Um mito muito difundido sobre o além é constituído pelas ideias e imagens sobre a reencarnação. Num país onde a cultura espiritual é muito diferenciada e muito mais antiga do que a nossa, a Índia, a ideia de reencarnação é natural e explica-se por si só, assim como, para nós, é natural a ideia de que Deus criou o mundo. Os hindus mais cultos sabem que não pensamos como eles, mas isso não os preocupa. Pelas características espirituais do oriental, a sucessão do nascimento e da morte é considerada um processo interminável.

As necessidades míticas do homem ocidental exigem a imagem de um mundo evolucionista, que tem um começo e um objetivo. O ocidental rejeita a imagem de um mundo que tenha um começo e um simples fim, assim como rejeita a representação de um ciclo estático eterno, fechado sobre si mesmo. O oriental, ao contrário, parece tolerar essa ideia.

Para o homem do Ocidente, o absurdo de um universo simplesmente estático é intolerável. É preciso que ele lhe pressuponha um sentido. O homem do Oriente não sente nenhuma necessidade dessa pressuposição, porque ele a encarna. Enquanto o ocidental procura descobrir esse sentido no mundo, o oriental esforça-se por descobri-lo no homem, despojando-se a si mesmo do mundo e da existência (Buda). Eu daria razão tanto a um quanto a outro. Pois o ocidental me parece sobretudo extrovertido e o oriental, sobretudo introvertido. O primeiro projeta o sentido, isto é, supõe-no nos objetos; o segundo o sente em si mesmo. Ora, o sentido está tanto no exterior quanto no interior.

Reencarnação e carma

Não podemos separar a ideia de reencarnação da ideia de carma. O problema é saber se o carma de um ser humano é ou não pessoal. Se o destino preestabelecido com o qual um ser humano entra para a vida é o resultado das ações e realizações das vidas anteriores, há uma continuidade pessoal. No outro caso, o carma aparece de alguma maneira no nascimento e incorpora-se novamente sem que haja uma continuidade pessoal.

Não sei responder se o carma que vivo é o resultado de minhas vidas passadas ou se é uma aquisição de meus ancestrais, cuja herança condensou-se em mim. Sou uma combinação de vidas de ancestrais e reencarno essas vidas? Já vivi alguma vez com personalidade determinada e progredi o bastante naquela vida para poder agora esboçar uma solu­ção? Não sei. Buda não respondeu e suponho que nem ele tinha certeza.

 

Trecho de “A vida depois da morte”, de Carl Jung, extraído do livro Memórias, Sonhos, Reflexões e publicado em PLANETA 8 (abril de 1973)