A linhagem viral que originou o SARS-CoV-2, o coronavírus causador da covid-19, pode ter circulado despercebida entre morcegos há décadas antes de chegar às pessoas. Ela teria emergido entre 40 e 70 anos atrás de outras linhagens que vivem entre os mamíferos voadores, os principais reservatórios desse tipo de vírus, de acordo com um estudo publicado em 28 de julho na revista científica “Nature Microbiology”.

Nesse trabalho, Maciej Boni e outros pesquisadores da Universidade do Estado da Pensilvânia, Estados Unidos, examinaram a história evolutiva do SARS-CoV-2, comparando as regiões de recombinação genética de 68 genomas de sarbecovírus, o subgênero ao qual pertence o agente causador da covid-19. As análises mostraram que o SARS-CoV-2 e o RaTG13, que já havia sido identificado em morcegos na província de Yunnan, na China, compartilham uma única linhagem ancestral. O estudo indicou as três possíveis datas – 1948, 1969 e 1982 – em que o coronavírus causador da covid-19 deve ter divergido dos sarbecovírus de morcegos.

Ainda de acordo com esse estudo, o SARS-CoV-2 não é uma variação de nenhum sarbecovírus detectado até o momento, e sua grande capacidade de se ligar aos receptores humanos ACE2 (enzima conversora de angiotensina-2) parece ser uma característica ancestral comum a vírus de morcego e não adquirida recentemente por recombinação genética.

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Ancestral comum

Outra conclusão é de que o SARS-CoV-2 e o coronavírus identificado em pangolins em 2019, o Pangolin-2019, compartilham um ancestral comum. No entanto, de acordo com essa pesquisa, os pangolins dificilmente seriam um hospedeiro intermediário do agente causador da covid-19.

“Esse estudo ajuda a documentar a emergência de coronavírus em seres humanos, exemplo de fenômeno geral, causado por espalhamento natural a partir de elementos da fauna”, afirma o virologista Eurico Arruda, da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (FMRP-USP). “O transbordamento de vírus de uma espécie para outra é favorecido pela devastação da natureza, que aumenta fronteiras de contato do homem com ambientes naturais. O acelerado desmatamento dos dias atuais ampliou essas fronteiras para níveis críticos, acima dos quais pandemias se tornam mais prováveis.”

Arruda chama a atenção para o estudo de pesquisadores da Universidade de Princeton, Estados Unidos, publicado em 24 de julho na revista “Science”, cujos resultados indicam que o custo de evitar desmatamento, reduzir o tráfico de animais silvestres e o risco de vírus de animais chegarem às pessoas seria menor que o impacto econômico e social causado por uma pandemia como a de covid-19.