Confira sua certidão de nascimento e com certeza você verá uma designação para sexo. Quando você nasceu, um médico ou clínico lhe atribuiu o rótulo “masculino” ou “feminino” com base em uma olhada em sua genitália. Nos EUA, isso tem sido uma prática padrão por mais de um século.

Mas a designação do sexo não é tão simples como um olhar e depois uma verificação de uma caixa ou outra. Em vez disso, a evidência esmagadora mostra que o sexo não é binário. Dito de outra forma, os termos “masculino” e “feminino” não captam totalmente as complexas variações biológicas, anatômicas e cromossômicas que ocorrem no corpo humano.

É por isso que estão crescendo os pedidos para remover a designação de sexo das certidões de nascimento, incluindo uma recomendação recente da Associação Médica Americana.

Sou um professor de medicina que trabalhou extensivamente em questões de lésbicas, gays, bissexuais, transgêneros, queer, intersexuais e assexuais (LGBTQIA+). Minha coautora é uma professora de ginecologia que está profundamente envolvida com a saúde de pessoas trans e intersexuais.

Nossa pesquisa e experiência clínica mostram que a designação de sexo não é algo para se ter como garantido. Para aqueles que não se encaixam perfeitamente em uma das duas categorias – e são milhões –, uma classificação inadequada na certidão de nascimento pode ter consequências que duram a vida toda.

Os problemas com a designação do sexo

Variações na anatomia genital acontecem com mais frequência do que você imagina; ocorrem em 0,1% a 0,2% dos nascimentos anualmente. Nos EUA, são cerca de 4 mil a 8 mil bebês por ano.

Outros traços sexuais também não ajudam necessariamente. Os médicos que examinam os órgãos reprodutivos podem encontrar pessoas nascidas com vagina e testículos, e também aquelas nascidas sem gônadas. E ao avaliarem os níveis de estrogênio e testosterona de um indivíduo, há muito definidos como os principais determinantes dos corpos feminino e masculino, os médicos descobrem que algumas pessoas com vaginas ainda produzem quantidades significativas de testosterona. Por isso, a testosterona não é um ótimo indicador para definir o sexo; quantidades mais altas de testosterona não necessariamente tornam alguém do sexo masculino.

Mesmo a cariotipagem – um procedimento de laboratório usado desde a década de 1950 para avaliar o número e o tipo de cromossomos de um indivíduo – não conta toda a história. Embora normalmente esperemos que as pessoas tenham pares de cromossomos sexuais XX ou XY, muitas pessoas têm variações que não se encaixam em nenhuma das categorias. Estes incluem a síndrome de Turner, na qual uma pessoa nasce com um único cromossomo X, e a síndrome de Kleinfelter, que ocorre quando uma pessoa nasce com uma combinação de cromossomos XXY.

Em suma, a diversidade humana demonstrou que as categorias binárias de masculino e feminino são incompletas e imprecisas. A designação do sexo, em vez de “dois tamanhos servem para todos”, está em um espectro. Até 1,7% da população dos EUA – mais de 5 milhões de americanos – tem uma anatomia e fisiologia que apresentam traços intersexuais.

Designações binárias podem ser prejudiciais

Aqueles com traços intersexuais que são designados no nascimento para serem do sexo feminino ou masculino podem experimentar cuidados médicos que os prejudicam, tanto física quanto psicologicamente.

Às vezes, os médicos realizam cirurgias para alinhar corpos em categorias binárias. Por exemplo, aqueles nascidos com um clitóris maior que o normal podem ter seu tamanho reduzido. Mas alguns que fazem essa cirurgia na infância sofrem como adultos de dor e dificuldade em fazer sexo.

Além disso, os governos às vezes limitam aqueles com traços intersexuais de participar plenamente da sociedade. Por exemplo, na Austrália, casamentos foram anulados porque os governos haviam determinado anteriormente que uma pessoa intersexual – alguém que não é visto como “100% homem” ou “100% mulher” – não pode ser legalmente casada.

Entidades privadas costumam fazer o mesmo. O Comitê Olímpico Internacional usa limites de níveis hormonais para determinar quem participa nos esportes femininos. Como resultado, alguns atletas foram impedidos de participar.

E para aqueles com uma identidade de gênero diferente da designação de sexo em um documento do governo, isso pode resultar em discriminação, assédio ou violência.

Os governos estaduais dos EUA começaram a reconhecer a diversidade sexual. Alguns permitem que pessoas de gênero diverso mudem sua designação nas certidões de nascimento, embora haja restrições. A medicina também está mudando. Por exemplo, alguns centros pediátricos deixaram de realizar cirurgias em recém-nascidos com diferenças no desenvolvimento sexual. Ainda assim, a sociedade em geral tem sido muito mais lenta para ir além do uso de categorias estritamente binárias.

Como clínicos, nós nos esforçamos para ser precisos. As evidências mostram que usar o masculino e o feminino como únicas opções nas certidões de nascimento não condiz com a realidade científica. As evidências mostram que a remoção dessa designação dirá aos novos pais que não é a atribuição do sexo que é mais importante no nascimento, mas sim a celebração de um bebê saudável e feliz.

* Carl Streed Jr. é professor assistente de Medicina na Universidade de Boston (EUA); Frances Grimstad é professora assistente de Ginecologia na Universidade Harvard (EUA).

** Este artigo foi republicado do site The Conversation sob uma licença Creative Commons. Leia o artigo original aqui.