O economista e ambientalista que organizou a Rio+20 estrela na TV a série No Caminho do Bem, na qual entrevista representantes de várias religiões sobre temas como Deus, dinheiro, sexo, família e intolerância

O carioca Sérgio Besserman Vianna tem um currículo invejável como economista e ambientalista. Professor do departamento de economia da PUC-Rio, onde se formou, ele foi presidente do Instituto Brasileiro de Geo­grafia e Estatística (IBGE) no período 1999-2003, durante o segundo governo de Fernando Henrique Cardoso. Atuante há mais de três décadas na área ambiental, ele organizou a Rio+20, em 2012, e participou de delegações brasileiras em outras conferências do clima realizadas pela ONU.

Essa exuberante formação, porém, não conta muito no mais recente desafio que ele encarou: comandar os 13 programas da série No Caminho do Bem, exibidos no canal por assinatura Curta! de dezembro de 2016 a fevereiro de 2017. Nos programas, ele entrevista fiéis e representantes de religiões como judaísmo, espiritismo, budismo, candomblé, hare krishna e catolicismo para mostrar diferentes visões de mundo por meio dos conceitos e das práticas religiosas do Brasil. Em cada episódio, temas filosóficos e culturais, como sexo, família, Deus, papel da mulher, morte, destino, dinheiro e intolerância, são debatidos pelos participantes, formando um mosaico sobre a importância da religiosidade na vida das pessoas.

Embora seus pais tenham sido integrantes do Partido Comunista Brasileiro, Besserman possui uma certa familiaridade com o tema da série. Além de reconhecer a força da origem judaica, ele tem apreço especial pelo zen-budismo, conhece cultos afro-brasileiros e sua esposa é católica. Essa “abertura para diversas janelas de observação do humano”, como ele ressalta, tem sido uma experiência marcante em sua vida.

Besserman gostou muito da vivência de conhecer tantas perspectivas religiosas diferentes durante as gravações de No Caminho do Bem. “A experiência que a série me propiciou de abordar questões da vida de todas as pessoas a partir das diferentes visões que cada religião tem foi maravilhosa”, afirma. “Sabedorias diversas e muito diferentes entre si, que estão ligadas pelo desejo de atender às dúvidas, angústias e desejos dos humanos.”

Na entrevista a seguir, Besserman fala sobre a série e aborda também assuntos do momento relacionados às suas principais áreas de atuação, como a prolongada crise econômica brasileira e o que se pode esperar do bilionário Donald Trump no comando do principal país do mundo.

PLANETA – O sr. é conhecido por sua trajetória como economista e ambientalista, e seus pais integravam o Partido Comunista Brasileiro. O que o levou a apresentar a série No Caminho do Bem, na qual o sr. conversa com fiéis e representantes de diferentes religiões?
BESSERMAN – Eu perguntei isso ao Belisario Franca, produtor da série: “Por que vocês pensaram no meu nome?” Ele respondeu: “Você não se definiu em um texto como judeu, zen-budista, capixaba, filho de Oxum e Oxóssi e agnóstico, ou ateu? Foi por isso”. De fato, minha maior crença é na profunda humildade da metodologia científica, mas em minha vida tive aprendizados fundamentais que eu jamais teria a não ser pelos caminhos de diversas espiritualidades. Sou judeu na essência cultural e histórica. É impossível para mim reduzir o papel do zen na minha vida. Aprendi no candomblé ensinamentos que não teria aprendido de outras formas. Minha esposa é católica. Enfim, a abertura para diversas janelas de observação do humano na minha vida é uma experiência, mais do que um valor intelectual. Acho que foi por aí…

PLANETA – Mostrar como essas religiões tratam questões da vida, como Deus, dinheiro, sexo, família, intolerância ou infância e adolescência, é uma forma interessante de poder compará-las, mas corre-se o risco de simplificar as bases doutrinárias que as levaram às ideias defendidas. Como o sr. procurou equilibrar isso?
BESSERMAN – Acho que isso não foi mérito meu. Foi mais bem feito pelos muitos sábios que tive a oportunidade de entrevistar nos programas do que por mim e pela produtora. A escolha desses líderes espirituais foi o mais importante. Alguma simplificação sempre há, mas eles mesmos destacavam isso de forma a inspirar os espectadores a buscar mais.

Aprofundar-se nas vertentes espirituais previne simplificações (Foto: foto: iStockphotos)
Aprofundar-se nas vertentes espirituais previne simplificações (Foto: iStockphotos)

PLANETA – O que mais marcou o sr. no contato com as religiões que aparecem na série? Alguma delas o surpreendeu em algum sentido?
BESSERMAN – Muitas vezes me vinha o receio de que alguém fizesse proselitismo ou se apresentasse como portador de uma verdade, já que todos têm muita fé em suas opções espirituais. Mas esse receio se revelou desnecessário. A mensagem das religiões (que nem sempre a seguem) é a mesma da ciência (que tampouco sempre a segue): profunda hu­mildade. Os mestres que entrevistei, todos a seguiram.

PLANETA – Como a série ajuda os espectadores a lidar com a intolerância, um comportamento infelizmente em alta no mundo atual?
BESSERMAN – Ela os ajuda ao tocá-los pelo valor de ouvir algo diferente de suas próprias crenças como um saber que pode trazer insights muito profundos. Fica fácil entender – com a barriga, como diz o zen – o quanto cada um perde sendo surdo e cego aos que pensam, sentem ou creem de forma diferente.

PLANETA – A partir de 2017, o Rio de Janeiro, segunda maior cidade brasileira, será comandado por um evangélico. Para o sr., como isso influirá no relacionamento da prefeitura com as diferentes religiões presentes na cidade? Qual seria, por exemplo, o comportamento das autoridades municipais em relação ao carnaval, a maior festa pagã do mundo e a maior atração turística da cidade?
BESSERMAN – Espero e acredito que nada mudará de forma significativa. O Estado é laico e isso diz respeito não apenas às políticas públicas, mas também aos valores pelos quais os eleitos têm a obrigação constitucional de zelar. Além disso, a cultura carioca é especialmente plural e diversa, tem nesses atributos um valor e está atenta à necessidade de mantê-los e aprofundá-los.

PLANETA – Em uma entrevista concedida em 2011, o sr. comentou que “avançar na sustentabilidade é uma condição para o desenvolvimento econômico e social”. De lá para cá, quanto o mundo e o Brasil avançaram nesse sentido?
BESSERMAN – Houve alguns avanços e outros tantos recuos. A baixa qualidade da democracia brasileira atrapalha em tudo, mais ainda na busca do desenvolvimento sustentável, que envolve transformações profundas e contraria muitos interesses estabelecidos.

O aquecimento global demanda uma revolução civilizatória (Foto: iStockphoto)
O aquecimento global demanda uma revolução civilizatória (Foto: iStockphoto)

PLANETA – Quais são suas perspectivas em relação ao aquecimento global? As metas propostas na COP21, a conferência do clima realizada em Paris em 2015, são viáveis ou esse jogo já está perdido e a maior preocupação, agora, é não levar uma goleada?
BESSERMAN – Um mau negócio já foi contratado e é garantido. Não há chance de que a temperatura média do planeta suba menos de 2° C nesse século, o que já é bastante complicado, especialmente para os mais pobres em todo o mundo. Se continuarmos na toada atual, o aquecimento será de 4° C, 5° C ou 6° C neste século, o que não é o fim do mundo, mas é um pesadelo. Uma revolução civilizatória (e não apenas tecnológica) terá de ocorrer. A COP21 foi histórica ao deixar isso bem claro. Mas ela não tem poderes nessa falta de governança global dos tempos atuais para fazer muito mais do que isso ou para assegurar que as intenções se tornarão ação verdadeira na profundidade e na velocidade necessárias. Cada ser humano, agora, é um cidadão do planeta. Muita participação e engajamento, muita pressão política ainda terão de ocorrer para que tentemos evitar um desastre, especialmente, repito, para os mais pobres.

PLANETA – O Brasil vive atualmente uma profunda crise econômica e política, bastante influenciada por aspectos morais e éticos. Como o sr. pensa que sairemos dessa enrascada?
BESSERMAN – Não sei. Mas minha mãe, a falecida psicanalista Helena Besserman, sempre gostou de mostrar aos filhos uma frase do primeiro grande escritor negro norte-americano, James Baldwin: “Nem tudo que se enfrenta pode ser transformado, mas nada que não se enfrenta pode ser transformado”.

PLANETA – O que podemos esperar de Donald Trump como presidente dos Estados Unidos em áreas como meio ambiente, religiões, raças e gêneros?
BESSERMAN – Que o sistema de pesos e contrapesos da democracia norte-americana funcione bem, como de um modo geral tem ocorrido. De resto, vale a frase do nosso genial escritor e humorista Barão de Itararé: “De onde menos se espera, daí é que não sai nada mesmo”.