Mas já existem empresas propondo a adoção de nomes “populares”, sugeridos pelo público e definidos por votação. 

Quando o primeiro planeta fora do Sistema Solar foi descoberto, em 1992, seu nome não despertou interesse fora da comunidade científica. Desde então, a grande quantidade de exoplanetas encontrada fez o quadro mudar. Em 1º de outubro já havia 5 mil deles no site PlanetQuest, do Laboratório de Propulsão a Jato (JPL, na sigla em inglês) da Nasa, a agência espacial americana. A lista deve crescer com os novos programas voltados para a busca de planetas, como o telescópio espacial James Webb, prometido para 2018.

Há planetas para todos os gostos, mas conhecer seus nomes é complicado para quem não é do ramo. A nomenclatura atual, estabelecida pela União Astronômica Internacional (IAU, na sigla em inglês), lembra mais senhas alfanuméricas do que a simplicidade de nomes como Vênus ou Júpiter. Fora os especialistas na área, quem sabe o que são OGLE- 2005-BLG-390Lb, TrES-2b ou Kepler-22b? 

O número de planetas descobertos e a forma esdrúxula de nomeá-los abriram campo fértil de manobra para a empresa americana Uwingu (“céu” em suaíli), comandada por astrônomos. Em 2013, a companhia lançou um concurso para dar um nome popular ao exoplaneta mais próximo de nós, o Alpha Centauri Bb. Por sugestão cobrou US$ 4,99 e, por voto, US$ 0,99, dinheiro destinado, segundo os organizadores, a projetos de pesquisa, educação e exploração do espaço. 

O negócio se popularizou e foi ampliado, incluindo, por exemplo, nomes para as crateras em Marte. Incomodada, a IAU defi niu a iniciativa como um “golpe” para arrecadar dinheiro, frisando que só ela pode batizar ofi cialmente objetos astronômicos. A Uwingu rebateu de pronto: “A IAU não tem nenhum direito – formal ou informal – de controlar a nomenclatura popular de corpos celestes ou características neles”.

Enquanto a disputa prossegue, os métodos usados pela ciência para batizar corpos celestes despertaram a atenção do público. Afinal, só na Via Láctea haveria mais de 130 bilhões de planetas. Mesmo que se aceite a ideia do astrônomo brasileiro Wladimir Lyra, do JPL, de só nomear planetas situados a até 100 anos-luz da Terra, fi ca evidente que atender a essa demanda não será nada fácil. 

Denominação científica

A descoberta do primeiro planeta a orbitar uma estrela do tipo do Sol, em 1995, estabeleceu jurisprudência. Como ele gira em torno da estrela 51 Pegasi e algumas classificações consideram a estrela em si como “A”, para o planeta adicionou-se um “b” minúsculo no fim. Ficou assim: 51 Pegasi b.

Esse corpo foi descoberto com o método de velocidades radiais (wooble, em inglês), o mais “produtivo” até hoje. A técnica capta mudanças na luz da estrela causadas pela atração gravitacional do planeta. Para todas as descobertas via wooble adotou-se esse padrão. Os quatro planetas que orbitam Gliese 876, por exemplo, são designados pelas letras b, c, d e e.  quase mil exoplanetas, entre eles Kepler-22b, o primeiro confirmado a orbitar a zona habitável de uma estrela semelhante ao Sol. Por fi m, há nomes que remetem aos descobridores. Dois planetas achados por um programa financiado pelo governo do Catar, por exemplo, tornaram-se Qatar- 1b e Qatar-2b. 

Em geral, os cientistas gostam desse esquema. Bill Borucki, astrônomo do projeto Kepler, sintetiza: “O nome científico é um bom nome – é simples, é curto”. Para leigos, porém, essas letras e números não significam nada. Wladimir Lyra diz que, nas suas palestras sobre exoplanetas, costuma advertir: “A única coisa que tenho para lhes dar são nomes que parecem placas de carro e números de telefone”.

Mitologia greco-romana

Num estudo de 2009, Lyra propôs o uso de nomes da mitologia greco-romana para batizar 400 planetas descobertos antes da missão Kepler, relacionandoos às constelações em que foram encontrados. Assim, 51 Pegasi b, na constelação de Pégaso, seria chamado de Belerofonte, o herói dono do cavalo alado.  

A ideia propõe um retorno à nomenclatura usada no Sistema Solar. “Eu estava tentando voltar à tradição clássica”, diz Lyra. Mas o problema é que a lista de nomes acabaria, mesmo aceitando-se repetições como Atlas (nome de uma cratera lunar, de uma lua de Saturno e de uma estrela). Há bem mais planetas do que divindades gregas. Por outro lado, usar só a mitologia greco-romana soaria, talvez, como um gesto desrespeitoso com culturas não ocidentais.

Mitologias do mundo

A IAU assimilou o uso de outras mitologias em 2008, ao batizar o planeta anão 2005 FY9, do Cinturão de Kuiper, como Makemake, o criador da humanidade segundo a antiga civilização da Ilha de Páscoa. No mesmo ano, outro planeta anão, 2003 EL61, recebeu o nome Haumea, deusa havaiana do nascimento. 

Esse modelo refletiria mais a diversidade cultural da Terra. “A astronomia hoje em dia é internacional, então o método de nomeação só tem a ganhar se for internacional”, afirma Lyra. “Na sugestão inicial que dei, o foco em mitologia greco-romana era grande, mas isso é mera limitação minha, já que é a mitologia que conheço melhor”, explica. 

O modelo também agrada a  ierry Montmerle, secretáriogeral da IAU. “Eu defenderia pessoalmente aproveitar essa oportunidade extraordinária de nomear exoplanetas de maneira a representar a cultura do mundo.” Mas ele alerta para o risco de que serem escolhidos nomes de divindades ainda cultuadas, o que poderia soar ofensivo aos devotos. 

Para Montmerle, seria mais seguro e criativo usar “nomes de pessoas que contribuíram para o aprimoramento da humanidade, como músicos, escritores, pintores ou artistas”. A IAU já usa esse modelo, ao nomear luas de Urano com personagens de Shakespeare e crateras de Mercúrio com nomes de artistas falecidos. Já nomes de artistas ainda vivos certamente despertariam controvérsia. “Quem quer publicar um artigo sobre ‘ e spin-orbit alignment of planet Justin Bieber’?”, pergunta Lyra. Que tal um planeta Tim Maia? 

Nomes “populares”

Há duas concepções nesse sentido, ambas pressupondo votação. Na visão da Uwingu, os nomes são recebidos (pelo preço de inscrição de US$ 9,99), passam por uma seleção que elimina sugestões “pejorativas, preconceituosas, insultuosas ou profanas”, e o mais votado vence. “Sem burocracia”, gaba-se Alan Stern, presidente da empresa e ex-diretor dos programas científi cos e missões da Nasa.

Já a IAU é bem mais cautelosa. “Os nomes devem resistir ao teste do tempo e não significar a namorada do seu vizinho, mas refl etir algo realmente profundo da humanidade”, afirma Montmerle. Por isso, as indicações deveriam ser submetidas a uma comissão da IAU que avaliaria sua pertinência e sonoridade, e os nomes aprovados iriam a votação. 

Há precedentes de nomes mais comuns aceitos pelos cientistas, a começar pela Via Láctea. Tanto a IAU como a Uwingu pensam que a participação popular ajudaria a divulgar a astronomia. Mas a fórmula paga da Uwingu desperta críticas e seu sistema de escolha também pode significar problemas, já que grupos organizados tenderiam a impor sua vontade nas votações. O resultado seriam nomes ruins e sem
apelo geral. 

“A ciência deveria ser fi nanciada por votações realmente responsáveis, não por vender o céu que não possuímos”, adverte Lyra.

 

Batismo grátis

Pressionada pela Uwingu, a IAU usou um recurso do oponente para mobilizar o público a batizar exoplanetas. Em parceria com o portal Zooniverse, a organização lançou recentemente uma competição – gratuita, frise-se – para “atribuir nomes populares a exoplanetas escolhidos e às suas estrelas”.

Clubes astronômicos e organizações não governamentais interessadas em astronomia poderão propor nomes para 305 planetas encontrados antes de 2009. Os mais populares entre os aprovados por uma comissão da IAU serão apresentados em março de 2015 no portal NameExoWorlds, para votação online. Trinta receberão um novo nome, que acompanhará a denominação científica. Todos serão divulgados na 29a. Assembleia Geral da IAU, em agosto de 2015.