Ex-secretário-geral da aliança afirma que Kremlin deveria questionar os motivos que levarem seus vizinhos a buscar segurança na organização. À DW, Rasmussen fala sobre relação da Otan com Moscou e a guerra na Ucrânia.A Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) não deveria temer as ameaças nucleares da Rússia e ajudar a Ucrânia como puder, avalia o ex-secretário-geral da aliança militar Anders Fogh Rasmussen.

“Não devemos levar em conta o que Putin considera provocação. Putin é um agressor que atacou um vizinho pacífico. E, segundo a Carta das Nações Unidas, todo país tem o direito a se defender. E mais, o governo deste Estado tem o direito de pedir ajuda a outros países para se defender. Assim, independentemente do que os ucranianos pedirem, deveríamos fornecer, se pudermos”, diz.

Em entrevista à DW, Rasmussen rebateu críticas de que a Otan teria provocado a Rússia e lembrou que Moscou foi envolvido em decisões da aliança militar.

Rasmussen, que comandou a Otan entre 2009 a 2014 e foi primeiro-ministro da Dinamarca, considera ainda que a aliança cometeu um erro ao não responder adequadamente à anexação da Rússia pela Crimeia, em 2014, e não ter possibilitado a adesão da Ucrânia e Geórgia.

DW: De tempos em tempos, os russos enviam sinais de que estão dispostos a usar armas nucleares. Isso é apenas propaganda ou há um risco crescente do emprego estratégico, ou ao menos tático, desse tipo de armamento?

Anders Fogh Rasmussen: Eu não considero esses alertas reais, então não estou preocupado com as ameaças. É uma tentativa de intimidar aliados da Otan a reduzir o envio de armas à Ucrânia. Putin sabe que, se ele usar armas de destruição em massa, sejam nucleares, biológicas ou químicas, haverá uma resposta determinada. E Putin perderia. Se permitirmos que essas ameaças de Moscou nos impactem, então esse tirano brutal terá a última palavra nos conflitos que inicia.

A Otan responderia a um ataque desses?

O presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, colocou bem isso, depois de uma cúpula da Otan, quando disse que, se Putin usar armas nucleares, químicas ou biológicas, ele cruzaria a linha vermelha e haveria uma reação nossa. Mas Biden não foi claro, não especificou que espécie de resposta seria essa e que tipo de linha vermelha teria de ser cruzada. Acredito que essa incerteza faz parte de uma dissuasão credível.

Até agora, muitos líderes da Otan têm sido muito ávidos em excluir essa ou aquela reação às ações da Rússia na Ucrânia. Não devemos fazer isso nunca. Se queremos que nossa dissuasão seja credível, o adversário deve ser mantido na incerteza sobre onde está a linha vermelha. E ele também não deve saber como e quando haverá uma resposta caso essa linha seja cruzada. Outras declarações servem apenas para ampliar a margem de manobra de Putin.

Foi um erro a Otan e Biden terem declarado que não enviarão soldados para a Ucrânia? Essa questão não deveria ter sido deixada em aberto como parte da “ambiguidade estratégica” que você mencionou?

Sinceramente, foi. Mas então, após a última cúpula da Otan, Biden fez a coisa certa ao não ser claro sobre como exatamente a Otan reagiria. Isso deveria ter sido feito muito antes, mas a Otan aprendeu a lição. Porque quando se exclui o envio de tropas e uma zona de exclusão aérea e ao descartar outras ações é dito a Putin o que ele pode fazer sem esperar nenhuma reação nossa.

Os países da Otan continuam passando muito tempo discutindo sobre o tipo de armas que podem ser enviadas à Ucrânia de modo a evitar uma escalada no conflito ou uma provocação. Onde você vê a linha entre o que pode e o que não pode ser enviado?

Não devemos levar em conta o que Putin considera provocação. Putin é um agressor que atacou um vizinho pacífico. E, segundo a Carta das Nações Unidas, todo país tem o direito a se defender. E mais, o governo de um Estado tem o direito de pedir ajuda a outros países para se defender. Assim, independentemente do que os ucranianos pedirem, deveríamos fornecer, se pudermos.

A Otan, às vezes, é acusada de provocar Moscou. O papa chegou a falar em “latir no portão da Rússia” numa entrevista recente…

Eu discordo completamente disso. Nunca ameaçamos a Rússia. Não provocamos a Rússia com a expansão da Otan. Não fizemos campanha para atrair novos países, mas apenas aceitamos os pedidos de adesão de antigos Estados comunistas que buscavam se proteger da Rússia. Talvez os russos devessem se perguntar o motivo que levou todos os seus vizinhos a buscar garantias de segurança na Otan.

Procuramos a Rússia várias vezes durante esse processo. Os russos tinham uma representação permanente considerável na sede da Otan porque queríamos deixar claro que não estávamos fazendo nada contra eles e eles podiam ver com os próprios olhos o que estava acontecendo. Tínhamos o conselho Rússia-Otan, que se reunia uma vez por mês e proporcionava uma estrutura para cooperação, consultas e preparação de ações em conjunto. Em 2010, na cúpula da Otan em Lisboa, decidimos desenvolver uma estratégia de parceria entre a Otan e Rússia. Acho que o papa deveria analisar essa história.

Não foi um erro a Otan declarar que sua porta está aberta à Ucrânia, mas não oferecer uma possibilidade de adesão?

Quando visto retrospectivamente, cometemos vários erros. Um deles foi não ter concedido à Ucrânia e à Geórgia nosso Plano de Ação para Adesão (MAP) na cúpula da aliança em Bucareste, em 2008. Eu era a favor, os EUA e o Reino Unido eram a favor, mas a França e a Alemanha foram contra e não chegamos a um acordo. Isso enviou o sinal errado para Putin. E poucos meses depois da cúpula, ele nos enviou uma mensagem clara: ele atacou a Geórgia. Além disso, nossa reação à anexação da Crimeia em 2014 pela Rússia e ao início da ocupação em Donbass foi muito fraca.

Putin não quer uma solução diplomática e política por enquanto. Portanto, é de extrema importância que continuemos enviando armas pesadas e sofisticadas para os ucranianos lutarem contra os invasores, o que espero que leve a uma derrota clara para os russos.