Na busca por votos no ambiente virtual, analistas afirmam que Bolsonaro poderá não ser único candidato a recorrer à estratégia do medo e questionam capacidade de mobilização dos bolsonaristas para além da própria bolha.A supremacia de Jair Bolsonaro (PL) nas redes sociais, que foi decisiva nas eleições de 2018, está sendo ameaçada por adversários.

Análises de dados de consultorias e de centros de pesquisa mostram espaços antes dominados pelo presidente sendo ocupados, principalmente pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Os três candidatos da chamada terceira via – Ciro Gomes (PDT), Sérgio Moro (Podemos) e João Doria (PSDB) – tomam posições estratégicas no universo digital, mas ainda são coadjuvantes.

É uma disputa em que regras definidas pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) são ameaçadas por fake news e pela própria limitação do TSE em controlar a corrida eleitoral em ambiente virtual.

Sem representante no Brasil, o aplicativo de mensagens Telegram, sobre o qual a Justiça tem interferência quase nula, é território dominado por Bolsonaro e campo fértil para disseminação de informações falsas.

“O presidente é o segundo político com mais seguidores no Telegram. São 1,023 milhão, atrás de Donald Trump, com 1,040 milhão. Se 5% dos seguidores redistribuírem conteúdo a outras plataformas, será difícil controlar”, afirma André Eller, diretor-adjunto da consultoria Bites.

O Telegram é, na opinião de cinco especialistas ouvidos pela DW, um dos trunfos do presidente. “Bolsonaro vai continuar desinformando, criando caos e ampliando o medo. Pulando de uma plataforma à outra. Acho difícil coibir”, prevê Luciana Moherdaui, pesquisadora da Cátedra Oscar Sala, do Instituto de Estudos Avançados da USP.

Em meados deste mês, o jornal O Globo apontou que TSE estuda banir o Telegram do Brasil para combater a disseminação de fake news nas eleições de 2022. As autoridades eleitorais brasileiras se queixam da falta de cooperação e até mesmo de que os responsáveis não respondem às tentativas de contato.

Bolha bolsonarista

Além do Telegram, ela cita a Gettr, plataforma similar ao Twitter criada por Jason Miller, ex-assessor de Trump, como ambientes abertos à disseminação do discurso bolsonarista.

O exército de seguidores do presidente é expressivo em todas as plataformas. Segundo levantamento da Bites, em janeiro, Bolsonaro tinha 40,98 milhões de seguidores contabilizados no Youtube, Facebook, Instagram e Twitter, seguido por Lula, com 11,58 milhões. Na sequência aparecem Moro (5,95 milhões), Doria (5,2 milhões) e Ciro (3,68 milhões).

Com exceção de Doria, que perdeu 4.329 seguidores (-0,08%) em 30 dias, os outros ampliaram: Lula ganhou 291.646 (+2,58%); Bolsonaro, 153.084 (+0,37%); Ciro,18.360 (+0,50); e Moro, 3.598 (+0,06%).

Ao mesmo tempo, os analistas também concordam que, apesar da robustez em termos de seguidores, o presidente vem perdendo espaço no ambiente digital, seja pelo desgaste de estar no poder e com baixa popularidade, seja pelas ações dos adversários.

“Em abril, as interações de Bolsonaro no Youtube, Twitter, Facebook e Instagram somaram 39 milhões. Em dezembro, ficaram em 25 milhões”, diz Victor Piaia, pesquisador na Diretoria de Análise de Políticas Públicas da Fundação Getúlio Vargas (FGV-DAPP).

Piaia vê reduzida a capacidade de mobilização dos bolsonaristas para além da própria bolha. A observação do pesquisador é baseada em dados do Twitter. Uma análise das interações em menções a presidenciáveis feita pela FGV-DAPP em novembro de 2021 apontou um maior alcance do grupo mobilizado por perfis de políticos alinhados ideologicamente à esquerda, jornalistas e canais de mídia e liderado por Lula – com 30,96% dos perfis e 34,95% das interações.

Apesar de ter 29,59% dos perfis e 41,13% das interações, o grupo que orbita em torno do perfil de Bolsonaro e de políticos da sua base de apoio mostrou ter um alcance mais restrito.

Além dos grupos que orbitam em torno dos perfis de Lula e Bolsonaro, foram analisados os liderados pelos perfis de Moro (que conta com o perfil de Dória e políticos de centro-direita e movimentos, jornalistas e canais de mídia conservadores) e Ciro (inclui políticos de centro-esquerda, canais da imprensa tradicional e apoiadores do presidenciável) e um conduzido por perfis de canais de comunicação e usuários comuns, que reporta ações de Lula, Bolsonaro e do PDT (Ciro).

O mesmo alcance restrito foi verificado numa análise do debate sobre a vacina infantil contra covid-19 entre 7 e 14 de janeiro, no qual o grupo de perfis contrários à imunização de crianças (ligados a Bolsonaro) não se relaciona com os demais, favoráveis à vacinação de menores.

“Isso mostra o governo isolado. Apesar de bem ativos, os perfis interagiam muito entre si, enquanto os outros estavam coesos e mobilizavam uma base favorável à vacinação”, diz Piaia.

Estratégia do medo

Na disputa virtual deste ano, a estratégia do medo usada por Bolsonaro contra o PT em 2018 também pode ser trabalhada pelo petista, seguindo a estratégia dos democratas contra os republicanos em 2020.

“[Joe] Biden produziu o medo de um possível segundo mandato de Trump. Mesmo não ampliando organicamente sua rede, venceu as eleições. Agora, no Brasil, tanto Bolsonaro quanto Lula devem usar a estratégia do medo”, calcula o economista Maurício Moura, professor da George Washington University e fundador da empresa Ideia Big Data.

A produção de medo, dizem os analistas, pode vir acompanhada de desinformação com efeito danoso à democracia, apesar de avanços desde 2018.

“A Justiça trabalhou na construção de precedentes, dando sinais de que pode cassar candidaturas; as redes vêm sendo mais pró-ativas removendo conteúdo e suspendendo perfis; e a imprensa está mais atenta a conteúdos que circulam [na web], mas não há como controlar todas as informações nesse ambiente”, diz Amaro Grassi, coordenador de pesquisa da FGV-DAPP.

Contenção de danos

O sociólogo fala em “cenário bem turbulento”, porém, evita o fatalismo. “É seguir a lógica de contenção de danos para manter o processo minimamente razoável. Mas há muito a ser feito.”

Grassi sugere a criação, pelo TSE, de um setor com capacidade de coleta e de análise de dados, além de pressão sobre as plataformas por mais acesso a informações. O objetivo é dar celeridade e aprofundar o processo de compreensão do que acontece nas redes e construir evidências para embasar ações.

Já a proposta de Moura é mais estrutural: incluir no currículo escolar disciplina que ensine a separar informação falsa de notícia. “Uma educação jornalística, do nível pré-escolar à universidade”, diz.