Estudos têm demonstrado que a memória declarativa (o tipo de memória que a pessoa pode lembrar conscientemente, como o endereço residencial ou o nome da mãe) depende de estruturas saudáveis ​​do lobo temporal medial no cérebro, incluindo o hipocampo e o córtex entorrinal. Essas regiões também são importantes para a cognição espacial, como revelou a descoberta de neurônios que se ativam para representar locais específicos no ambiente durante a navegação (semelhante a um GPS).

Não havia ficado claro, porém, se ou como esse “mapa espacial” no cérebro se relaciona com a memória de eventos de uma pessoa nesses locais e como a atividade neuronal nessas regiões nos permite direcionar uma memória específica para recuperação entre experiências relacionadas.

Uma equipe americana liderada por neuroengenheiros da Universidade Columbia encontrou a primeira evidência de que determinados neurônios do cérebro humano têm como alvo memórias específicas durante a evocação de lembranças. Eles estudaram gravações em pacientes neurocirúrgicos que tiveram eletrodos implantados em seus cérebros e examinaram como os sinais cerebrais dos pacientes correspondiam ao seu comportamento enquanto realizavam uma tarefa de memória de localização de objetos de realidade virtual (VR). Os pesquisadores identificaram “células de rastreamento de memória”, cuja atividade foi sintonizada espacialmente no local em que os indivíduos se lembraram de encontrar objetos específicos. O estudo foi publicado na revista “Nature Neuroscience”.

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Novas linhas de investigação

“Encontramos esses neurônios de rastreamento de memória principalmente no córtex entorrinal, que é uma das primeiras regiões do cérebro afetadas pelo aparecimento da doença de Alzheimer”, diz Joshua Jacobs, professor associado de engenharia biomédica que dirigiu o estudo. “Como a atividade desses neurônios está intimamente relacionada ao que uma pessoa está tentando lembrar, é possível que sua atividade seja interrompida por moléstias como a doença de Alzheimer, levando a déficits de memória. Nossas descobertas devem abrir novas linhas de investigação sobre como a atividade neural no córtex entorrinal e no lobo temporal medial nos ajuda a direcionar eventos passados ​​para recordação e, mais geralmente, como o espaço e a memória se sobrepõem no cérebro.”

À esquerda, tela da tarefa de memória espacial do experimento; à direita, ressonância magnética que mostra o posicionamento dos eletrodos de gravação (círculos pretos) no cérebro do paciente. Crédito: S. Qasim/Universidade Columbia

A equipe pôde medir a atividade de neurônios específicos aproveitando uma oportunidade rara: ela gravou invasivamente os cérebros de 19 pacientes neurocirúrgicos em vários hospitais, incluindo o Centro Médico Irving da Universidade Columbia. Os pacientes sofriam de epilepsia resistente a medicamentos e, portanto, já tinham eletrodos de gravação implantados em seus cérebros para o tratamento clínico. Os pesquisadores projetaram experimentos como jogos de computador em VR e os pacientes acamados usavam laptops e controladores de mão para se moverem em ambientes virtuais.

Ao executarem a tarefa, os participantes navegavam em primeiro lugar pelo ambiente, para aprender a localização de quatro objetos únicos. Em seguida, os pesquisadores removiam os objetos e pediam aos pacientes que se movessem pelo ambiente e marcassem a localização de um objeto específico em cada estudo.

Ativação diferenciada

A equipe mediu a atividade dos neurônios enquanto os pacientes se moviam pelo ambiente e marcavam seus alvos de memória. Inicialmente, foram identificados neurônios puramente ajustados a espaço, semelhantes a “células de lugar”. Eles sempre eram ativados quando os pacientes se moviam por locais específicos, independentemente do alvo de memória dos sujeitos.

“Esses neurônios pareciam se importar apenas com a localização espacial da pessoa, como um GPS puro”, diz Salman E. Qasim, aluno de doutorado de Jacobs e principal autor do estudo.

Mas os pesquisadores também notaram que outros neurônios só eram ativados em locais relevantes para a memória que o paciente recordava naquele teste – sempre que os pacientes eram instruídos a direcionar uma memória diferente para recordação, esses neurônios mudavam de atividade para corresponder à localização lembrada do novo alvo. O que especialmente deixou Jacobs e Qasim empolgados é que eles poderiam decodificar a memória específica que um paciente estava buscando com base na atividade desses neurônios.

Influência no mapa espacial

“Nosso estudo demonstra que os neurônios do cérebro humano rastreiam as experiências que estamos voluntariamente recordando e podem mudar seus padrões de atividade para diferenciar as memórias”, diz Qasim. “Eles são exatamente como os pinos no seu mapa do Google que marcam os locais que você lembra em relação a eventos importantes. Essa descoberta pode fornecer um mecanismo potencial para nossa capacidade de chamar seletivamente diferentes experiências do passado e destacar como essas memórias podem influenciar o mapa espacial do cérebro.”

Jacobs e Qasim planejam a seguir buscar evidências de que esses neurônios representam memórias em contextos não espaciais para melhor caracterizar seu papel na função de memória.

“Sabemos agora que os neurônios se preocupam com o local onde nossas memórias ocorrem e agora queremos ver se esses neurônios se preocupam com outros recursos dessas memórias, como quando ocorreram, o que ocorreu e assim por diante”, observa Qasim.