Há 40 anos, quem dissesse que um robô cirurgião tornaria as operações menos traumáticas, possibilitando a recuperação mais rápida do paciente, seria considerado um autor de ficção científica. Quem se deixaria operar por uma máquina? Hoje há próteses e exoesqueletos que oferecem mais autonomia àqueles com problemas de mobilidade e órgãos artificiais que contribuem para a sobrevivência de muitos candidatos desencantados na fila do transplante. Sem falar nas apostas promissoras da neuroplasticidade, das células-tronco e da genética.

Em março de 2008, foram realizadas no Brasil as primeiras cirurgias usando um robô. Uma equipe de urologia no Hospital Sírio-Libanês, de São Paulo, retirou as próstatas de dois pacientes, com sucesso. Dois anos depois, em 2010, o robô Da Vinci, no Hospital Israelita Albert Einstein, realizou a primeira cirurgia cardíaca. Os novos procedimentos robóticos dilataram o espaço de confiança e expandiram o poder das técnicas cirúrgicas. O robô garante a precisão absoluta nos cortes e torna a cirurgia menos traumática: o grande trunfo do Da Vinci são quatro “mãos” que agem com agudeza e versatilidade.

Em setembro deste ano, na Conferência de Engenharia Oncológica da Universidade de Leeds, no Reino Unido, a empresa inglesa OC Robotics exibiuu um braço robótico de 30 cm de comprimento, parecido com uma cobra. A peça pode agir em sinergia com outros robôs cirúrgicos, como o Da Vinci, para alcançar áreas de difícil acesso do corpo humano, entre os órgãos, e retirar um tumor. Rob Buckingham, diretor da empresa, garante que o braço facilita a cirurgia e a torna menos invasiva. O instrumento ainda não foi testado em humanos, mas promete ser decisivo para a remoção de focos de câncer.

Não só na área cirúrgica os braços robóticos são requisitados. Há poucos meses, a paciente britânica Nicola Wilding tomou uma decisão inusitada, noticiada pelos jornais ingleses, tendo em vista a recuperação funcional do membro superior direito: resolveu amputar parte do seu braço, paralisado havia mais de dez anos, e colocar uma prótese robótica – tamanha é a confiança na técnica. “Até o momento, fizemos uma cirurgia para transferir nervos e músculos para o braço com o propósito de estabelecer sinais para que ela possa movimentar a prótese”, informa o cirurgião austríaco Oskar Aszmann.

É o terceiro procedimento desse tipo feito pela equipe de Aszmann. Sua clínica possui mais dez pacientes que pretendem fazer a cirurgia. A maioria dos candidatos ao braço mecânico é jovem, do sexo masculino, e sofreu amputação do membro ou perda de funções. O que mais pesa na decisão é o fato de muitos pacientes serem provedores de renda da família. O braço deficiente é um transtorno na hora de trabalhar.

“Nos últimos anos, tenho visto muitas pessoas com lesões na mão. Quais são as opções? Você pode mandar os pacientes para casa, e eles podem treinar para executar outros tipos de trabalho, mas, provavelmente, acabarão fazendo algo que não os fará felizes”, explica Aszmann. Em geral, pacientes cujos braços e mãos perderam função não conseguem executar sem ajuda tarefas cotidianas como amarrar o cadarço do ténis ou passar geleia na torrada. Mas a opção de viver com a prótese também significa restrições. Por exemplo, é impossível tomar banho ou nadar com ela.

A abertura de novas perspectivas, entretanto, é decisiva. “Nesse campo, a cirurgia de transferência seletiva de nervos é o progresso mais importante dos últimos tempos. Transportamos nervos de outras partes do corpo, como da perna, para as áreas lesionadas, como o braço. Isso faz os impulsos elétricos passarem para a prótese, permitindo que a pessoa mova o braço biônico intuitivamente”, explica Aszmann. Para o cientista, qualquer julgamento crítico de terceiros se dissolve ao ver o sorriso de satisfação dos pacientes com movimentos recuperados. Prova de que as escolhas pessoais devem ser respeitadas.

 

 

Exoesqueleto

Outro grande passo sobre fronteiras outrora estanques são os estudos realizados pelas instituições de pesquisa que integram o consórcio global Walk Again, para pacientes com problemas de mobilidade. A ideia é estudar meios de transmitir os comandos cerebrais a membros artificiais ou exoesqueletos robóticos que garantiriam maior independência física a pessoas com problema de mobilidade.

O grupo do projeto Brain Gate, de Massachussetts (Estados Unidos), trabalha com um chip que permite a doentes com síndrome do encarceramento – paralisia em que o cérebro, embora consciente, perde o controle motor do corpo – comunicar-se e até mesmo controlar o ambiente em que estão, por exemplo, acendendo e apagando as luzes. “Estamos desenvolvendo uma melhor comunicação para estudar a facilidade de controlar uma prótese robótica, para quem tem paralisia”, diz Leigh Hochberg, integrante do projeto. “Estamos trabalhando em um modo de reconectar o cérebro ao membro, de modo que a pessoa possa mover sua própria perna ou braço.”

Para quem sofre de paraplegia (paralisia da cintura para baixo), o caminho para andar com as próprias pernas pode ser curto. Este ano, começou a ser comercializado o exoesqueleto ReWalk, o mesmo usado pela ativista britânica Claire Lomas na Maratona de Londres, em maio passado (veja PLANETA 478, págs. 44-46). O traje biônico ajuda na recuperação de pacientes paralíticos do ponto de vista físico e psicológico. Por ser um exoesqueleto motorizado que sustenta o peso do corpo e o ajuda a se mover, não é preciso um implante de chip. Os comandos do traje são implantados em um bracelete com controle remoto.

A secretária dos Direitos da Pessoa com Deficiência do Estado de São Paulo, Linamara Rizzo Battistella, atual presidente do conselho-diretor do Instituto de Medicina Física e Reabilitação do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo e também do Instituto de Reabilitação Lucy Montoro, é uma entusiasta dos avanços tecnológicos. “A tecnologia vai se ajustando de acordo com a necessidade das pessoas. Já temos olhos, braços e ouvidos biônicos. Há alguns anos, esses aparatos eram brincadeira de ficção científica. Hoje, um implante de cóclea (a porção do ouvido interno que contém os terminais nervosos da audição) é bem comum”, analisa.

As novas tecnologias são benéficas para a população em geral, não só para portadores de deficiência. Uma analogia seria com o uso do elevador, decisivo para inclusão de deficientes na vida social e para todos que precisem subir ou descer uma escada. “As tecnologias atuais são mais baratas e resolutivas do que muitos tratamentos medicamentosos dirigidos a doenças crônicas. Estamos falando de eletrônica e de mecânica. O custo é razoável e grande parte das técnicas está disponível em redes públicas de atendimento”, afirma Linamara.

Viver não significa apenas respirar e se alimentar. É essencial interagir com as pessoas e o mundo. Para quem tem deficiência, a interação é crucial. Nesse ponto, as novas tecnologias de comunicação têm um papel fundamental, já que permitem a um cego ir ao cinema, a um cadeirante ter acesso a museus.

Outros substitutos

Joe Skerratt, um menino britânico de 3 anos de idade, sobreviveu por 251 dias com um coração artificial, até receber um transplante, em abril de 2012. Ele sofria de cardiomiopatia dilatada, mal que torna o tamanho do coração maior do que o peito pode comportar. Seu caso deixou os médicos admirados, pois Joe foi a criança que sobreviveu por mais tempo com um coração artificial. E continua se recuperando, vivo.

Apesar do nome “coração artificial”, o dispositivo eletrônico não substitui o órgão. Na verdade, auxilia o funcionamento, permitindo que o paciente aguente mais tempo na fila de espera do transplante. Para os brasileiros, a alternativa de um coração artificial já poderá ser oferecida e testada nos próximos meses. O idealizador do projeto é o pesquisador Aron Pazin de Andrade, responsável pelo Centro de Bioengenharia do Hospital Estadual Dante Pazzanese, que, desde 1998, trabalha no desenvolvimento do dispositivo. A vantagem do coração brasileiro é ser bem mais barato (R$ 60 mil a R$ 100 mil) do que o comercializado no exterior (US$ 500 mil).

O francês Alain Carpentier lidera outro projeto cardiológico promissor: um coração artificial para substituir o órgão original. Carpentier investe em um modelo com pele biossintética de material microporoso, capaz de evitar rejeição e coagulação do sangue. Seu protótipo realiza contrações tal qual um órgão verdadeiro. O sucesso desse dispositivo pode garantir a sobrevivência de milhares de pacientes cardíacos.

No Reino Unido, duas pessoas cegas recuperaram parte da visão com o implante de um olho eletrônico. O paciente Chris James, 51 anos, que sofre de retinite pigmentosa, já vê o contorno de objetos graças a um dispositivo similar aos chips de câmeras de celular. Embora não devolva a visão, é um grande passo. Os cirurgiões do King’s College e da Faculdade de Oxford afirmaram que os resultados superaram as expectativas. Na Austrália, cientistas do consórcio Bionic Vision Australia implantaram o que chamam de “olho pré-biônico”, um protótipo com 24 eletrodos que estimula as células da retina. O dispositivo pode ser usado para estudar como o cérebro constrói a imagem.

 

Fronteiras promissoras

As fronteiras da reabilitação não serão as mesmas com a pesquisa sobre neuroplasticidade. Quando se tem uma lesão cerebral, é possível recorrer  a estratégias para estimular áreas do cérebro e promover um “ajuste” a fim de substituir as células lesadas e manter o exercício da função. “Com o reconhecimento dos sistemas neurais e o entendimento dos seus mecanismos, poderemos implementar estratégias terapêuticas com mais objetividade, estimulando e acelerando o processo de neuroplasticidade”, explica Linamara Battistella. Uma mensagem que não chega pelo caminho A pode chegar pela via B. Meios de identificar, de estimular e de saber o quanto de estímulo é suficiente ainda precisam ser definidos.

As pesquisas com células-tronco também abrem caminhos. Graças à capacidade de se transformar em células especializadas, elas podem ser a chave para a medicina regenerativa. A manipulação, porém, tem se revelado difícil. A maior parte dos experimentos ainda está sendo feita em animais.

Recentemente, dois estudos se destacaram. O primeiro, coordenado por Marcelo Rivolta, da Universidade de Sheffield (Reino Unido), e publicado na revista Nature Online em setembro de 2012, mostra que células-tronco embrionárias, convertidas previamente em células do ouvido, devolveram 46% da audição a esquilos testados em laboratório. O foco do estudo foram os danos nos nervos auditivos, responsáveis por 10% dos casos de surdez profunda.

Por outro lado, um estudo divulgado na 19a Conferência Internacional da Aids, em Washington (EUA), revelou que dois homens com HIV e leucemia não apresentaram sinal do vírus após receberem transplante de células da medula. Daniel Kuritzkes, professor de medicina do Hospital Brigham and Women (EUA), explicou que as células-tronco transplantadas repovoaram o sistema imunológico dos pacientes e os traços do vírus da Aids foram perdidos. É possível que esses pacientes se vejam livres do vírus. Mas ainda é cedo para comemorar.

Promessas genéticas

Nas décadas de 70 e 80, a genética também prometia uma revolução na medicina por meio da manipulação dos genes. O Projeto Genoma Humano, concluído em 2003, deu enormes passos para se conhecer o funcionamento do corpo humano e decifrar a origem das doenças. No entanto, a complexidade da nossa composição celular é maior do que se imaginava. Apenas uma pequena parte dos nossos códigos foi decifrada. Recentemente, descobriu-se, por exemplo, que o “DNA lixo”, antes considerado inútil, é funcional.

As pesquisas genéticas podem trazer muitos benefícios à medicina preventiva. A tecnologia permite agilizar o diagnóstico de doenças hereditárias e genéticas. Quanto mais cedo se descobrem certas doenças, maiores são as chances de tratamento e de cura. Mas ainda é necessário refletir muito sobre seu uso. No Brasil, a pesquisa com células-tronco teve que ser autorizada pelo Supremo Tribunal Federal, em 2008, diante da oposição de religiosos.

No livro Gen-Ética: As Escolhas Que Nossos Avós Não Faziam, a geneticista brasileira Mayana Zatz relata casos em que cientistas enfrentam dilemas éticos complexos. Até que ponto é benéfico revelar as chances de se desenvolver determinada doença, já que algumas, por não terem cura, só levariam a um sofrimento precoce? Selecionar embriões que não portem o gene de certo mal evitaria a doença em crianças. Mas a técnica também não pode incentivar escolhas fúteis, como a determinação da cor dos olhos e do sexo do bebê? E quanto à discriminação genética? Se um portador de determinada doença genética precisar de assistência médica, quantos planos de saúde não cobrariam mais caro por isso?

Um dos grandes desafios para a saúde nos próximos 40 anos não é o limite tecnológico, mas o ético. A ciência oferece muitas possibilidades para se contornar ou resolver um problema, mas a população precisa de orientação. A decisão cabe ao paciente, sem dúvida. Mas os profissionais da saúde devem mostrar os resultados, os riscos, as oportunidades e, assim, ajudar para a melhor escolha. O conceito de “melhor”, na verdade, é uma definição particular de cada um.