A falta de um compromisso sólido de redução das emissões de gases de efeito estufa e de mudança de rumos no desenvolvimento econômico – além da ausência de líderes importantes, como o presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, e a chanceler da Alemanha, Angela Merkel – selou o balanço pessimista sobre o resultado da Rio+20, realizada em junho, duas décadas após a conferência Eco-92, da ONU. Ao todo, passaram-se 40 anos desde que a Conferência de Estocolmo, na Suécia, em 1972, lançou as sementes do desenvolvimento sustentável, mas a insustentabilidade continua a se agravar no planeta. Entre as demandas ambientalistas urgentes e a agenda congestionada e imediatista dos políticos, parece haver um hiato insanável.
Mas também há quem veja com pragmatismo a evolução da agenda de mudança. “Os resultados do encontro realmente foram pequenos, mas não achei decepcionante, pois não se esperava que a Rio+20 formulasse um acordo concreto. O foco do evento era discutir a economia verde”, afirma Luiz Gylvan Meira Filho, pesquisador visitante do Instituto de Estudos Avançados da USP e do Instituto Tecnológico Vale de Desenvolvimento Sustentável e um dos negociadores brasileiros do Protocolo de Kyoto.
“É fácil criticar, mas só o fato do evento ter produzido um documento com uma visão comum em um momento de crise mundial já é louvável. Estamos apenas começando a transformação”, reitera o economista Georg Kell, diretor-executivo do Pacto Global, iniciativa da ONU que reúne sete mil empresas privadas e duas mil organizações não governamentais e académicas comprometidas com a responsabilidade ambiental.

Para desenvolver a economia verde falta uma regulamentação que induza as empresas a internalizar os custos ambientais da produção, afirma Meira Filho. Ou seja, a lançar débitos em contabilidade pelo impacto ambiental dos produtos e serviços (as chamadas “externalidades”). Desse modo, as companhias mais “verdes” valeriam mais e atrairiam mais clientes e investidores. “Mas isso é tarefa para vários anos, não pode ser feita em uma conferência”, afirma. Kell também concorda. “Enquanto não colocarmos um preço mais alto nos produtos ‘negativos’ e recompensarmos os sustentáveis, não faremos a transformação acontecer a tempo”, diz. Sobretudo porque produzir melhor e com sustentabilidade custa mais caro.

Segundo Kell, outro desafio para a transformação necessária é superar o paradoxo de vivermos em um mundo preocupado (retoricamente) com a sustentabilidade, totalmente conectado e interdependente, mas com governos nacionais exclusivistas e autocentrados, que relutam em cooperar uns com os outros. “Vivemos uma era egoísta, de crise de lideranças, de protecionismo e de conflitos religiosos. Estamos criando muros, em vez de derrubá-los”, diz o líder do Pacto Global.

As iniciativas sustentáveis em curso, diz o economista, são “uma gota num balde” diante dos desafios. A demanda de energia vai subir 40% por volta de 2030. O planeta abrigará uma população de nove bilhões de pessoas, dos quais dois bilhões na classe média, até 2050. A partir daí, o crescimento demográfico se estabilizará. Será preciso dobrar a produção de alimentos sem aumentar a área atual utilizada pela agricultura e a pecuária. Há um bilhão de pessoas sem acesso a água limpa. “Temos uma enorme agenda de desenvolvimento pela frente. Quanto mais ajustes fizermos agora, menor será o custo no futuro”, diz Kell. A consciência planetária corre contra o tempo há 40 anos, em busca de mudanças.

Longa marcha Tudo começou com a Conferência de Estocolmo, em 1972. O encontro entre 113 países e 250 organizações não governamentais produziu a primeira grande reunião mundial formulada para discutir questões ambientais. Pouco mais de dez anos depois, em 1983, a ONU criou a Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento para dar sequência aos trabalhos iniciados em Estocolmo. Conhecida como Comissão Brundtland, liderada pela então primeira-ministra da Noruega, Gro Harlem Brundtland, a agência tinha como objetivo discutir maneiras de integrar a preservação do ambiente ao desenvolvimento econômico, tendo em vista questões como urbanização, fontes de energia e perda de biodiversidade.

“Naquela época, uma das principais preocupações era o aumento populacional e a limitação dos recursos naturais”, nota o ecólogo Paulo Nogueira-Neto, professor emérito do Instituto de Biociências da USP. O ambientalista conhece bem essa história, pois era um dos membros da comissão. “Como o número de habitantes explode justamente nas áreas mais miseráveis, alguém do grupo sugeriu que pensássemos em maneiras de promover o desenvolvimento, mas não de qualquer jeito. Teria de ser sustentável”, lembra. Nasceu, assim, o conceito.

A partir daí, a Comissão Brundtland começou a definir o que seria uma população sustentável. “Chegamos a uma ideia que muita gente achou simples demais, mas que funcionou: o desenvolvimento sustentável é aquele que não prejudica nem a geração atual, nem as futuras – essa foi a grande sacada”, lembra Nogueira-Neto, que também foi secretário especial do Meio Ambiente do Ministério do Interior nos anos 1970 e 1980, antes da criação do Ministério do Meio Ambiente.

Publicado em 1987, o Relatório Brundtland foi intitulado Nosso Futuro Comum. Na época ainda não se falava muito em aquecimento global, mas o documento já chamava a atenção para as mudanças climáticas, a destruição da camada de ozônio e a necessidade de orientar os países pobres a crescer sem comprometer os recursos naturais, usando energias renováveis e aumentando a produção industrial por meio de tecnologias mais ecológicas.

Alguns anos depois, em 10 de Janeiro de 1989, houve uma vitória importante: entrou em vigor o Protocolo de Montreal, que estabelecia a substituição de gases industriais destruidores da camada de ozônio, filtradora das emissões dos raios ultravioleta do Sol. Segundo Kofi Annan, ex-secretáriogeral da ONU, esse foi o acordo internacional mais bem-sucedido do planeta, um sinal de que pode haver, sim, solução política para problemas ambientais
globais.

Mudança histórica

O Relatório Brundtland plantou a semente para a organização da Conferência das Nações Unidas para o Meio Ambiente e Desenvolvimento, mais conhecida como Rio-92 ou Eco-92. O encontro reuniu representantes de 172 países, em junho de 1992, no Rio de Janeiro, para discutir as questões propostas pelo documento, e fez história.

Além de líderes de nações e ONGs, o evento contou com a participação tímida do setor privado. “Naquela época as empresas eram consideradas vilãs, e havia pressão da sociedade contra elas”, diz Marina Grossi, presidente do Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável (CEBDS). A partir daí, as companhias começaram a perceber com clareza os riscos do dano às suas reputações se não demonstrassem compromisso com a preservação ambiental. “Hoje já percebemos que o modelo descompromissado tradicional, ‘business as usual’, não pode continuar como está, e que sustentabilidade é uma questão de sobrevivência”, diz Marina.
A Eco-92 gerou documentos e embriões de tratados, como a Convenção Sobre a Mudança do Clima, a Convenção sobre Diversidade Biológica e a Agenda 21, programa de 40 capítulos que busca diminuir a pobreza, conservar a biodiversidade, proteger ecossistemas frágeis, incentivar a agricultura sustentável e preservar a água, além de outros objetivos dificílimos.

A partir dos anos 1990, o aquecimento global começou a ganhar premência nas discussões ambientais. Mais precisamente em 1995, quando foi realizada em Berlim a primeira Conferência das Partes da Convenção-Quadro da ONU Sobre a Mudança do Clima, a COP-1. “Em escala global, de longe o maior desafio atual é lidar com as mudanças climáticas”, diz Meira Filho. A concentração de dióxido de carbono (CO2) na atmosfera, que era da ordem de 278 ppm (partes por milhão) em 1800, aumentou para 320 ppm em 1960 e 390 ppm em 2011. Se as emissões continuarem a crescer no ritmo atual, deveremos atingir 430 ppm em 2024, o que deverá gerar, até 2100, um aumento global da temperatura de 2°C a 5°C – um grave risco para o planeta.

Foi em Berlim que começou a ser desenhado o Protocolo de Kyoto, que seria assinado dois anos depois, no Japão. O documento estabelecia um compromisso de redução global nas emissões de gases de efeito estufa de 5,2% em média para os países mais desenvolvidos. Os grandes poluidores mundiais, como EUA e China, não o ratificaram, mas a pressão global acabou dando resultado com a entrada em vigor do tratado, em 2005, com a assinatura da Rússia, completando o mínimo de 55 países que somassem 55% das emissões. Foi estabelecido o Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC), órgão da ONU que reúne dois mil cientistas encarregados de fornecer dados científicos sobre o problema – cujos relatórios viraram focos de intensa controvérsia política.

Depois dessa, outra decisão concreta foi tomada em 2009, na COP de Copenhague. “Kyoto foi importante para criar o mercado de créditos de carbono e estabelecer limites de emissões individuais para os países. Mas em Copenhague os líderes avançaram e conseguiram chegar a uma meta concreta de forma coletiva, de buscar limitar o aumento de temperatura em 2°C até 2100”, diz Meira Filho. Ainda que o alvo esteja se tornando improvável, fortaleceu-se a consciência global que pressiona por mudanças.

Papel brasileiro

“O que se busca no desenvolvimento sustentável é o equilíbrio. O Brasil sempre se preocupou mais com o presente, muitas vezes comprometendo o futuro”, diz o economista Eduardo Gianetti, professor do Instituto de Ensino e Pesquisa (Insper). Para ele, a síndrome brasileira de “buscar aproveitar o momento” é produto da colonização portuguesa em que o imediatismo e o oportunismo eram os nomes do jogo. “Os europeus que vieram para cá tinham o objetivo de obter enriquecimento rápido e desfrute instantâneo, ao contrário dos colonizadores da América do Norte, que se estabeleceram nos EUA e no Canadá para recriar uma comunidade longe dos vícios e da repressão dos países que eles estavam deixando”, observa.

Os principais problemas brasileiros, como a falta de investimentos em capital humano, infraestrutura, previdência, saneamento básico e preservação da natureza, estão vinculados à incapacidade do país de agir pensando no futuro. Mas isso não quer dizer que estejamos condenados. Muito pelo contrário. O Plano Real, o controle da inflação e a redução da desigualdade nos deram uma perspectiva maior de tempo para planejar.

“Agora, o que vai definir o nosso futuro é a classe média”, diz Gianetti. “Passado o deslumbramento pelo consumo, totalmente compreensível, porque estão sendo desafogadas demandas reprimidas há gerações, essa classe vai ter de começar a pensar em como consumir e a investir em educação e poupança, para melhorar sua condição”, afirma.

Ao que tudo indica, estamos no momento da virada. “Aquela mentalidade brasileira de que deveríamos primeiro investir no desenvolvimento industrial e depois nos preocupar com a poluição mudou”, diz Nogueira-Neto. Para o ecólogo paulista, estamos criando uma nova ideologia. “Antigamente tínhamos de um lado o liberalismo, regido pelas leis do mercado, e do outro o marxismo e o comunismo, fazendo o contraponto. Agora vejo claramente o surgimento de um ideário baseado em meio ambiente, ciência, educação, ou seja, na busca pela qualidade de vida”, diz.

Para que esse novo conjunto de valores conduza a uma vida mais equilibrada falta apenas muita, muita, perseverança.