Um artigo publicado na revista “Land Use Policy”, elaborado por pesquisadores do Instituto Ambiental de Pesquisa da Amazônia (IPAM) e do Woods Hole Research Center, dos Estados Unidos, mostra pela primeira vez como a implementação de estratégias específicas para as quatro grandes categorias fundiárias pode levar ao desmatamento zero na Amazônia e, ao mesmo tempo, estimular o desenvolvimento sustentável na região.

Os autores do texto propõem o que chamam de “equação do uso do solo” – um plano que considera a complexidade da Amazônia, bem como particularidades e necessidades de cada setor e estado.

Eles sugerem ações em quatro frentes: áreas não designadas, terras públicas hoje à mercê da grilagem; áreas privadas onde há vegetação nativa além do estabelecido por lei; propriedades privadas de médio e grande porte; e áreas de produção familiar. O estudo será apresentado amanhã (12 de dezembro) na 25ª Conferência do Clima, que acontece em Madri.

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“O Brasil pode provar aos outros países que é possível conter o desmatamento e aumentar a produção, ajudando a alimentar o mundo enquanto combate as mudanças climáticas e promove o desenvolvimento regional. Tudo ao mesmo tempo e com ganhos reais ao meio ambiente e às pessoas”, diz o diretor-executivo do IPAM e um dos autores do estudo, André Guimarães. “Mas isso pressupõe promover investimentos inteligentes no campo, manter e fortalecer as políticas ambientais existentes no país e acabar com o desmatamento ilegal, como exigido no Acordo de Paris.”

Quatro estratégias

Os autores listam quatro estratégias que, executadas de maneira coordenada e integrada, podem levar a uma redução drástica do desmatamento no bioma amazônico e ao aumento do dinamismo econômico na região:

1) Eliminar a grilagem e a especulação de 65 milhões de hectares de terras públicas, designando-as para conservação e, assim, garantir a integridade das áreas protegidas. Nesse ponto, governos federal e estaduais devem atuar de maneira coordenada;

2) Evitar o desmatamento legal de 28 milhões de hectares em propriedades privadas mediante o pagamento por serviços ambientais (PSA), gerando rendimentos extras aos produtores e livrando as cadeias de commodities do desmatamento. Para tanto, é preciso implementar totalmente o Código Florestal – e regulamentar seu artigo 41 –, permitindo, dessa forma, que se use o mercado como um meio de evitar o desmatamento legal. Além disso, mecanismos alternativos de PSA devem ser estimulados.

3) Incentivar o aumento da produtividade em propriedades de médio e grande porte com investimentos direcionados: com crédito dirigido, fiscalização e assistência técnica em regiões prioritárias, a produção da carne de 60 kg/ha/ano para 150 kg/ha/ano em apenas 21% do pasto existente na região (equivalente a 11 milhões de ha) liberaria 4 milhões de hectares já abertos – área suficiente para que o Brasil atinja suas metas de crescimento de gado (em 43% até 2030) e grãos (33%).

(4) Promover melhorias econômicas, ambientais e sociais nas áreas de produção familiar, por meio de assistência técnica rural fornecida pelos estados e pelo setor privado. Apenas os assentamentos somam 77 milhões de ha na Amazônia, onde vivem cerca de 2 milhões de pessoas. Projeto conduzido recentemente pelo IPAM, com recursos do Fundo Amazônia, aumentou a renda bruta de assentados do Pará em 121% e reduziu em 79% o desmatamento.

Execução urgente

Ainda que a execução simultânea de todas essas ações seja bastante complexa, como os próprios autores alertam, é fundamental que elas sejam colocadas em prática no menor tempo possível, com definição de regiões prioritárias, e que todas as áreas sejam contempladas conjuntamente.

“As estratégias são interdependentes: temos de destinar áreas não designadas ao mesmo tempo que nos esforçamos para reduzir o desmatamento nas propriedades, aumentar a produtividade e melhorar a qualidade de vida das pessoas do campo”, afirma o pesquisador do IPAM Marcelo Stabile, principal autor do artigo. “O desmatamento é um problema multidimensional, que pede soluções também múltiplas. A conciliação do desenvolvimento com a conservação deve levar em conta os desafios de cada um dos atores e propor respostas em paralelo.”

Nova cultura para novos tempos

O paradigma de expansão horizontal da agricultura e da pastagem sobre a mata, segundo os autores, está desatualizado. Para eles, a narrativa convencional de que conservar florestas vale menos a pena do que derrubar para plantar não funciona mais, particularmente na Amazônia.

O modelo utilizado hoje não apenas fica aquém dos padrões de sustentabilidade, “mas também enfrenta aumento dos riscos para a produção, pois o desmatamento e a fragmentação florestal alteram o clima regional”, escrevem. Afinal, as árvores são as melhores fontes de água e de temperatura estável para a alta produtividade do agronegócio brasileiro, e estamos próximos do limite do sistema natural de prover esses serviços.

Além do equilíbrio climático, barreiras não tarifárias – entre elas a preservação ambiental – têm sido usadas repetidamente nos debates comerciais como fator de escolha: a exigência de produtos livres de desmatamento e outros critérios socioambientais é colocada na mesa de negociações com mais frequência.

“Esse artigo inaugura um novo olhar sobre a conservação da Amazônia, no qual, por meio de uma visão integrada dos desafios que a região apresenta, podemos promover, de forma simultânea, o fim do desmatamento e o aprimoramento das atividades econômicas, gerando benefícios para as pessoas”, explica Guimarães.

O estudo (em inglês) pode ser lido em https://ipam.org.br/bibliotecas/solving-brazils-land-use-puzzle-increasing-production-and-slowing-amazon-deforestation/.