PreviousNext

O amor pela natureza está firmemente enraizado na alma dos japoneses e se manifesta em muitas de suas expressões artísticas. Não à toa, um dos assuntos mais frequentes em imagens e textos nipônicos é também um dos símbolos do país: o Monte Fuji, vulcão adormecido na ilha de Honshu (a principal do país), cerca de 100 km a sudoeste de Tóquio. Com 3.776 metros de altitude – o que o torna o ponto mais elevado do arquipélago japonês – e um cume habitualmente coberto de neve, ele é a mais conhecida das Três Montanhas Sagradas do Japão (as outras são os montes Tate e Haku). A importância dessa montanha foi reconhecida pela Unesco, que incluiu a área do Fuji na Lista do Patrimônio Mundial em 2013. Segundo a agência da ONU para a educação, a ciência e a cultura, a montanha “tem inspirado artistas e poetas e tem sido objeto de peregrinação por séculos”.

O significado da palavra Fuji é um tema polêmico. Uma das acepções é “sem igual”. Outra interpretação, “imortal”, reflete a crença taoísta de que o vulcão abriga o segredo da imortalidade. Para os ainos, antigos habitantes do arquipélago japonês, o nome Fushi seria uma referência à deusa do fogo, Kamui Fushi. Também chamado no Japão de Fujiyama ou Fuji-san, o vulcão surgiu há pelo menos 600 mil anos, durante o Pleistoceno. Cerca de 300 mil anos atrás ele ganhou as formas simétricas que exibe hoje – declives regulares e suaves, moldados por correntes de lava muito líquida e elástica. Esse formato clássico ajudou a estimular o surgimento de diversas lendas sobre a montanha.

Uma delas, descrita no Kojiki (texto sagrado do xintoísmo, a religião nacional do país, compilado em 712), menciona a bela Konohanasakuya-hime (“Princesa da Floração”), filha do deus da montanha Oyamatsumi-no-kami. Ela desceu à terra e apaixonou-se por Ninigi-no-mikoto, neto da deusa do sol Amateratsu e fundador da dinastia imperial japonesa. Também apaixonado, Ninigi pediu a moça em casamento ao deus da montanha. Este lhe ofereceu a mão da filha mais velha, Iwanaga-hime (“Princesa da Pedra”), mas o rapaz recusou. A contragosto, Oyamatsumi cedeu.

Vida efêmera

Sakuya-hime engravidou em apenas uma noite, levantando suspeitas do marido. Sentindo-se ofendida, ela então se fechou em uma cabana sem portas à qual ateou fogo, dizendo que o filho nada sofreria se fosse realmente de Ninigi. Dentro da cabana, a princesa deu à luz três meninos, Hoderi, Hosuseri e Hoori. Simbolizada pela flor de cerejeira, Sakuya-hime se tornou também a deusa do Monte Fuji e dos outros vulcões. A descendência originada dela reflete, tal qual a flor de cerejeira, a efemeridade da vida humana.

Os xintoístas consideram que o kami (espírito) da princesa mora no Fuji, e escalar a montanha é considerado um ato de peregrinação. Existem diversos santuários dedicados a ela no sopé do vulcão. Mas o xintoísmo não tem exclusividade sobre a montanha. Mais de 2 mil correntes religiosas marcam presença na área do vulcão, como o budismo e o confucionismo.

A beleza serena do Monte Fuji foi popularizada na arte japonesa a partir do século 17, quando Tóquio – então chamada de Edo – passou a ser a capital do país.­ O vulcão é visível de longe, e mesmo os que estão na capital podem admirá-lo em dias claros. Tamanha exposição incentivou um dos mais importantes pintores japoneses dos séculos 18 e 19, Hokusai, a retratar a montanha em duas obras, 36 Vistas do Monte Fuji e Cem Vistas do Monte Fuji. Um famoso contemporâneo de Hokusai, Utagawa Hiroshige, usou a mesma fonte de inspiração para fazer sua versão de 36 Vistas do Monte Fuji.

O vulcão também é mencionado há séculos na literatura local, em poemas e romances. Em um poema da antologia do século 8 Man’yoshu (“Coletânea de Inúmeras Folhas”), o Fuji é descrito como um “deus vivo”, no qual o fogo e o gelo travam um combate eterno. Um conhecido mestre zen-budista do século 17, Bashô, percorreu as encostas da montanha e usou-a como fonte de inspiração em vários de seus poemas.

Ao longo da história japonesa, a imagem do Monte Fuji serviu para unir e mobilizar a população local. Na Segunda Guerra Mundial,­ por exemplo, a propaganda do governo local associou o vulcão ao sentimento nacionalista. Os americanos, por seu lado, despejaram folhetos com as linhas da montanha em lugares fora do arquipélago japonês onde havia soldados nipônicos, a fim de induzir neles a nostalgia e a saudade do lar.

Turismo intenso

A região do Monte Fuji foi transformada em parque nacional em 1936, e desde então estradas especialmente construídas permitem aos turistas visitar o vulcão, os cinco lagos e a floresta que o cercam. Anos depois, o parque foi ampliado com a anexação da península e do arquipélago de Izu e da cadeia montanhosa de Hakone, totalizando uma área de 1.223 km2, e foi redenominado Parque Nacional Fuji-Hakone-Izu.

Hoje em dia, a região responde por um intenso fluxo turístico. O interesse pela montanha, seja ele religioso ou não, atraiu empreendimentos como um campo de golfe, um parque no estilo safári e até uma enorme montanha-russa, e o resultado é uma movimentação de 4 milhões de pessoas a cada ano, sobretudo no verão.

Desses visitantes, cerca de 300 mil enfrentam a escalada da montanha – uma prática que teria começado no século 7, mas que só foi permitida às mulheres em 1868. Os candidatos à jornada podem contar com a ajuda de uma estrada pavimentada que percorre boa parte do caminho, mas mesmo assim a empreitada, feita oficialmente entre o início de julho e o início de setembro, não é tão simples como parece nas fotos de longe. Há obstáculos no terreno, ventos fortes, o clima é instável e, nas maiores altitudes, a temperatura é baixa mesmo no verão.

De qualquer modo, o esforço é uma experiência transformadora, de purificação física e espiritual. Um provérbio local diz: “É louco aquele que se recusa a subir ao cume do Fuji pelo menos uma vez na vida”. O lado negativo é que muitos dos escaladores deixam rastros de poluição por onde passam – só em 2014, foram recolhidas mais de 70 toneladas de lixo nas encostas. Mesmo esses problemas não conseguem abalar a aura do Fuji. Desde os arrozais das partes mais baixas até as lavas do cume vulcânico, passando por pastagens e florestas temperadas, seu magnetismo natural é soberano – marca indelével de um dos mais belos cenários terrestres.


Risco de erupções

Toda a placidez retratada nas imagens não esconde que o Monte Fuji é um vulcão, e todo vulcão – se não estiver definitivamente extinto – representa uma ameaça em potencial. O Fuji está adormecido há 310 anos: sua última erupção ocorreu em 1707, 49 dias depois que um terremoto de magnitude 8,6 devastou o litoral.

O flanco sudeste do cone do Fuji lançou ao ar enormes quantidades de cinzas e pedra-pomes. Brasas destruíram 72 casas e três templos budistas em Subasiri, a 10 quilômetros do vulcão, e conta-se que as nuvens de cinzas cobriram tão pesadamente os céus da capital, Edo, que seus habitantes tinham de acender velas durante o dia. Calcula-se que o Fuji entrou em erupção pelo menos 75 vezes nos últimos 2.200 anos, 16 delas desde 781 d.C.


A morte aos pés do monte sagrado

Aokigahara: mata quase sem vida selvagem

Situado na parte noroeste do sopé do Monte Fuji, Aokigahara (“Mar de Árvores”) é uma floresta de 35 km2 com a fama sombria de ser o local de suicídio mais popular do mundo. Na mata cerrada formada por árvores como pinheiros e cedros-brancos praticamente não há vida selvagem. Conta-se na região que, durante o século 19, praticou-se bastante em Aokigahara o ubasute, um costume ancestral japonês segundo o qual parentes idosos ou doentes eram deixados em locais remotos para morrer.

Isso pode ter incentivado os suicidas a escolher a floresta para tirar a própria vida. Desde que as patrulhas na região começaram, em 1971, centenas de corpos foram recolhidos. Em 2003, depois que o número recorde de 105 cadáveres foi registrado, as autoridades pararam de divulgar informações a esse respeito. As trilhas da região contêm mensagens em japonês e inglês que buscam tirar as ideias suicidas da mente dos transeuntes.