O frágil texto de encerramento da Conferência do Clima de Copenhague, que não fixa metas obrigatórias de redução de emissões de gases-estufa, mostra que muitos países ainda não se deram conta das consequências do aquecimento global. Responder aos desafios que ele impõe é tarefa de todos e deve ser iniciada já

O clima está mudando – mais rápido do que nunca. Desde o início dos tempos, ele passa por alterações. Ao longo de períodos mais quentes e outros frios, a vida teve de se adaptar e evoluir. Mas agora as atividades humanas afetam a dinâmica do próprio planeta. E o mais alarmante, o ritmo da mudança foi dramaticamente alterado, ameaçando levar muitas plantas e espécies animais à extinção.

Ao queimar combustíveis fósseis, temos acrescentado gases de efeito estufa, que retêm o calor na atmosfera, às emissões feitas pela natureza. Como resultado, a concentração desses gases no ar está bem acima do nível calculado em qualquer momento nos últimos 800 mil anos. Inevitavelmente, as temperaturas têm subido também.

Em 2007, o Painel Intergovernamental sobre Mudança Climáticas (IPCC, na sigla em inglês) publicou seu último relatório científico, mostrando que a temperatura média global aumentou 0,74°C ao longo do século passado. Na região ártica, a temperatura média das partes emersas aumentou em até 5°C durante o mesmo período, e agora há uma forte probabilidade de que o Polo Norte esteja livre de gelo durante o verão nas próximas duas ou três décadas.

As geleiras estão derretendo mais rapidamente do que o esperado, acelerando a elevação do nível do mar e aumentando o número de casos de inundações oriundas de degelo e de escassez de água fora de época em algumas das regiões mais densamente povoadas do mundo.

É claro também que mesmo se pudéssemos parar as emissões relacionadas às atividades humanas amanhã, a enorme quantidade de gasesestufa que já despejamos na atmosfera provocará um aquecimento adicional entre 0,5ºC e 1ºC.

Já podemos ver com o que um aumento de 1ºC na temperatura global acima dos níveis préindustriais se parece. E podemos antecipar o que um aumento de 2ºC na temperatura (o limite máximo aceitável de elevação, de acordo com o IPCC) traria: mudanças na maneira pela qual as plantas crescem, para onde os animais migram e na forma como os ecossistemas funcionam.

Mas um mundo com um incremento de temperatura de 3ºC poderia ser muito diferente. Um número crescente de inundações, tempestades e secas impactaria severamente a maneira como vivemos – nosso acesso à água e aos alimentos e a segurança dos nossos suprimentos energéticos.

No momento em que chegarmos a um aumento de 4°C, a elevação das temperaturas poderia destruir a própria estrutura das nossas sociedades. Algumas áreas atualmente habitáveis poderiam ser incapazes de prover as sociedades humanas, menos ainda de comportar os números populacionais que antecipamos no planeta nos próximos 20 a 30 anos.

E nem sequer falamos de um mundo onde as temperaturas médias subiriam 5ºC ou mais.

A explosão da vida moderna tem sido construída em torno de suprimentos aparentemente ilimitados de carvão, petróleo e gás, fontes de energia para atender a uma demanda que cresce implacavelmente. O pressuposto de todo o processo tem sido que nosso ambiente natural é capaz de fornecer suprimentos infinitos de combustíveis e de acolher cada vez mais os subprodutos da produção de energia.

Na realidade, é claro, queimar combustíveis fósseis para impulsionar nossa economia tem gerado as emissões de gases-estufa que estão causando o aquecimento global agora. A produção e o consumo de energia respondem por 70% das emissões humanas de dióxido de carbono. Metade dessas emissões é gerada pela China, pelos Estados Unidos e por países da União Europeia (UE).

A demanda de energia nas economias emergentes, incluindo China, Índia, Brasil e Indonésia, deve crescer rapidamente, talvez 100% nas próximas décadas.

Se optarmos por continuar a queima de combustíveis fósseis até que se esgotem os estoques, vamos simplesmente aumentar a quantidade de gases-estufa na atmosfera e experimentar um aquecimento global ainda maior.

Mas há uma alternativa. Mudar para um novo paradigma de geração e utilização de energia, baseado em fontes renováveis e eficiência energética, nos permitiria evitar muitos dos problemas de um mundo mais quente.

Atualmente, tanto as indústrias como as residências desperdiçam muito da energia que produzimos. Na luta contra as alterações climáticas, esse é um lugar óbvio para começar porque uma eficiência energética maior não é apenas reduzir as emissões de gases-estufa – isso realmente nos faz poupar dinheiro. A Agência Internacional de Energia (AIE), por exemplo, estima que cada dólar gasto em medidas de poupança energética evita um investimento de mais de US$ 2 na produção de energia. Pequenas ações em residências, tais como trocar eletrodomésticos por outros mais eficientes, podem ter um efeito enorme quando agregadas em toda a sociedade.

Estima-se, por exemplo, que a proibição das lâmpadas incandescentes na UE, que entra em vigor nos próximos anos, produzirá uma economia entre ? 5 bilhões e ? 10 bilhões (de R$ 12,5 bilhões a R$ 25 bilhões, aproximadamente) a cada ano e poupará a energia equivalente ao consumo anual de eletricidade da Romênia.

Da mesma forma, muitos lugares na América têm proibições locais sobre secar as roupas em varais externos, o que obriga as pessoas a usar máquinas de secar elétricas. Estima-se que as necessidades energéticas dessas secadoras sejam equivalentes à produção total de 15 centrais nucleares.

Assim, as ações para diminuir a demanda de energia são, obviamente, cruciais, porque têm um efeito imediato sobre as emissões de gases-estufa de usinas. Mas essa é apenas uma parte do quebracabeça. Precisamos ainda gerar quantidades significativas de energia, até porque a demanda no mundo em desenvolvimento deverá aumentar rapidamente. Para atender a essa demanda, temos de nos distanciar de nossa dependência dos combustíveis fósseis e nos concentrar, em vez disso, nas energias renováveis.

A UE está a meio caminho de sua meta de atender 20% de suas necessidades de energia oriunda de fontes renováveis, como eólica e solar, em 2020, mas há uma grande variação nas realizações de cada país. Na vanguarda, a Suécia já gera mais de 40% de sua energia a partir de fontes renováveis – um exemplo do que pode ser conseguido com as ambições e as políticas corretas.

Para manter a mudança climática dentro de patamares razoáveis, é preciso limitar a mudança da temperatura média a 2ºC ou menos. Na prática, isso significa que até 2050 teremos de ter cortado as emissões de gases-estufa em pelo menos 50% na comparação com os níveis de 1990. Para os países industrializados, cujas emissões per capita de gases-estufa ainda excedem imensamente a população, a redução terá de ser de algo como 80%.

A eficiência energética e as energias renováveis têm, obviamente, um papel crucial a desempenhar. É importante salientar, no entanto, que há diferentes possibilidades de redução das emissões de gases-estufa e não devemos nos concentrar apenas na identificação das abordagens mais baratas, sem considerar seu impacto total. Fazer mais com nossos escassos recursos exige que evitemos soluções para um problema que criem novos problemas em outras áreas.

Os benefícios de algumas fontes de energia renováveis, por exemplo, podem ser neutralizados pela poluição que causam ou por seu impacto sobre os recursos hídricos. Algumas medidas para combater a poluição do ar vão ajudar a reduzir o aquecimento global; outras vão exacerbá-lo.

Em vez de gerar custos externos, precisamos ter como meta medidas que produzam “ganhaganha” sempre que possível.

Alcançar as mudanças necessárias nas formas de gerar e utilizar a energia exigirá, obviamente, esforços de toda a sociedade. As decisões das empresas e dos consumidores vão, em última instância, determinar o destino do nosso ambiente. Mas os governos têm um papel particularmente importante na criação de incentivos que orientem essas decisões.

Um elemento crucial aqui são os sinais de preço que todos nós enfrentamos como produtores ou consumidores. Nas economias de mercado, contamos com os preços para orientar nossas decisões de compra. Frequentemente, porém, os preços de mercado apresentam uma imagem distorcida dos custos de produção – excluindo, por exemplo, os custos impostos à sociedade, hoje ou no futuro, como resultado da poluição, das mudanças climáticas e assim por diante.

Neste momento, os preços dos combustíveis fósseis muitas vezes refletem o custo de extração e distribuição, mas estão longe de representar a carga total no ambiente. Corrigir essas deficiências utilizando mecanismos como a taxação verde aumentaria significativamente o incentivo para que empresas e indivíduos investissem em eficiência energética e em energias renováveis.

O desafio é considerável e exigirá esforços de todos os setores e todos os países. É crucial, porém, que não adiemos a ação enquanto se debate a atribuição de responsabilidades, porque isso só tornará mais difícil atingir a meta.

A AIE calcula que cada ano que adiamos a mudança para a energia de baixo carbono irá adicionar US$ 500 bilhões (cerca de R$ 850 bilhões) ao custo total do cumprimento da meta de 2ºC. Alguns anos de atraso podem tornar o alvo inatingível.

É claro, portanto, que os custos da demora são muito maiores do que os da ação. Portanto, a mensagem é simples: é preciso agir agora.

 

Jacqueline M. McGlade é diretora da Agência Europeia do Ambiente. Ela é uma importante bióloga marinha e professora de informática ambiental da Universidade de Londres.