A relação entre a linguagem e a percepção de mundo atrai há muito tempo os pesquisadores. Ela está diretamente ligada à forma como processamos o que está ao nosso redor e como nos comunicamos entre grupos sociais.

Nos anos 1940, o linguista americano Benjamin Lee Whorf publicou uma hipótese sobre essa ligação, segundo a qual nossa língua materna nos impede de entender conceitos externos a ela – ou seja, restringe a capacidade da mente de pensar em outras ideias. Essa hipótese acabou rejeitada, já que, por exemplo, o fato de certos idiomas não terem termos próprios para diferenciar azul-claro de azul-escuro não significa que seus usuários não percebam essa diferença – apenas as classificam de outra forma.

O inverso também se aplica. Aprender uma nova língua influencia diretamente na capacidade da mente de se expandir para diferentes interpretações. “Ao aprender vocabulário e gramática, você também aprende inconscientemente uma nova forma de ver o mundo. E há uma ligação indissolúvel entre linguagem, cultura e cognição”, afirma o professor Panos Athanasopoulos, da Universidade de Lancaster (Inglaterra).

Ele e sua equipe do departamento de linguística fizeram há alguns meses uma pesquisa na qual concluíram que pessoas que falam mais de uma língua tendem a ter uma visão de mundo mais flexível e ampliada do que os que se limitam à língua materna. Para Athanasopoulos (fluente em inglês e grego), nem é preciso ser fluente para sentir os efeitos: “Falar uma língua diferente da materna capacita você ainda a entender melhor sua própria língua e lhe dá a oportunidade de refletir sobre sua cultura”.

O estudo de Athanasopoulos alonga a lista dos benefícios do bilinguismo. Na vida profissional e para quem viaja com frequência, esse aspecto é bem valorizado. Os ganhos para o cérebro passam pela redução na perda da memória e pelo retardo do envelhecimento. Deficiências cognitivas ligadas ao envelhecimento, como demência ou Alzheimer, ocorrem até cinco anos mais tarde em bilíngues.

Segundo o professor, o estudo mostra que, além de refletir ou expressar nossas ideias, as línguas que falamos modelam as ideias que desejamos expressar. “As estruturas que existem em nossa linguagem moldam a fundo a forma como construímos nossa realidade e nos ajudam a nos tornar tão inteligentes e sofisticados como somos.”

Modelos diferentes

O professor já havia comparado como quem fala japonês e quem fala inglês descreve as cores. Para ele, a percepção de tons diversos é ideal para testar os conceitos do bilinguismo, pois os limites dos espectros de cor entre as línguas podem variar muito. Os japoneses, por exemplo, têm uma gama de azul maior que os ingleses.

A professora Elvira Souza Lima notou algo parecido em uma tribo da Amazônia. Segundo ela, o número de palavras desses índios para descrever os tons de verde é imenso e pode depender até do período do dia. “Eles têm uma relação muito forte com a natureza, e é claro que ela vai estar refletida no falar”, afirma.

Para entender como os padrões de linguagem reagiriam em um experimento linguístico comportamental, Athanasopoulos comparou bilíngues em inglês e alemão a monoglotas de cada um desses idiomas. Os pesquisadores mostraram imagens e vídeos­ de eventos com movimento, como uma mulher andando em um estacionamento e um homem pedalando a bicicleta rumo a um supermercado.

Para descrever a cena, os que só falavam alemão tenderam a detalhar a ação – caminhar e pedalando – e seu entorno: rumo ao carro ou ao supermercado. “Isso reflete a visão mais holística que os alemães têm do mundo”, concluiu a equipe. Os monoglotas de inglês focaram em descrever e valorizar a ação em si, ou seja, andar de bicicleta e caminhar.

Já alemães nati­vos fluentes em inglês e com residência no Reino Unido que fizeram o teste deram uma descrição mais focada na ação, tal como os nativos britânicos. Tais resultados reforçam pesquisas que revelam comportamento diferente nos bilíngues conforme a língua falada. Quando calculam riscos, eles tendem a ser mais racionais em decisões financeiras se usam o segundo idioma; já na língua materna, tendem a ignorar preceitos básicos e a memória afetiva influenciada pela outra língua.

Bilíngues relataram se sentir pessoas diferentes e expressar emoções de modo distinto ao falarem outra língua. Como disse o imperador Carlos Magno (747-814 d.C.), “ter uma segunda língua é ter uma segunda alma”.

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