Embora não sejam a cordilheira mais alta do mundo, os Alpes, no centro da Europa, representam uma imponente atração turística e um desafio para os seus visitantes. Nenhum país vive tão bem essa situação quanto a Suíça, com seu acidentado território marcado por vales verdejantes, lagos azuis e picos nevados. A visão do alto das montanhas é majestosa, mas chegar lá era, a princípio, privilégio de montanhistas. Como permitir a uma pessoa comum o acesso a essas maravilhas?

Viajando com sua filha, em 1893, o empresário suíço Adolf Guyer-Zeller observou o enorme maciço rochoso formado pelos picos Mönch, Eiger e Jungfrau, na fronteira entre os cantões de Berna e Valais, e vislumbrou uma ferrovia subindo pelas encostas até o topo da montanha. Magnata dos setores têxtil e financeiro em Zurique, Guyer-Zeller era um empreendedor visionário. Quatro meses depois daquela viagem ele pediu ao governo suíço uma concessão para fazer a obra que antevira. Ferrovias não lhe eram estranhas: uma parcela de sua fortuna viera da compra de partes de linhas férreas durante a recessão dos anos 1870.

Johnny Mazzilli
À esquerda, vista externa da estação Jungfrau, a mais elevada do percurso

A concretização do sonho dependia de soluções tecnológicas inexistentes à época. O sistema ferroviário suíço já era desenvolvido então, com várias linhas construídas. Uma delas levava­ à mais alta estação regional, Kleine Scheidegg, a 2.061 metros de altitude, localizada no passo entre as montanhas Eiger e Lauberhorn, aos pés da face norte do Eiger.

A concessão saiu em dezembro de 1894. Ao perceber que precisaria de muita energia elétrica para movimentar seus trens em terreno tão crítico, Guyer-Zeller solicitou e obteve autorização para fazer uma hidrelétrica no rio Lutschinen. Em 1896, a construção da ferrovia começou. A partir da estação Kleine Scheidegg, o terreno se inclina mais e os desafios logísticos cresciam exponencialmente. Foi usado o sistema de cremalheiras, uma roda dentada no meio dos trilhos, que permitia a aderência dos trens à via férrea. Sem a roda dentada, os trens patinariam nos trilhos e poderiam descarrilar.

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Trecho entre Wengen e Kleine Scheidegg. Abaixo, a estação Kleine Scheidegg, a última antes de o trem adentrar a montanha

Acima da Kleine Scheidegg, a linha traçada seguia frontalmente até a aresta na base do Eiger, ladeada por mais de 1.500 metros de paredes rochosas. Para progredir a partir daí, Guyer-Zeller concebeu um túnel de quase 7,5 km perfurando a montanha até desembocar no Jungfraujoch, o passo entre os cumes dos picos Eiger e Mönsch, a 3.454 metros de altitude.

Escavações e explosões

Teve início então o período mais árduo, lento e penoso da ferrovia. Cavar o túnel exigiu milhares de explosões de rocha por anos a fio. Durante a obra, foi preciso abrir buracos na lateral da montanha para despejar milhares de toneladas de rocha removida na escavação. Essas aberturas foram depois transformadas em amplas janelas panorâmicas. Durante o trajeto no túnel, o trem para diante dessas janelas por alguns minutos para que os turistas desçam e apreciem a paisagem.

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Opções variadas: A estação do cume tem diversas atrações para o visitante. Há sete restaurantes, loja de suvenires, um palácio de gelo, terraços de observação e um labirinto de galerias com instalações. Também está instalado ali o Observatório Sphinx, um centro de pesquisa científica

Cheguei a Interlaken, cidade que dá acesso à ferrovia, numa manhã de tempo instável. Torcia para o tempo abrir, pois no dia seguinte subiria ao Jungfrau. O tempo não abriu, mas subi assim mesmo. Durante a ascensão, desembarquei em um desses pontos e fui até a janela. O tempo estava encoberto e não se via nada, mas uma brecha se abriu e tive um vislumbre do cenário a perder de vista, com a pequena Interlaken no fundo do vale. A visão de sonho acabou segundos depois, quando a brancura encobriu de novo a paisagem. Era hora de voltar ao trem.

A história da construção da Ferrovia Jungfrau é marcada por acidentes com explosivos e maquinários, greves e sérios problemas financeiros. Os operários, na maioria italianos, passaram anos furando, instalando explosivos e cavando o túnel, em troca de baixos salários. 

Divulgação
Três fotos que mostram etapas da complicada construção da ferrovia, do arquivo da Jungfrau Railroad

Feita em uma época em que os trens alpinos causavam furor, a Jungfrau é a ferrovia de montanha mais radical e emblemática da Suíça. Sua construção atraiu admiradores, mas também despertou a ira de muitos. A Liga Suíça pela Proteção da Natureza (atualmente Pro Natura) afirmou à época: “É preciso parar com essa loucura destruidora e salvar o que resta de nosso patrimônio cênico para nossos descendentes”. Para o Guia Azul (um dos mais antigos guias de viagem do mundo) da época, porém, a ferrovia “é uma dos trens alpinos mais interessantes, pois permite aos menos esportistas alcançar cumes antes reservados apenas aos alpinistas mais habilidosos e experientes”.

A Jungfrau foi aberta por trechos, para garantir seu financiamento, e os primeiros turistas chegaram em 1905. Durante os primeiros anos de operação, ingleses, franceses, alemães e italianos acorriam a Interlaken para embarcar no trem que levava ao “teto da Europa”. Mas a Primeira Guerra Mundial interrompeu esse fluxo. Após a guerra, os estrangeiros não voltaram, e foi preciso encontrar outra clientela na classe média suíça.

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A tranquila Interlaken

Adolf Guyer-Zeller empenhou quase toda sua fortuna na construção da ferrovia, mas não viu sua conclusão. Ele faleceu em abril de 1899, de ataque cardíaco, aos 59 anos. Seu filho, Guyer-Zeller Söhne, concluiu a obra. No projeto original, a ferrovia seguiria acima do passo Jungfraujoch, mas as dificuldades financeiras levaram ao abandono do traçado final e o Jungfraujoch se tornou a última estação.

Continuação prevista

Mas isso poderá mudar. Em 2012, nas festividades do centenário da ferrovia, o diretor Urs Kessler, da JBH (empresa que administra a linha), revelou em uma coletiva de imprensa que, até 2016, uma extensão do trem levará os visitantes até Ostgrat, a 3.700 metros. Além da extensão, outras melhorias serão apresentadas ao público.

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O trem segue no trecho final da subida

“Precisamos continuar atraentes para os novos mercados”, justificou Kessler. Mas para o arquiteto Benedikt Loderer, escritor e fundador da revista Hochparterre, “o conforto do turista é apenas um pretexto. O que querem é que os turistas se movam mais rapidamente para receberem mais pessoas”, disse a PLANETA.

Os anos de alpinismo que pratiquei me ajudaram a atenuar os efeitos da altitude, mas sucumbi ao cansaço e ao torpor depois de exagerar em uma refeição no alto da montanha. Durante a subida, no trem, já se viam turistas abatidos pelo rápido ganho de altitude.

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Mural na estação Jungfrau com os nomes dos operários que perderam a vida na construção da ferrovia

Após algumas horas esperando o tempo se abrir, circulando pelas atrações da estação, percebi que a tarde se tornava cada vez mais sombria e cinzenta e os ventos, mais fortes. Refeito do mal-estar, peguei o trem de volta. Durante o lento trajeto, observam-se os efeitos da altitude: muitos turistas são tomados pelo torpor e adormecem no trem. São os efeitos no organismo da grande ascensão (quase 1.400 metros) realizada em tempo curto demais para a pessoa se acostumar à altitude e à atmosfera mais rarefeita. Mas esses percalços são um preço pequeno a se pagar em troca de paisagens que ficam para sempre na memória.

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