Pelo segundo ano consecutivo, o Nobel de Física vai para cientistas cujos trabalhos ajudaram a entender melhor a constituição e o funcionamento do universo. Em 2019, os vencedores do prêmio foram pesquisadores que estudaram a estrutura e a história do cosmo e descobriram o primeiro exoplaneta. Agora, a láurea reconhece os trabalhos de um trio de astrofísicos que se debruçou sobre um dos objetos mais misteriosos do universo: os buracos negros, regiões do espaço extremamente densas, que, devido ao seu enorme campo gravitacional, sugam a matéria ao seu redor. Nem a luz escapa de ser engolida por esses objetos (daí o nome).

Nas palavras da Academia Real Sueca de Ciências, que concede a honraria, metade do Nobel de 2020 foi conferida ao físico matemático britânico Roger Penrose, de 89 anos, da Universidade de Oxford, “pela descoberta de que a formação de buracos negros é uma previsão robusta da teoria geral da relatividade” de Albert Einstein (1879-1955). Embora tenha conjecturado a existência de buracos negros, Einstein morreu convencido de que esses objetos extremos não deveriam existir. Penrose utilizou novos conceitos matemáticos para estudar a questão e, em trabalho de janeiro de 1965, lançou as bases teóricas atualmente aceitas para explicar a formação e as propriedades de buracos negros.

Emoção e honra

A outra metade do Nobel foi dividida entre dois astrofísicos da área observacional que lideram grupos de pesquisa geralmente rivais: o alemão Reinhard Genzel, de 68 anos, diretor do Instituto Max Planck de Física Extraterrestre, em Garching, Alemanha, e professor da Universidade da Califórnia em Berkeley, Estados Unidos; e a norte-americana Andrea Ghez, de 55 anos, da Universidade da Califórnia em Los Angeles (Ucla). Segundo a Academia Real, o prêmio foi “pela descoberta de um objeto compacto supermassivo no centro de nossa galáxia”, o buraco negro Sagittarius A*.

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“Estou emocionada e extremamente honrada”, disse Ghez ao site noticioso da Ucla. Ela foi a quarta mulher a ganhar o Nobel de Física em quase 120 anos de premiação. Antes dela, as agraciadas foram a polonesa naturalizada francesa Marie Curie, em 1903, a alemã naturalizada norte-americana Maria Goeppert Mayer, em 1983, e a canadense Donna Strickland, em 2018.

Os três agraciados vão partilhar um prêmio em dinheiro de cerca de US$ 1,1 milhão, de acordo com o peso conferido a sua contribuição pela academia.

A singularidade de Penrose

Antes de Penrose, vários físicos tentaram formular mecanismos que pudessem explicar a formação de buracos negros. Em 1916, meses após a publicação da teoria da relatividade geral, o alemão Karl Schwarzschild (1873-1916) foi o primeiro a dar uma contribuição ao debate. Ele mostrou como uma grande concentração de grandes massas curvaria o espaço-tempo, algo previsto pela teoria de Einstein. No final dos anos 1930, o físico norte-americano Robert Oppenheimer (1904-1967) calculou que o colapso de uma estrela de grande porte, com massa muitas vezes maior do que a do Sol, poderia gerar um buraco negro. Quando acabasse seu combustível, a estrela explodiria como uma supernova e se encolheria de forma tão densa que sua gravidade puxaria para dentro de si tudo que estivesse em seu entorno.

As discussões arrefeceram até o início dos anos 1960, quando foi confirmada a existência de uma nova classe de objetos estelares, os quasares, que emitem radiação apenas na frequência de rádio e poderiam, em tese, abrigar buracos negros. “Até os primeiros trabalhos de Penrose, havia uma suspeita levantada por físicos russos de que, somente se o colapso estelar fosse esfericamente simétrico, seria formada uma singularidade no interior do buraco negro”, comenta o físico George Matsas, do Instituto de Física Teórica da Universidade Estadual Paulista (IFT-Unesp). “Mas nada na natureza é exatamente simétrico, sempre há imperfeições.”

Penrose ofereceu soluções matemáticas, emprestadas da topologia geométrica, que mostraram que buracos negros sempre têm uma singularidade em seu interior independentemente de como se dá seu colapso. Ele introduziu o conceito de singularidade gravitacional como parte essencial do centro desses misteriosos objetos. A singularidade é uma fronteira na qual todas as leis da natureza se desfazem e o tempo-espaço termina. É o centro do buraco negro para onde vai toda a matéria capturada.

Ondas de rádio

A contribuição de Genzel e de Ghez é posterior à de Penrose e de outra ordem, do campo observacional. A partir de meados dos anos 1990, esses dois astrofísicos começaram a estudar o centro da Via Láctea, que fica na direção da constelação de Sagitário, com o auxílio de grandes telescópios terrestres, como os do Observatório Keck, no Havaí, e o Very Large Telescope (VLT), no Chile. Do centro da Via Láctea sai uma forte emissão de ondas de rádio denominada Sagittarius A*. Em torno desse centro galáctico, giram as estrelas da Via Láctea. Primeiramente, Genzel e depois Ghez mediram a velocidade de deslocamento de estrelas próximas ao centro da galáxia e constataram que a única explicação plausível para suas órbitas era a existência de um buraco negro no centro da Via Láctea.

Em Sagittarius A*, uma região da galáxia de tamanho similar à do Sistema Solar, uma massa equivalente à de 4 milhões de sóis está tão comprimida que sua gravidade altera de maneira perceptível a velocidade e a trajetória do movimento de estrelas vizinhas. Em outras palavras, Sagittarius A* é um enorme buraco negro no coração da Via Láctea, um tipo de objeto que deve existir no interior da maioria das galáxias.

“Há mais de duas décadas, as equipes de Genzel e de Ghez seguem o movimento de estrelas como a S2”, explica o astrofísico Rodrigo Nemmen, do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas da Universidade de São Paulo (IAG-USP). “Essas medidas eram a melhor evidência da existência de buracos negros até a comprovação da existência de ondas gravitacionais em 2015 pelo Observatório Ligo.” Também previstas por Einstein, as ondas gravitacionais são decorrentes da fusão de buracos negros e renderam o Nobel de Física de 2017 para um trio de pesquisadores.