Instalada num kibutz a 70 quilômetros ao norte de Tel Aviv, Maagan Michael é a primeira planta privada de dessalinização de água de Israel. Anualmente, a usina produz 13 milhões de metros cúbicos do líquido por ano para as torneiras da cidade de Haifa, a 30 quilômetros dali. A água é extraída de lençóis salobros do subsolo, não do mar, mas o negócio deve ser bom, porque os israelenses reclamam muito dos preços. Uma família média paga R$ 150 por mês para a companhia estatal Mekorot, gestora das adutoras subterrâneas que distribuem o insumo pelo território de Israel.

A PLANETA visitou a usina Maagan Michael e ouviu queixas como a de Hanna Phillips, moradora de Tel Aviv: “É um horror; quando há seca, o governo vem a público dizer que, se não houver economia, os preços subirão, mas a conta já vive nas alturas”. A água é um drama nacional em Israel, mas o risco de escassez diminuiu. Em 2003, o governo cogitou importar água da Turquia. Em 2013, o déficit foi convertido em excedente e o país virou exportador do insumo. Todo ano Israel envia 50 milhões de metros cúbicos de água à Jordânia e 100 milhões de metros cúbicos para a Faixa de Gaza palestina, como parte de acordos diplomáticos.

“Israel é um deserto e há uma lacuna enorme entre a demanda de água e os nossos recursos. Infelizmente, não temos a habilidade de Moisés de tirar água da pedra”, explica Abraham Tenne, diretor da Divisão de Dessalinização. A virada para a exportação só foi possível graças a uma política de educação para economia e uso eficiente da água. Hoje, 85% da água usada no país é reaproveitada e o índice de perda nos encanamentos é inferior a 10%.

O governo israelense investe maciçamente em dessalinização – US$ 3,5 bilhões por ano, com 39 plantas em funcionamento. Cerca de 40% da água potável é dessalinizada. Em agosto, foi inaugurada a planta de Sorek, a maior do país, que produzirá 200 milhões de metros cúbicos do insumo por ano. Em 2014, a água dessalinizada deverá responder por 80% de todo o abastecimento de Israel. Para suprir a demanda, o governo estabeleceu parcerias com a iniciativa privada, iniciada em 2004 com a planta Maagan Michel.

Muitos consideram a dessalinização a melhor aposta contra a escassez de água no futuro, que vai se agravar com o aumento populacional. O atual elevado custo energético e financeiro do processo tende a ser relativizado com o esgotamento das fontes potáveis e a melhoria das inovações tecnológicas. Os investimentos estão aumentando. Uma pesquisa da empresa norte-americana Pike Research, especializada em análises de mercado de tecnologias limpas, prevê que entre 2010 e 2016 serão aplicados US$ 87,8 bilhões em plantas de dessalinização no mundo todo.

Custo salgado

É claro que o custo para dessalinizar é muito mais elevado do que o da extração direta de fontes de água doce de rios ou lençóis subterrâneos.

Atualmente, o gasto energético médio para se produzir um metro cúbico de água do mar dessalinizada gira em torno de oito quilowatts-hora (kWh). Além disso, soma-se o custo de construção e manutenção das plantas, em geral dependentes de combustíveis fósseis, como óleo diesel. Mas o mais importante de tudo é o contexto.

Quando não existem fontes de água disponíveis, como na Austrália, em ilhas do Caribe ou no Oriente Médio (que produz 75% da água dessalinizada do mundo), o processo não só compensa como é a melhor alternativa. Atualmente, existem 13,8 mil plantas de dessalinização em atividade no mundo.

A técnica usada em Israel, a osmose reversa, é a mais difundida e a mais barata. Numa planta que adota esse método, a água salgada é fortemente pressionada em um recipiente e comprimida para atravessar uma membrana semipermeável, que filtra as moléculas de sal. Grandes volumes de energia são usados para pressionar e comprimir o líquido contra os filtros. Quanto mais salgada a água, mais energia é preciso. As plantas de osmose reversa consomem cerca de um terço da energia usada no funcionamento das esbanjadoras plantas térmicas de dessalinização, cujo funcionamento se baseia na produção de calor para ferver e destilar a água salgada. Essa técnica, a mais antiga do mundo, separa a água do sal, transformando-a em vapor, e depois a condensa novamente.

?Hoje em dia, sistemas de recuperação de energia, que reaproveitam a energia criada pelo próprio processo, conseguem uma economia energética de até 50% e são utilizados em plantas de osmose reversa, como em Maagan Michael. “Boa parte dos esforços do governo consiste em tornar o processo cada vez mais econômico”, diz Abraham Tenne. Trata-se de melhorar os sistemas de economia, recuperar a energia gasta e aprimorar a qualidade das membranas dos filtros.

“Nos últimos cinco anos conseguimos reduzir o consumo de energia, de 4 kWh para 3,5 kWh por metro cúbico de água dessalinizada”, ressalta o especialista em dessalinização.

Vanguarda americana

Em Israel, causou sensação o anúncio feito pela Lockheed Martin, empresa aeroespacial dos EUA especializada na fabricação de caças e mísseis para o Exército, da descoberta de uma nova tecnologia capaz de reduzir drasticamente o gasto da energia usada para remover o sal da água salgada.

A inovação americana usa filtros feitos de membranas ultrafinas de grafeno, com poros do tamanho de um nanômetro (um bilionésimo de metro), largos o suficiente para deixar a água passar, mas pequenos o bastante para bloquear as moléculas de sal (cloreto de sódio). Como o grafeno é realmente fino (um átomo de espessura), os filtros demandam menos energia para comprimir a água do mar contra os filtros da osmose reversa com a força necessária para separar o sal da água.

De acordo com o engenheiro John Stetson, líder da pesquisa na Lockheed, “a tecnologia permite reduzir em 100 vezes as quantidades de energia e de pressão necessárias para a dessalinização”. As membranas de grafeno, 500 vezes mais finas e mil vezes mais resistentes do que as tradicionais, são capazes de reter todas as moléculas que não sejam de água. Segundo Stetson, a tecnologia pode “estabelecer um método de dessalinização por osmose reversa barato para os países emergentes, sem gastos exorbitantes com energia”.

Quanto mais grossa for a membrana, maior deve ser a pressão necessária para fazer a água salgada passar por ela e ser filtrada. Consequentemente, aumenta o gasto com energia. Uma membrana com poros nanométricos permite que a água flua melhor, por ser bem mais fina que as convencionais, feitas de polímeros.

Engenheiros do Massachusetts Institute of Technology (MIT), nos EUA, também estão pesquisando na mesma direção. “Ainda existe muito espaço para inovação em sistemas de filtragem e dessalinização aproveitando novos materiais e as descobertas dos últimos 20 anos em nanotecnologia”, disse à PLANETA Shreya Dave, pesquisadora do departamento de ciência de materiais e engenharia mecânica do MIT. “Vislumbramos uma nova classe de membranas ultrapermeáveis que vão possibilitar uma mudança de paradigmas na operação de plantas de dessalinização”, ressalta.

Solução para o sertão

Assim como no Oriente Médio, o semiárido brasileiro, que ocupa 11% do território nacional, carece de recursos hídricos. Além da falta de chuvas e da ameaça da seca, muitas das poucas fontes de água potável disponíveis estão contaminadas. Há, no entanto, reservas subterrâneas de água salobra. Por uma característica de formação do terreno, 90% dos poços perfurados na região são de água salgada.

Desde os anos 1980, o engenheiro químico Kepler Borges França trabalha com processos de purificação da água e de dessalinização. Hoje, no comando do Laboratório de Referência em Dessalinização da Universidade Federal de Campina Grande (PB), França é parte fundamental do projeto Água Doce, criado em 2004, pelo governo federal, para acabar com a sede nos dez Estados do semiárido brasileiro.

O programa visa abastecer com água dessalinizada cerca de 100 mil pessoas de 150 comunidades. O plano é investir R$ 168 milhões para implantar, até 2014, 1,2 mil sistemas de dessalinização destinados a atender aproximadamente 480 mil pessoas.

“Existem projetos de pequeno e médio porte espalhados nos Estados do Nordeste. A ideia é beneficiar comunidades difusas ou isoladas que possuem baixo potencial hídrico de água potável, mas dispõem de potencial alto de água salobra no subsolo”, explica França.

O maior sistema de dessalinização em curso no Brasil é o de Fernando de Noronha. Uma miniplanta para tratamento da água do mar, orçada em R$ 2,5 milhões, abastece de água doce todo o arquipélago. Movida por um gerador elétrico a óleo diesel, a miniusina aumentou a produção de água na ilha, de 5,6 litros por segundo para 15 litros por segundo.

Segundo França, se o investimento governamental no setor fosse maior, ajudaria a resolver a falta de água doce em outras regiões do país. Em seu laboratório, em Campina Grande, o pesquisador desenvolve membranas específicas de acordo com as características de salinidade de cada fonte.

“Não é um investimento caro, principalmente se considerarmos as regiões que são carentes de água. O processo de dessalinização está ficando mais barato e ganharia muito se investíssemos em tecnologia própria, sem precisar comprar membranas no exterior”, defende França.

A adoção de água dessalinizada pode ser uma alternativa para abastecimento no Nordeste. Para o mundo, trata-se de uma tendência previsível. Se 98% da água está no mar, a pequena porcentagem de água doce fora dele não poderá dar conta da demanda futura de um planeta com 10 bilhões de habitantes. A dessalinização é um caminho sem volta.