Há homens que vivem à frente do seu tempo e criam atalhos por onde o futuro se constrói. Esse é o caso de José Maria da Silva Paranhos Júnior (1845-1912), o “Juca Paranhos”, o barão do Rio Branco. No fim do século 19 e no começo do século 20, atuando primeiro como advogado e depois como chanceler, o barão ajudou a consolidar o mapa nacional, resolvendo graves litígios territoriais com países vizinhos e potências hegemônicas como a Inglaterra e a França – sem guerras.

Num tempo em que as disputas de fronteira obedeciam às projeções do poder militar e as rixas eram resolvidas pelas baionetas, Rio Branco equacionou várias refregas sem disparar um tiro. Venceu todas as arbitragens internacionais. Graças a seu sucesso, “o Brasil tomou forma de harpa segundo os geógrafos-poetas”, escreveu o poeta Cassiano Ricardo (1895-1974). Um dos maiores estudiosos da obra de Rio Branco, o embaixador e ex-ministro Rubens Ricupero, considera que sua grande contribuição não foi assegurar 900 mil km2 de território ao país, mas obtê-los sem usar força militar, agregando à diplomacia brasileira um forte caráter pacífico.

Popularidade

Não é difícil entender por que o barão, com uma abrangente formação de professor, político, jornalista, diplomata, historiador e biógrafo, se tornou um fenômeno de popularidade na sua época. No início do século 20, as negociações eram destaque nas primeiras páginas dos jornais. Em fevereiro de 1912 a morte do barão gerou comoção nacional. Milhares de pessoas foram às ruas do Rio de Janeiro chorar por ele. Até o Carnaval foi suspenso, pois não havia clima para comemorações. Também no Exterior sua imagem foi reverenciada. O diplomata americano John Basset Moore descreveu-o como “a mais completa combinação de erudito e estadista que conheci”. Na Catedral Nacional de Washington, três vitrais simbolizam a unidade da América do Sul: neles figuram dois líderes militares da independência da América espanhola, Simón Bolívar e José de San Martin, e um líder civil brasileiro, o barão do Rio Branco.

Juca Paranhos era um negociador duro, mas na vida informal era um bon vivant, frequentador de cafés cariocas e da vida boêmia. Colecionava as caricaturas que faziam dele e fotos de sua vida corriqueira, guardadas até hoje no Palácio do Itamaraty. Namorou a dançarina belga Marie Philomène Stevens, mas só se casou com ela após o nascimento de seu quinto filho.

Diplomacia sem canhões

“Há vitórias que não se devem comemorar.” Essa famosa frase Rio Branco proferiu em 1895, quando venceu a Argentina no arbitramento da disputa pelo território de Palmas, ou das Missões, adjudicado pelo presidente Grover Cleveland, dos Estados Unidos. Ao saber que seria aclamado no Rio de Janeiro na volta das negociações, desviou o trajeto e foi para Paris. Evitou que as celebrações soassem como provocação aos argentinos.

Vale lembrar o episódio. No outro lado da contenda estava o ministro argentino Estanislau Zeballos, que não havia engolido a derrota e com quem o barão trocava “cutiladas amáveis”, segundo Ricupero. Após ser nomeado chanceler pelo presidente Julio Roca, Zeballos instigou uma crise que quase resultou em confronto aberto com o Brasil. Em ação temerária, interceptou uma mensagem cifrada entre o Rio de Janeiro e a missão diplomática brasileira em Santiago, no Chile, e divulgou, com interpretação errônea, uma suposta aliança militar tramada pelo Brasil contra a Argentina. Rio Branco encarou a provocação e “abriu o jogo” , revelando abertamente o código diplomático brasileiro e o conteúdo real da mensagem. Desmoralizou a versão falsa e, de quebra, derrubou o controverso chanceler adversário do poder.

Mapa de 1860 da David Rumsey Historical Map Collection, da Universidade da Flórida, com as fronteiras antigas do Brasil. Na página oposta, quadro de Carlos de Servi.

Outro caso notável foi a questão do Amapá, em 1898. O problema era ainda mais complicado que o litígio das Missões, por significar enfrentamento com uma das maiores potências mundiais, a França. Nessa disputa, a questão crucial era identificar corretamente o Rio Yapoc, indicado como limite territorial com a Guiana Francesa. Para o Brasil tratava-se do Rio Oiapoque, mas para os franceses o limite estaria muito abaixo, no Rio Araguari, pouco acima de Macapá. O país perderia metade do Amapá em consequência.

Rio Branco impôs sua versão apoiando se na habilidade e na perseverança de localizar mapas, relatórios de viagens e crônicas, espalhados em arquivos do mundo inteiro, que foram decisivos para comprovar a soberania brasileira no território. Para tanto, contou com a ajuda inestimável do amapaense Joaquim Caetano da Silva. Graças aos relatórios, o Conselho de Arbitragem da Suíça deu razão por unanimidade ao Brasil, fixando os limites atuais do Estado brasileiro. O resultado foi tão frustrante para a França que o representante francês simplesmente voltou a Paris sem se despedir do barão e do mediador suíço, o conselheiro Graffina.

Acima, caricatura sobre a disputa com a Bolívia pelo Acre. Abaixo, o barão e assessores em Berna, na Suíça, durante a questão do Amapá, em 1898.

Coleção de vitórias

Diante dos cenários de guerra surgidos recentemente entre Argentina e Inglaterra na disputa pelas Ilhas Malvinas, cabe lembrar a disputa brasileira com o Reino Unido. Em 1895 a Inglaterra desembarcou na Ilha de Trindade, a 1.200 km de Vitória (ES), e fincou sua bandeira, considerando-a “abandonada”. O atentado causou rebuliço no Brasil. Cauteloso, mas rápido, Rio Branco pediu a arbitragem internacional. Em tempo recorde, o rei de Portugal determinou a soberania dos brasileiros na área e a retirada dos invasores. Foi tão simples que o barão não resistiu a um comentário: “Há muito louco solto por aí.”

Outro conflito, o mais emblemático dos litígios fronteiriços, foi a questão do Acre, território então pertencente à Bolívia. A extração da borracha na Amazônia vivia seu boom e atraía seringalistas nordestinos para a área, deflagrando hostilidades com os bolivianos. Em 1902, o presidente Rodrigues Alves assumiu a Presidência já com uma crise na fronteira. Meses antes, seringueiros armados haviam expulsado o Exército boliviano da região, na chamada “Revolução Acreana”. Mas essa postura era contrária à ideologia do barão, que pregava a paz sem luta. Rio Branco avaliava que apenas um acordo formal, que envolvesse indenização em dinheiro e a construção da estrada de ferro Madeira-Mamoré poderia abafar futuras desavenças com a Bolívia.

Nesse caso, precisou enfrentar Rui Barbosa, nomeado em julho de 1903 ministro com plenos poderes para tratar da questão junto ao governo boliviano. Rui não admitia a indenização, mas acabou por demitir-se do cargo três meses depois de assumi-lo. No mesmo ano, Rio Branco obteve a assinatura, entre Brasil e Bolívia, do Tratado de Petrópolis, anexando o Acre ao território brasileiro. Ao contrário do que muitos apregoam, “o Brasil pagou, sim, a dívida; caso contrário, os bolivianos anulariam o tratado”, afirma o embaixador Ricupero.

Na sequência, o barão conduziu um vitorioso “mutirão diplomático”, dosando poder e concessões negociadas, que solucionou várias pendências ao longo de 6.000 km de fronteiras com países vizinhos: a Venezuela (1905), a Guiana Holandesa, hoje Suriname (1906), a Colômbia (1907), o Peru (1909) e o Uruguai (1909).

Abaixo, ilustração sobre as vitórias históricas do barão. Ao lado, caricatura sobre a divergência com Rui Barbosa a respeito do Acre.

O elegante Juca Paranhos quando era cônsul na Alemanha.

Grandeza política

“Rio Branco desejava um Brasil forte e capaz de se defender de agressões”, afirma Ricupero. “Não partilhava do fascínio militar pelas guerras de conquistas. Antecipou o que hoje se denomina ‘poder inteligente’ (smart power), ao triunfar nas arbitragens com a razão diplomática e a erudição histórica, e ‘poder brando’ (soft power), dosando concessões, trocas de território e compensações financeiras, como no caso do Acre.”

O barão foi, sem dúvida, o demiurgo da política externa contemporânea brasileira, com uma visão política vitoriosa ao deslocar o eixo da nossa diplomacia, então centrada em Londres, para Washington, de maneira a usar a influência dos Estados Unidos em favor dos interesses brasileiros – o que não foi pouco, na época.

Juca Paranhos tinha uma visão moderna da necessidade de unidade da América do Sul e antecipou em 70 anos o Mercosul ao criar o Pacto ABC (Argentina, Brasil, Chile). Contribuiu para desarmar inimizades com países do Cone Sul. Foi mais além ao idealizar a aproximação com países emergentes, predestinando as grandes alianças que hoje se delineiam com o BRIC, o bloco que engloba Brasil, Rússia, Índia e China.

No final, fica a pergunta: a diplomacia brasileira é herdeira das teses de Rio Branco? Em parte sim, sobretudo no quesito da não interferência na política interna de outras nações. Mas peca, ainda, num aspecto que o barão abominava: a diplomacia presidenciável, ou seja, a subordinação do Ministério das Relações Exteriores à política interna.

Para Rio Branco, a política externa deve ser da Nação e não de um partido, seja qual for. Sempre apartidário, o barão trabalhou para quatro presidentes, servindo ao Estado. Diplomata de partido nunca houve no passado. Rio Branco não era homem de bravatas nem de cruzadas voluntaristas para mudar o mundo. Viveu seu tempo sem se deixar seduzir por outra pretensão senão a de ser brasileiro.