Ao acompanhar os dados do Zwicky Transient Facility (uma pesquisa de todo o céu baseada no Observatório Palomar, na Califórnia, EUA) no início de 2022, uma equipe de astrônomos liderada por pesquisadores da Nasa, do Instituto de Tecnologia da Califórnia (Caltech) e de outros lugares detectou um formidável clarão em uma parte do céu onde nenhuma luz havia sido observada na noite anterior. O clarão parecia emitir mais luz do que 1.000 trilhões de sóis.

Publicada em um boletim de astronomia, a descoberta chamou a atenção de astrônomos de todo o mundo. Nos dias seguintes, vários telescópios se concentraram no sinal para coletar mais dados em vários comprimentos de onda nas bandas de raios X, ultravioleta, óptica e rádio, para ver o que poderia produzir uma quantidade tão grande de luz.

Agora, uma grande equipe internacional de pesquisadores, liderada por astrônomos do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT, nos EUA), determinou a provável fonte do sinal. Seu estudo foi publicado na revista Nature Astronomy.

Buraco negro a mais da metade da extensão do universo expele matéria perto da velocidade da luz. Crédito: MIT

Evento mais brilhante do gênero

Segundo os autores, o sinal, denominado AT 2022cmc, provavelmente vem de um jato relativístico de matéria saindo de um buraco negro supermassivo com velocidade próxima à da luz. O jato seria o produto de um buraco negro que subitamente começou a devorar uma estrela próxima, liberando uma enorme quantidade de energia no processo.

Outros eventos de ruptura de maré (TDEs, na sigla em inglês), nos quais as forças de maré de um buraco negro dilaceram uma estrela, já haviam sido observados. O AT 2022cmc chama a atenção nesse sentido: é mais brilhante do que qualquer TDE descoberto até hoje. A fonte também é o TDE mais distante já detectado, a cerca de 8,5 bilhões de anos-luz de distância – mais da metade do universo.

Os astrônomos dizem que, para um evento tão distante aparecer tão brilhante no nosso céu, o jato do buraco negro pode estar apontando diretamente para a Terra. Isso faz com que o sinal pareça mais brilhante do que se o jato estivesse apontando em qualquer outra direção. O efeito, um “aumento de Doppler”, é semelhante ao som amplificado de uma sirene passando.

O AT 2022cmc é o quarto TDE intensificado por Doppler já detectado e o primeiro evento desse tipo observado desde 2011. É também o primeiro TDE descoberto usando um levantamento óptico do céu.

“Sabemos que há um buraco negro supermassivo por galáxia, e eles se formaram muito rapidamente no primeiro milhão de anos do universo”, disse o coautor Matteo Lucchini, pós-doutorando no Instituto Kavli de Astrofísica e Pesquisa Espacial do MIT. “Isso nos diz que eles se alimentam muito rapidamente, embora não saibamos como esse processo de alimentação funciona. Portanto, fontes como um TDE podem realmente ser uma boa sondagem de como esse processo acontece.”

Evento superpoderoso

Após a descoberta inicial do AT 2022cmc, Lucchini e Dheeraj Pasham (primeiro autor do estudo, também do Instituto Kavli de Astrofísica e Pesquisa Espacial do MIT) se concentraram no sinal usando o Neutron star Interior Composition ExploreR (NICER), um telescópio de raios X que opera a bordo da Estação Espacial Internacional.

“As coisas pareciam bastante normais nos primeiros três dias”, contou Pasham. “Então olhamos para o evento com um telescópio de raios X, e o que descobrimos foi que a fonte era muito brilhante.”

Em geral, esses clarões brilhantes são explosões de raios gama – jatos extremos de emissões de raios X expelidos do colapso de estrelas massivas. Mas o AT 2022cmc foi único. “Esse evento em particular foi 100 vezes mais poderoso do que o mais poderoso brilho pós-explosão de raios gama”, disse Pasham. “Foi algo extraordinário.”

A equipe então reuniu observações de outros telescópios de raios X, rádio, ópticos e ultravioleta e rastreou a atividade do sinal nas semanas seguintes. O que mais chamou sua atenção foi a extrema luminosidade do sinal na banda de raios X. Eles descobriram que as emissões de raios X do AT 2022cmc oscilaram amplamente por um fator de 500 em algumas semanas. Para os pesquisadores, essa atividade frenética de raios X deve ser alimentada por um “episódio de acreção extrema” – um evento que gera um enorme disco turbulento, como um evento de ruptura de maré, no qual uma estrela fragmentada cria um redemoinho de detritos ao cair em um buraco negro.

Emissões de TDE. Crédito: Zwicky Transient Facility/R.Hurt (Caltech/IPAC)

Velocidade próxima à da luz

Em reforço a essa ideia, a equipe descobriu que a luminosidade de raios X do AT 2022cmc era comparável a, embora mais brilhante do que, três TDEs detectados anteriormente. Esses eventos geraram jatos de matéria apontando diretamente para a Terra. Os pesquisadores se perguntaram: se a luminosidade do AT 2022cmc é o resultado de um jato direcionado para a Terra, com que velocidade o jato deve estar se movendo para gerar um sinal tão brilhante?

Lucchini então modelou os dados do sinal, considerando que o evento envolvia um jato vindo direto para o nosso planeta. “Descobrimos que a velocidade do jato é 99,99% da velocidade da luz”, afirmou ele.

Para produzir um jato tão intenso, o buraco negro deve estar em uma fase extremamente ativa – um “frenesi de hiperalimentação”, na definição de Pasham. “Provavelmente ele está engolindo a estrela a uma taxa de metade da massa do Sol por ano”, calculou o astrônomo. “Muitas dessas perturbações de maré acontecem no início, e conseguimos capturar esse evento logo no início, dentro de uma semana após o buraco negro começar a se alimentar da estrela.”

Acredita-se que o lançamento de telescópios mais poderosos nos próximos anos vai permitir a descoberta de mais TDEs, que poderão ajudar a explicar como os buracos negros supermassivos crescem e moldam as galáxias ao seu redor. “Esperamos muitos mais desses TDEs no futuro”, afirmou Lucchini. “Então poderemos dizer, enfim, como exatamente os buracos negros lançam esses jatos extremamente poderosos.”