Os empresários ocidentais que têm viajado à China de olho nas prodigiosas riquezas que podem trazer de lá refazem, de certo modo, uma jornada ocorrida mais de sete séculos atrás. Foi naquela época que os Polo – os irmãos Matteo e Niccolo e o filho deste último, Marco – cruzaram a Ásia para serem acolhidos na corte do imperador Kublai Khan. Pioneiros na literatura de viagem, os relatos de Marco, reunidos no volume O Livro das Maravilhas, viraram um best-seller em sua época, e têm seduzido leitores de tal forma que um deles – Cristóvão Colombo – acabou por descobrir a América na ânsia de chegar à China.

É fato, porém, que a obra de Marco sempre esteve sob algum tipo de suspeita, em especial nos primeiros séculos. Basta lembrar que, quando foi lançada, ela era chamada Livro do Milhão de Maravilhas do Mundo (nome de uma máscara usada no carnaval de Veneza, “Milhão” representava o contador de mentiras). Há dúvidas ainda sobre a real autoria do livro: para alguns, quem o escreveu foi o trovador Rustichello de Pisa, com quem Marco dividiu uma cela por um ano. Mas, tenha sido Marco o autor ou apenas o narrador, e seja ou não um amontoado de mentiras, o fato é que a obra sobreviveu aos séculos e até hoje é lida com prazer por pessoas dos mais variados cantos do mundo.

Marco Polo nasceu em março de 1254, de uma família de nobres originária da costa da Dalmácia. Não se sabe se o local exato foi a ilha de Curzola, onde os Polo tinham um comércio, ou em Veneza. O certo é que ele foi educado na cidade dos canais, o grande centro comercial do Mediterrâneo na época.

Retrato de Marco Polo do século 16. Crédito: Wikimedia Commons

Viagem arrojada

Quando Marco tinha 6 anos, Niccolo e Matteo lançaram-se numa arrojada viagem comercial para o leste. O objetivo era Surai, às margens do rio Volga, onde os irmãos fizeram negócios por um ano. Quando pretendiam voltar, porém, uma guerra entre dois governantes mongóis, Mangu e Hulagu, levou-os a fazer um imenso desvio até Bukhara (no atual Usbequistão), onde ficaram retidos por três anos.

Quem os salvou foi um emissário de Hulagu no Ocidente. Mas ele não facilitou seu retorno a Veneza; em vez disso, convenceu-os de que Kublai Khan – neto de Gêngis Khan, irmão de Mangu e imperador de Catai (China) – nunca vira um ocidental e adoraria conhecer um. Estimulados pela aventura, os Polo passaram por Samarcanda, Kashgar, pelo temível deserto de Gobi e, em 1266, chegaram à capital, Cambaluc (Pequim), para encontrar Kublai Khan.

O imperador crivou os irmãos de perguntas sobre sua região do mundo, a Igreja cristã e o papa. Fluentes em dialetos turcos, os Polo responderam a todas as questões de modo claro, e com isso conquistaram a simpatia de Kublai. Depois de um ano na corte chinesa, eles voltaram à Europa com uma carta do imperador ao papa Clemente IV, na qual o remetente solicitava o envio de 100 estudiosos para ensinar aos chineses o cristianismo e a ciência praticada no Ocidente, além de óleo do Santo Sepulcro.

Os Polo chegaram a Veneza em 1269. A esposa de Niccolo havia falecido, e seu filho Marco, aos 15 anos, já tinha uma educação impecável para a época: lera a Bíblia e os autores clássicos, conhecia teologia cristã e falava francês e italiano. Além disso, demonstrava enorme interesse por pessoas, flora, fauna e recursos naturais.

Quando, no fim de 1271, Niccolo e Matteo receberam cartas e presentes do novo papa, Gregório X, para Kublai Khan, não tiveram dúvidas: Marco deveria ir à China com eles. Os três seguiram um caminho diferente do anterior, cruzando a Armênia e a Pérsia e descendo até o Golfo Pérsico a fim de conseguir um barco que os levasse à China. Mas acharam as embarcações tão frágeis que voltaram para o norte, passando pelo litoral do Mar Cáspio, o Afeganistão, o planalto de Pamir e a Rota da Seda.

Niccolo e Matteo Polo com o imperador Gregório X, em imagem do século 15. Crédito: Gallica Digital Library/Wikimedia Commons

Status de nobreza

O grupo chegou ao palácio de verão de Kublai Khan, em Shangtu, em maio de 1275, e logo depois foi levado ao palácio de inverno, em Pequim. Niccolo e Matteo entregaram os presentes enviados pelo papa, recebidos com enorme satisfação, e só depois disso Kublai notou o rapaz que os acompanhava. Niccolo apresentou-o como seu filho e vassalo do Khan.

Kublai concedeu aos Polo o status de nobres de sua corte. Hábil no aprendizado de línguas, o jovem Marco logo se tornou um dos preferidos do imperador e foi incumbido por ele de várias missões, na própria China, na Birmânia e na Índia. Ao longo desse período, ele pôde conhecer bem o país e seu povo.

Marco descreveu a China de Kublai Khan como uma potência econômica e militar muito mais relevante do que a Europa. Exemplos disso eram sua produção de ferro (cerca de 125 mil toneladas anuais, marca que os europeus só alcançariam cinco séculos depois) e de sal (uma única província obtinha 30 mil toneladas de sal por ano). Um amplo sistema de transporte baseado em canais ligava mercados e cidades chineses, e um correio eficiente permitia que uma correspondência imperial percorresse até 500 quilômetros num dia. O uso de papel-moeda na economia local deixou atônitos os comerciantes venezianos.

Outros detalhes que chamaram a atenção de Marco foram o emprego disseminado de carvão para aquecimento e as roupas de amianto. O carvão já era usado na Europa naquela época, mas pelo visto Marco o desconhecia. Graças ao produto, qualquer chinês – um povo bem asseado, segundo o veneziano – podia ter seu próprio banheiro em casa. A resistência das roupas de amianto ao fogo surpreendeu tanto os Polo que eles trouxeram duas peças para o papa.

Volta para o Ocidente

Niccolo, Matteo e Marco passaram 17 anos na corte de Kublai Khan, durante os quais acumularam muitas riquezas. Só decidiram voltar à Europa quando sentiram que Kublai, já perto dos 80 anos, não teria muito tempo de vida. Relutante, o soberano chinês deixou-os partir, como escolta de uma princesa mongol que iria se casar com um príncipe persa.

A volta durou três anos, incluindo uma longa viagem de navio (na qual centenas de passageiros e tripulantes morreram por causas desconhecidas) e um percurso por terra de Ormuz, no Golfo Pérsico, até o Mar Negro, dali a Constantinopla e enfim a Veneza, onde chegaram no inverno de 1295. De início, os viajantes, barbudos e com roupas esfarrapadas, não foram reconhecidos pelos familiares. Niccolo, Matteo e Marco decidiram então convidá-los para um banquete, no qual deram uma exibição incontestável de riqueza – suas roupas de viagem traziam, costuradas nas barras, uma imensa quantidade de joias e pedras preciosas. Imediatamente, segundo Giovanni Ramusio (1485-1557), que escreveu sobre os Polo, o grupo de convidados “lhes devotou sinais de estima e de respeito”.

Marco envolveu-se na política local e, quando Veneza e Gênova entraram em guerra, em 1296, armou uma galera de combate e comandou-a na batalha entre as duas frotas perto da ilha de Curzola. Os venezianos foram derrotados, e Marco, levado para uma prisão genovesa, onde passou três anos. Foi lá que ele conheceu Rustichello de Pisa, e desse encontro saiu o livro que até hoje mobiliza o imaginário ocidental.

Marco morreu no início de 1324, aos 69 anos. Pouco antes de falecer, teria dito que todos os detalhes de seu livro eram verdadeiros, e que não descrevera nem a metade do que havia visto. Mas, pelo menos até o século 16, quando os portugueses se instalaram em Macau, o Livro das Maravilhas era lido mais como diversão. A revisão da obra só começou a ser feita no século 19, com edições críticas e avaliação de seu conteúdo científico. Os relatos foram comparados com fontes chinesas e validados. O resgate mais valioso da credibilidade de Marco veio com a viagem do pesquisador Paul Pelliot entre 1906 e 1908 pelo trajeto indicado pelos Polo, que confirmou muitas das informações descritas.

Influência duradoura

O Livro das Maravilhas foi obra de cabeceira de Colombo e de vários navegadores interessados em chegar ao Oriente, mas não cativou apenas exploradores: sua descrição do palácio do imperador chinês inspirou Samuel Coleridge a escrever o poema Kublai Khan e, no século Influência duradoura passado, Italo Calvino fez em As Cidades Invisíveis uma releitura dos relatos das cidades, reais e imaginárias, que Marco Polo descreveu para Kublai. O estilo da narrativa, conciso e rico em imaginação, é até hoje um modelo para a literatura de viagem.

Marco Polo em roupas tártaras, em ilustração do século 18. Crédito: Grevembrock/Wikimedia Commons

Observador atento

A capacidade de observação de Marco Polo foi demonstrada várias vezes em seu livro. Em Yarkan (região do deserto de Taklamakan), por exemplo, ele notou que o bócio apresentado por muitos habitantes tinha origem na água consumida no local. Na província de Pem, um marido que se ausentava por mais de 20 dias era substituído por outro com a concordância da comunidade, enquanto o homem que viajava também podia relacionar-se com mulheres diferentes. No Tibete, após os bebês nascerem, as mulheres se levantavam para trabalhar e o pai da criança passava 40 dias deitado. Ainda segundo ele, o deserto de Gobi “é tão longo que se leva um ano para atravessá-lo de uma ponta à outra, e no seu ponto mais estreito leva-se um mês para cruzá-lo”.

República do comércio

Com cerca de cem mil habitantes, a República de Veneza era a grande potência mediterrânea do século 13. Sua notável frota lhe permitiu fincar colônias desde a costa leste do Adriático até o Mar Negro. As galeras venezianas transportavam sal, madeira, ferro e trigo para o Egito, de onde traziam especiarias e ouro. Constantinopla fornecia corantes, seda, marfim, pedras preciosas e ourivesaria. Depois, outro eixo comercial se firmou, entre Flandres e a Inglaterra, a oeste, e o Oriente Médio.

Veneza teve sua grande rival em outra cidade italiana, Gênova, contra a qual travou diversas guerras. O poderio de ambas foi minado com o início das navegações de portugueses e espanhóis, no século 15.

O regente da Ásia

Filho de Tului, o caçula de Gêngis Khan, Kublai Khan (1215-1294) fundou a dinastia Yuan e foi o unificador da China. No auge de seu governo, que foi de 1260 até sua morte, o império se estendia da Pérsia ao Pacífico e da Sibéria ao Índico. Kublai transferiu a capital de Karakorum para Cambaluc (a atual Pequim) e trabalhou para aumentar a eficiência do Estado, estimulando o comércio e as comunicações. Ele moveu muitas guerras contra reinos vizinhos e, embora fosse derrotado na maioria delas, firmou a China como o grande império asiático.

Dúvidas persistentes

Até hoje há quem afirme que Marco Polo não percorreu todos os caminhos descritos em O Livro das Maravilhas. Ele não citou, por exemplo, detalhes chineses que chamariam a atenção de qualquer estrangeiro, como o chá, a caligrafia, os pés enfaixados das mulheres ou a Grande Muralha. Para Frances Wood, diretora do departamento de sinologia do Museu Britânico, muitas das histórias que o viajante veneziano conta vieram de mercadores que cruzavam a Pérsia. Outros pensam que a origem das informações foram as obras do historiador Rashid al-Din, um judeu persa convertido ao islamismo. De qualquer forma, muitos dos detalhes dos relatos de Marco foram confirmados posteriormente.

Os últimos anos de vida

Depois de retornar de sua longa aventura pelo Oriente, Marco Polo seguiu a tradição da família e dedicou-se ao comércio. Sua participação na guerra contra Gênova custou-lhe três anos na prisão, até que, em 1299, representantes dos lados em conflito assinaram um tratado de paz, com a intervenção do papa. A partir daí, Marco dedicou-se apenas aos negócios e à família – casou-se em 1300 com Donata Badoer, de uma importante dinastia de Veneza, e teve três filhas. Ele morreu em 1324, com quase 70 anos.

A derrota na batalha de Curzola custou a Marco três anos numa prisão genovesa.