Há duas semanas, o avanço do vazamento de óleo de origem desconhecida por praias do Nordeste brasileiro levou o governo do Espírito Santo a criar um comitê de emergência para monitorar a costa do estado. No dia 8 de novembro, a Marinha confirmou que pequenas manchas foram observadas no litoral norte capixaba. A situação tem gerado apreensão em pescadores de Linhares (ES), na foz do Rio Doce. Impedidos de desenvolver suas atividades devido ao rompimento da barragem da mineradora Samarco, ocorrido há quatro anos, eles temem que um novo impacto ambiental traga ainda mais dificuldades para a recuperação da região.

“Já aconteceu uma tragédia. Com mais essa, vai ter que todo mundo ir para outro lugar”, diz Amaro Cosme, pescador em Regência, distrito do município de Linhares. É exatamente nessa comunidade que ocorre o encontro do Rio Doce com o oceano. A Associação de Pescadores de Regência apenas acompanha as informações mais recentes sobre as manchas de óleo.

Antes de chegar ao Espírito Santo, o óleo derramado atingiu nove estados do Nordeste e mais de 4 mil toneladas já foram recolhidas. Sua origem ainda está sendo investigada e cinco navios gregos estão sob suspeita. O comitê de emergência criado pelo governo do Espírito Santo é coordenado pela Secretaria de Estado do Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Seama) e conta com a participação de representantes da Marinha, do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio).

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Ajuda eventual

A Fundação Renova afirma que poderá ajudar se for necessário. A entidade foi criada para reparar todos os danos causados pelo rompimento da barragem, conforme acordo firmado em março de 2016 entre a Samarco, suas acionistas Vale e BHP Billiton, o governo federal e os governos de Minas Gerais e do Espírito Santo. Brígida Maioli, responsável pelo programa da Fundação Renova para monitoramento da qualidade da água do Rio Doce, manifesta preocupação e avalia que há risco de se potencializar os danos a uma região que já foi impactada.

“Eu não sei dizer se vai chegar. Sabemos que o governo do estado está se mobilizando e tomando providências para caso isso ocorra. A competência da Fundação Renova é para atuar no caso do rompimento da barragem, mas certamente vamos ajudar se for necessário. Os resultados dos nossos monitoramentos serão úteis”, diz ela. Atualmente, são monitorados 80 parâmetros físicos, químicos e biológicos em 92 pontos da bacia do Rio Doce. Em 22 desses pontos, há estações automáticas que geram informações em tempo real e uma delas fica justamente em Regência, onde está a foz.

Na região, a pesca está proibida pela Justiça Federal. A decisão vale para toda a área costeira da foz do Rio Doce, até 20 metros de profundidade entre os distritos de Barra do Riacho, na cidade de Aracruz, e de Degredo, em Linhares. O pescador Ademar Paulino Sampaio afirma que há bastante peixe na região.

Mudança de vida

“Mas não podemos pegar, porque ninguém sabe se está tudo contaminado. Mudou nossas vidas. A gente vivia da pesca. Hoje, não estou fazendo nada. Estou igual um passarinho voando para lá e para cá. Venho aqui olhar o bote de vez em quando. Pego o ‘troquinho’ que a Fundação Renova dá e vou levando”, lamenta.

O “troquinho” a que ele se refere é o auxílio emergencial mensal, pago aos atingidos que perderam suas rendas. Ele equivale a um salário mínimo, acrescido de 20% para cada dependente, além do valor de uma cesta básica. A quantia, no entanto, não chega aos R$ 3 mil mensais que Ademar obtinha com a pesca.

“Ninguém sobrevive com R$ 1,2 mil. Como um chefe de família com três filhos em casa faz? E se um adoece e tem que comprar um remédio de R$ 500? De onde vai vir a comida?”, questiona.

Renda complementar

Além de pescador, Amaro Cosme trabalhava com construção naval para complementar sua renda. A atividade também foi impactada – segundo ele, a demanda caiu 80%. “Eu vou fazendo para fora. Entre construção e reforma, a gente trabalhava em uns seis barcos por ano para os pescadores locais. Isso acabou”, conta.

Segundo o presidente da Associação de Pescadores de Regência, Leone Carlos, a Fundação Renova indenizou a entidade pelos danos materiais sofridos. Mas, com a atividade pesqueira parada, foi preciso buscar alternativas. A solução veio por meio de convênio com a Petrobras para a modernização completa da estrutura, a compra de equipamentos e a construção de tanques para criação de tilápias e outras espécies. A venda de pescado está sendo retomada a partir da criação desses peixes.

O repasse da estatal, de R$ 235 mil, se deu dentro de um conjunto de ações de compensação dos danos ambientais causados por um vazamento de petróleo registrado em 2009 a quatro quilômetros da costa capixaba. As praias de Linhares foram atingidas. Na ocasião, a mancha se dispersou a partir de uma unidade da Transpetro, subsidiária da Petrobras responsável pelo armazenamento e escoamento de petróleo.

 

* Léo Rodrigues e Tania Rego viajaram a convite da Fundação Renova