pegar um avião da Royal Air Force e fazer uma escala na ilha de Ascensão, no meio do Atlântico Sul. É longe, mas vale a pena. Um dos melhores motivos para viajar é se livrar de imagens estereotipadas.

Há 30 anos, o arquipélago emergiu no palco global quando argentinos e britânicos travaram uma guerra surrealista pela sua posse, em 1982. A geografia revelada, então, ao mundo era inóspita: a paisagem lembrava uma terra arrasada, monótona, desértica, em tom ocre. O arquipélago era rico em vento, granizo, neve e gelo. O escritor argentino Jorge Luis Borges definiu o conflito como “dois carecas lutando por um pente”.

Além das aparências, as imagens são outras. Nas Malvinas há recursos naturais, pesca e petróleo, que o Reino Unido e a Argentina ambicionam, além do turismo que começa a crescer com a divulgação da natureza extrema e da diversidade da sua fauna.

A primeira impressão para quem se aproxima das ilhas é uma impressionante sequência de praias com uma visão grandiosa do ambiente marinho, enriquecido por uma forte presença animal. Um cenário que muda a qualquer momento: o que era um mar manso, similar a um lago tingido de azul ou de verde-esmeralda, pode virar um inferno gelado, rapidamente crispado por altas ondas e riscado por relâmpagos polares. As imagens arrebatadoras revelam um caos inóspito numa dimensão inusitada, difícil de absorver.

Os Land Rover são quase uma unanimidade no arquipélago

Em meio à paisagem assombrosa, surge, como num passe de mágica, Port Stanley, a capital do arquipélago. Ao longe, as suas casinhas coloridas remetem à paz das cidades erigidas pelos jogos de armar da Lego. Tudo parece se encaixar. A arquitetura das construções pré-fabricadas, os jardins bem cuidados, a mão de direção inglesa – à esquerda -, os Land Rovers, que parecem ser os únicos veículos conhecidos pelos kelpers (os habitantes das ilhas), a cerveja dos pubs e os personagens nas ruas e nos hotéis transportam o visitante, de imediato, a uma cidade do interior da Grã-Bretanha.

Um pub de Port Stanley e um barco da patrulha de pesca

MALVINAS OU FALKLANDS?

A troca de hostilidades entre argentinos e britânicos começou em 1833, não acabou com a guerra de 1982 e não vai sair de moda tão cedo. A disputa pela soberania sempre foi uma questão de Estado para os governos argentinos, militares ou não. A alegação da proximidade geográfica, bem como a herança das ilhas que pertenciam à Espanha (que, por sua vez, as comprou dos franceses, em 1766) é a base da reivindicação. Os argumentos não são aceitos pelos britânicos, que se aferram à posse do território pela precedência histórica da ocupação (a mesma tese utilizada na disputa com o Brasil pela Guiana). Convém ressaltar que nenhum dos dois países já solicitou um arbitramento internacional.

E o Brasil na questão? Em 1982, o governo militar brasileiro também foi surpreendido pela intempestiva invasão decretada pelo general Leopoldo Galtieri. O presidente brasileiro, general João Baptista Figueiredo, usou poucas palavras: “Não avalizamos atos de loucura.” O Brasil proibiu os britânicos de utilizar seu território para reabastecimento de aviões ou navios militares e cedeu aos argentinos três aeronaves da Embraer para reconhecimento marítimo. Também advertiu o Reino Unido de que uma invasão ao território continental da Argentina teria desdobramentos, pois poderia levar à união dos países sul-americanos e, talvez, a outras participações no conflito.

Ao contrário da suposta certeza de que os britânicos não iriam a uma guerra no Atlântico Sul, a primeira-ministra Margaret Thatcher mandou uma esquadra e uma aviação modernas às ilhas. O blefe argentino desabou em dois meses. Depois dos combates, os britânicos contabilizaram 258 soldados mortos e 777 feridos; os argentinos, 649 mortos, 1.008 feridos e 11.313 prisioneiros. A ditadura argentina acabaria sendo levada de roldão pela derrota. Três dias após a rendição, em 14 de junho de 1982, Galtieri renunciou.

Desde então, o Brasil vem adotando, com moderação, o princípio da solidariedade com o país vizinho. Junto com as nações do Mercosul, passou a respeitar o nome Malvinas para designar o arquipélago. Em dezembro de 2011, os países do bloco econômico concordaram em proibir que barcos com a bandeira das Falklands atraquem em seus portos. Os kelpers dão de ombros e afirmam que isso não tem a menor importância: é só trocar a bandeira dos navios pela britânica e tudo volta ao normal. No entanto, o arquipélago não esconde o temor de que, no futuro, o boicote aos navios vire um bloqueio comercial.

Para um kelper, especular sobre uma possível troca de nacionalidade é uma provocação. A resposta vem acompanhada de um olhar diferente, um esgar ou pela frase estampada em várias janelas de Port Stanley, muito repetida aos estrangeiros: “Argentinos, vocês são bem-vindos em nossa ilha; mas respeitem nosso direito de escolher nossos soberanos.”

Os soldados argentinos foram derrotados em dois meses

 

Sharon e Anne querem estudar em Londres

As praias das Malvinas são um capítulo à parte. Diferentemente do interior rural, despojado de detalhes e envolto em silêncio monástico, o litoral é rico em cores, sons e acidentes geográficos. As areias finas são refúgio de milhares de pinguins-de-magalhães, dos simpáticos rockhoppers – os pinguins-de-penachoamarelo, com tufos de cabelos espetados ao redor dos olhos – e dos majestosos pinguinsimperadores. Estes, com seu jeitão desengonçado e andar chapliniano, aproximam-se dos visitantes com curiosidade, parecendo querer um abraço de boas-vindas. A hiper-realidade dessa paisagem se completa com a presença de leões-marinhos e milhares de focas, gaivotas e albatrozes. No mar, bem perto das praias, veem-se as baleias e as orcas mergulhar.

O comerciante Patrick Berntsend: “Invasão trouxe prosperidade.”

Hospitalidade kelper

Os habitantes do arquipélago querem decidir o seu destino. A pedra angular do desenvolvimento atual das Malvinas é um paradoxo. “Por incrível que possa parecer, foi a invasão, em 1982, que nos trouxe riqueza”, diz, sem ironia, o entusiasmado Patrick Berntsen, proprietário da loja de suvenires The Pod Gift Shop, em Port Stanley. “Antes da guerra não éramos reconhecidos nem como súditos da rainha da Inglaterra. Éramos lembrados como coletores de algas, daí o nome kelpers, que deriva de uma alga marinha, a kelp, encontrada em abundância nestes mares”, explica.

A chilena Paola Venturini, o marido Oliver e a filha

Após a guerra, a Grã-Bretanha investiu milhões de libras no arquipélago. Construiu um novo aeroporto e uma base militar, reformou o porto e alavancou a indústria pesqueira, oferecendo concessões de licenças de pesca para outros interessados na fartura do arquipélago. Investiu na prospecção de petróleo, na exploração de jazidas de diamante e em outros minérios. A população da ilha, de 2,7 mil pessoas, quase dobrou com a chegada de 1,5 mil militares que compõem a força de defesa do arquipélago.

Gaivota, o pinguim punk rockhopper e os amigáveis pinguinsimperadores, sempre em bando

Após a guerra, a Grã-Bretanha investiu milhões de libras no arquipélago. Construiu um novo aeroporto e uma base militar, reformou o porto e alavancou a indústria pesqueira, oferecendo concessões de licenças de pesca para outros interessados na fartura do arquipélago. Investiu na prospecção de petróleo, na exploração de jazidas de diamante e em outros minérios. A população da ilha, de 2,7 mil pessoas, quase dobrou com a chegada de 1,5 mil militares que compõem a força de defesa do arquipélago.

Restos de um navio bombardeado. Abaixo, sinal de alerta para minas enterradas na praia. Ao lado, memorial à guerra de 1982

A indústria pesqueira virou o maior setor da economia, ao lado da criação de carneiros, cujo rebanho ultrapassa 500 mil cabeças. Mas a estrela da nova economia é o turismo, que já começa a dar saltos de crescimento com a presença de 60 mil pessoas ao ano. “Foi a guerra que trouxe os primeiros contingentes numerosos de turistas”, avalia Jenny Cockwell, repórter do semanário Penguin News. “Os cruzeiros marítimos começaram a atracar aqui a partir de 1982. Hoje, no verão, recebemos 50 mil passageiros. Nosso PIB aumentou mais de dez vezes desde o fim da guerra”, afirma a jornalista.

Destroços de um helicóptero britânico abatido pelos argentinos

Os hotéis e pousadas construídos no arquipélago refletem a expansão do setor. Logo, o ecoturismo oferecerá outro tipo de atração para os que não vêm às ilhas apenas atrás dos battlefields tours, os roteiros das batalhas entre britânicos e argentinos. “Atualmente, o único clima hostil que existe aqui é o inverno”, brinca a jovem Sharon, de 16 anos, que nasceu depois da guerra e pouco sabe sobre ela. “O que me interessa é ir para Londres e cursar cinema numa universidade. Quero muito fazer documentários sobre a vida animal das Falklands”, afirma.

Os psicólogos levados ao arquipélago afirmam que os ilhéus são gente reservada, de pouca conversa, mas para a chilena Paola Venturini, que viveu nas ilhas durante quatro anos e voltou para passear, isso não é verdade. “Nunca me senti estranha. No início, um pouco fora do eixo, pois havia poucos jovens. A maioria dos kelpers vai para a Inglaterra estudar, com tudo pago. Uns retornam, outros não”, conta.

Em 1990, a chilena veio para as Malvinas procurar emprego. “Esta é uma comunidade pequena e todos se conhecem. Os kelpers são alegres e solidários”, diz Paola. “Só tenho boas recordações. Foi aqui que me casei com Oliver, um biólogo inglês com quem formei a minha família “, ressalta.