O primeiro parque nacional da China – quase do mesmo tamanho que o Parque do Xingu – será criado para proteger o panda-gigante, seu habitat e o bambu, seu alimento favorito (Foto: iStock)

O excesso de fofura dos pandas-gigantes conseguiu mais um feito histórico. A China, país há tempos visto como pouco comprometido com a preservação ambiental, pretende criar seu primeiro parque nacional, especialmente por causa desses grandotes peludos, preguiçosos e encantadores. O parque deverá envolver três províncias no sudoeste do país (Sichuan, Gansu e Shaanxi) e interligará 67 reservas já existentes para proteção e procriação da espécie.

Com 27.134 quilômetros quadrados, extensão quase igual à área do Parque do Xingu, o espaço do parque é superlativo. A ideia, com ele, é reverter o desmatamento – que reduz a oferta de bambu, alimento preferido dos pandas – e conter a perda de habitat, causada pela expansão da atividade humana e potencializada pelas mudanças climáticas. Segundo um estudo chinês publicado na revista “Biological Conservation”, de 52,9% a 71,3% do habitat dos pandas-gigantes pode sumir com o aquecimento global.

A entrada da Base de Pesquisa e Reprodução do Panda-Gigante, de Chengdu, centro pioneiro e referência na área (Foto: Julien Viry)

Dados graúdos como os citados acima são característicos da China. O terceiro maior país do mundo em extensão, que abriga um quinto dos habitantes do planeta (mais de 1,4 bilhão de pessoas), já impressiona de entrada. Mesmo saindo de um país como o Brasil, que não tem nada de pequeno, visitar a República Popular da China nos ensina outras proporções.

Desde os primórdios dessa civilização, que já conta mais de 4 mil anos, as obras são colossais. Igualmente descomunal é o impacto de pisar na sua Grande Muralha, a maior estrutura já construída pelo ser humano, com 8.850km de extensão; ou de andar pelas 980 construções que formam a Cidade Proibida, palácio imperial desde a dinastia Ming; ou deparar com 8 mil estátuas de soldados de terracota (os Guerreiros de Xian), criadas para proteger a tumba do primeiro imperador chinês. Ainda nos dias atuais, aeroportos, praças, parques, avenidas, metrôs parecem superdimensionados, até que os horários de pico provam que tudo deveria ser ainda maior.

Esses animais preguiçosos passam a maior parte do dia comendo e dormindo, são altamente flexíveis e muito simpáticos (Foto: Bryan Faust)

A indústria do turismo sabe bem disso – ela simplesmente não precisa de estrangeiros. A maioria gritante de locais gera até momentos de celebridades entre aqueles sem traços físicos locais. Meus 15 dias de fama aconteceram durante minha viagem à China. Muitas vezes fui parada por chineses que me mostravam simplesmente a câmera sugerindo uma foto ou arriscavam um “Picture?” e apontavam para mim e para si mesmos indicando que queriam sair ao meu lado.

Olhares e olheiras

Mas com os pandas não é possível competir. Ali dentro da Base de Pesquisa e Reprodução do Panda-Gigante de Chengdu não me pediram uma foto sequer. Todos os olhares estavam voltados para os movimentos lentos e graciosos desses glutões. Uma prova de que o animal símbolo da China não fica atrás das outras imensas atrações do país.

Esses animais (cujo nome científico é Ailuropoda melanoleuca) podem chegar a pesar 160 quilos e medir quase 2 metros, sobretudo os machos, mas em média têm 90kg e 1,5m. Apesar do tamanho, não têm nada de assustador – ao contrário, dão vontade de abraçar. Mas esse sonho não é barato. Estar com um filhote por menos de cinco minutos nesse zoológico custa uma “doação compulsória” de pouco mais de US$ 300 (cerca de R$ 1.000).

Chengdu é a quarta maior metrópole chinesa e capital de Sichuan, província considerada a terra natal dos pandas-gigantes, onde estão 80% deles. Os demais vivem nas montanhas de Gansu e Shaanxi.­ Com 100 hectares, a Base de Pesquisa e Reprodução do Panda-Gigante de Chengdu foi o primeiro centro de preservação da espécie no país e é referência na área. Começou com seis exemplares, em 1987, mas seu berçário já viu nascer mais de 180 filhotes desde então.

Se em 1980 havia menos de 1.000 desses animais no mundo, a situação atual é bem mais confortável. Em 2015 se contavam 1.864 pandas-gigantes vivendo em liberdade em seus habitats e 422 em cativeiro, segundo o mais recente levantamento feito pela Administração Nacional dos Recursos Florestais. O objetivo é ampliar a população livre para 2 mil pandas-gigantes até 2025. (Conheça os desafios da reprodução e introdução na natureza no texto ao final da reportagem.) O trabalho para recuperar esse tesouro nacional alcançou um forte reconhecimento internacional em 2016, quando a União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN, na sigla em inglês) tirou a espécie da lista vermelha de extinção e a passou à categoria de vulnerável.

Embaixadores chineses

O mesmo punho de ferro usado pelo Estado chinês para manter as altas taxas de crescimento ergue e sustenta a bandeira da preservação do panda-gigante dentro e fora do seu território. A espécie é instrumento de relações internacionais para o governo. De acordo com o jornal estatal “China Daily”, 48 pandas vivem atualmente no exterior, em 14 países. Os exemplares são emprestados por 15 anos a zoológicos para projetos de pesquisa conjuntos sobre a espécie, dentro do que se conhece como “diplomacia do panda”.

Área ao ar livre oferecida para os pandas-gigantes, quando a temperatura do dia está amena, na Base de Chengdu. (Foto: Feng Hui)

Isso não é de hoje. Surgiu dessa política a marca registrada de uma das maiores organizações mundiais de conservação da natureza, a World Wildlife Fund (WWF). Os contornos em preto e branco do famoso logotipo foram inspirados no panda-gigante Chi Chi, quando chegou ao zoológico de Londres em 1961, vindo de Beijing. A tática segue forte até hoje. Em meados de 2017, a primeira-ministra alemã Angela Merkel e o presidente chinês Xi Jiping estiveram na primeira aparição pública de Meng Meng e Jiao Qing no zoológico de Berlim, pouco antes da abertura da cúpula do G20, em Hamburgo.

Diferentemente dessa estratégia que favorece somente os pandas-gigantes, o primeiro parque nacional chinês, embora dedicado a eles, beneficiará outras espécies de flora e fauna do país. Segundo a agência estatal de notícias Xinhua, cerca de 8 mil animais e plantas ameaçadas de extinção também serão protegidas ali. Além disso, a China dá o primeiro – e largo – passo para ser mais associada à preservação da natureza.

A repórter Renata mostrando a distribuição das estruturas que ocupam os 100 hectares do centro (Foto: Divulgação)

Mas nem todos os chineses comemoram a iniciativa. Cerca de 170 mil moradores da região terão de ser removidos. A imagem do país,­ no entanto, ganha crédito na área ambiental com essa situação. Até então, a maioria das mudanças de residência forçadas pelo Estado tinha como objetivo abrir espaço para a urbanização. Só para as Olimpíadas de Beijing, em 2008, 2 milhões de pessoas foram deslocadas.

Hou Rong, diretor da Base de Pesquisa e Reprodução do Panda-Gigante, que propôs em 2014 a criação do parque, promete que esses moradores desalojados receberão casa e trabalho em outros endereços. Ele ainda sugere que alguns poderiam ser empregados na construção da infraestrutura local ou como guias turísticos da nova atração. “Dessa forma, as pessoas e a natureza poderão se beneficiar mutuamente”, afirma.


Multiplicação complexa

Os pandas-gigantes passam a maior parte do tempo comendo e dormindo, e lhes resta pouca disposição para o acasalamento. Seu período de excitação sexual dura poucos dias por ano. A baixíssima taxa de natalidade é uma enorme ameaça para a continuidade da espécie.

O futuro parque nacional deverá oferecer mais oportunidades de interação e reprodução entre grupos variados, principalmente para enriquecer a diversidade de genes – outro fator que influencia na probabilidade de sobrevivência desses animais.

Mesmo com inseminação artificial e procriação em cativeiro, as perdas são consideráveis: dos 64 filhotes nascidos em 2017, por exemplo, 54 (84,4%) sobreviveram, segundo a Administração Nacional dos Recursos Florestais. Além de os pandas-gigantes nascerem minúsculos e superfrágeis (com cerca de 15 centímetros e 100 gramas), as mães tendem a cuidar de apenas uma cria, mesmo que tenham tido dois filhotes.

A introdução deles na natureza, quando nascidos em centros especializados, é outro desafio. Nas primeiras tentativas, feitas em 2007 em Sichuan, houve o caso de um panda morto por outros machos selvagens. Em liberdade, a expectativa de vida desses animais não chega a 15 anos. Em cativeiro a situação muda. Basi, a representante mais velha dos pandas-gigantes, morreu em setembro de 2017 aos 37 anos (equivalentes a 100 dos humanos), 33 deles vividos em cativeiro. Foi para o Livro de Recordes do Guinness e ganhou um museu, mas nunca gerou um filhote.