Uma das mais interessantes teorias diz que a vida surgiu fora da Terra, em Marte ou outro planeta mais distante. Foi trazida aqui por cometas errantes.

Como a vida surgiu na Terra? Esse continua a ser um dos grandes mistérios da biologia. Sabe-se apenas a data aproximada em que isso ocorreu: há cerca de 3,5 bilhões de anos. Tudo o mais são especulações.

Nos anos 1970, a maioria dos biólogos acreditava que a vida era um evento químico tão improvável que não ocorreria uma segunda vez no universo. Décadas depois, em 1995, o belga Christian de Duve, Prêmio Nobel de Medicina em 1974, classificou a vida como “imperativo cósmico” que deveria ter surgido em todo planeta semelhante à Terra. Por esse determinismo biológico, “a vida se inscreve nas leis da natureza”. Comprovar essa teoria exige encontrar traços dela em outro planeta ou mesmo na Terra – as condições aqui existentes propícias ao surgimento da vida até poderiam ter sido aproveitadas diversas vezes. A confirmação depende de que se encontrem organismos diferentes de todas as criaturas vivas conhecidas.

Formas de vida alternativas seriam capazes de ter se desenvolvido e desaparecido, deixando registros geológicos de sua existência. Um metabolismo diferente do que conhecemos, por exemplo, poderia alterar rochas ou formar depósitos minerais de um modo inexplicável para a biologia de organismos conhecidos. Moléculas orgânicas características de outras formas de vida seriam também guardadas em antigos microfósseis.

Outra teoria propõe que formas de vida alternativa teriam sobrevivido e sempre estariam presentes no meio ambiente, constituindo um tipo de “biosfera da sombra”. Esses organismos ainda não teriam sido encontrados simplesmente porque os biólogos só catalogaram uma ínfima fração de todos os micróbios observados. Mas tal identificação não promete ser fácil. Requer análise de sequência genética para determinar o lugar do micróbio na árvore da vida que agrupa todas as criaturas conhecidas. Deve-se considerar ainda que todos os organismos estudados em detalhe até hoje comungam de uma mesma bioquímica e de um código genético quase idêntico. Os métodos usados para estudá-los detectam a vida tal como a conhecemos. Seriam necessárias outras técnicas para descobrir uma bioquímica diferente. Até lá, uma vida desse tipo, que se limite ao reino microbiano, provavelmente não será notada.

Não será necessariamente mais fácil achar formas de vida alternativas integradas à biosfera conhecida. Sobretudo se forem micróbios associados a outros, mais familiares, já que a maioria dos microrganismos se apresenta sob a forma de pequenas esferas ou bastonetes. Mas uma bioquímica diferente, com sinais característicos, pode desmascará-las.

Muitas moléculas biológicas não coincidem com sua imagem num espelho, mesmo sendo constituídas dos mesmos átomos. Ambas só diferem porque, num espaço tridimensional, uma aponta para a direita e outra para a esquerda, como se fossem nossas mãos espalmadas. Essa característica chama-se quiralidade.

Nos abismos submarinos, fontes termais de origem vulcânica criam microambientes ricos de vida muito adaptada e que não poderia existir em nenhum outro lugar

Para se organizar em estruturas mais complexas, as moléculas devem ter formas compatíveis. Todos os aminoácidos que constituem as proteínas, por exemplo, apresentam uma curva para a esquerda; no caso dos açúcares, ela vai para a direita. Imaginando- se que a vida começaria a partir do nada, as moléculas teriam 50% de chances de ser da forma inversa. Nesse caso, a vida seria bioquimicamente quase igual à que se conhece. As duas formas não seriam concorrentes e se ignorariam, porque suas moléculas não seriam intercambiáveis. Pode-se identificar uma vida desse tipo preparando- se um meio de cultura com moléculas- espelho daquelas que se usam habitualmente. Ali, um organismo com quiralidade invertida se sentiria em seu meio, mas um organismo vivo clássico não sobreviveria.

Outra vida de sombra pode se distinguir por apresentar um conjunto diferente de aminoácidos ou de nucleotídeos (elementos do ácido desoxirribonucleico, ou DNA, na sigla em inglês). Todos os organismos conhecidos utilizam os mesmos nucleotídeos (adenina, citosina, guanina e tiamina) para guardar informações e os mesmos 20 aminoácidos para construir proteínas. Por que nos limitarmos aos 20 aminoácidos conhecidos? O meteorito Murchison, que caiu na Austrália em 1969, continha numerosos aminoácidos bem conhecidos e outros nem tanto, como a pseudoleucina.

Alguns aminoácidos exóticos poderão ser indícios de formas de vida alternativas. Os exobiologistas têm esperança nos resultados obtidos no domínio emergente da vida sintética ou artificial. Os bioquímicos ensaiam construir novos organismos usando aminoácidos adicionais ou alterando o código genético com o acréscimo de nucleotídeos. A cada micróbio descoberto, instrumentos de trabalho normalmente usados para analisar proteínas revelariam os aminoácidos presentes e detectariam sinais estranhos que fariam do microrganismo um candidato à outra vida possível.

Os biólogos Russell Vreeland (esquerda) e William Rosenzweig examinam o cristal de sal que abriga em seu interior bactérias de 250 milhões de anos (no centro da ampliação por microscópio). Elas são as mais antigas formas de vida já encontradas.

Se uma dessas estratégias revelar um organismo exótico, como distinguir uma verdadeira forma de vida alternativa de um novo domínio da vida conhecida? O precursor mais rudimentar poderia apresentar uma série de diferentes combinações, códigos que hoje não seriam formas de vida alternativa, mas fósseis vivos. Outra possibilidade é a de que os micróbios usassem o ácido ribonucleico (RNA) em vez do DNA ou, ainda, um elemento que substituísse a água, pois a vida, como a conhecemos, é indissociável da água em estado líquido.

Alternativas mais radicais da bioquímica conhecida reduziriam as possibilidades de erro. Astrobiólogos imaginaram formas de vida em que outro solvente, como o metano, substituiria a água – teoria pouco provável, pois o metano é líquido apenas em baixas temperaturas. Pensa-se também na hipótese da reorganização dos átomos de carbono, hidrogênio, oxigênio, nitrogênio e fósforo. O fósforo é raro e, no início da história da Terra, não existia em abundância na forma solúvel e facilmente acessível. O arsênico, que é um veneno para a vida clássica, poderia tê-lo substituído nos organismos vivos: além de desempenhar as funções do fósforo no estabelecimento de ligações estruturais (ligação entre os nucleotídeos do DNA) e de estocagem de energia (ATP) nas células, poderia se constituir em fonte de energia para alimentar o metabolismo.

A VIDA APARECEU EM MARTE?

Segundo o determinismo biológico, a vida deve aparecer no momento em que surgem as condições apropriadas. De acordo com essa teoria, a vida eclodiu em algum lugar no Sistema Solar, provavelmente em Marte, um planeta que, no início de sua história, tinha água em estado líquido na superfície. Terra e Marte partilharam de matéria ejetada no espaço pelo impacto de asteroides e de cometas, e alguns micróbios viáveis, enclausurados no interior de rochas, podem ter sido levados de um planeta a outro. Assim, é plausível que os organismos resultantes tenham se mesclado ao longo do tempo.

Os organismos fabricam proteínas graças aos ribossomos, que agrupam os aminoácidos. Para abrigar ribossomos, eles não podem ser pequenos. Vírus, por exemplo, têm apenas 20 nanômetros de diâmetro e não possuem ribossomos. Mas não são autônomos, pois dependem das células que infectam para se reproduzir. Essa dependência impede que os vejamos como forma de vida alternativa. Mas já se disse que a biosfera seria o refúgio de células pequenas demais para abrigar ribossomos. Recentemente, Philippa Uwins, da Universidade de Queensland, na Austrália, encontrou estruturas com cerca de 30 nanômetros de tamanho em amostras de rochas submarinas. Se resultaram de processos biológicos, seriam formas de vida alternativa que não utilizam ribossomos. A realidade das nanobactérias, porém, ainda não está bem estabelecida.

Um organismo bioquimicamente estranho seria a prova de uma segunda origem da vida se ele fosse fundamentalmente diferente da que conhecemos. Mas a fronteira é tênue, pois não se sabe como a vida apareceu. Exobiologistas a imaginaram baseada em compostos de silício, mais que de carbono, tão essencial à nossa bioquímica. Os organismos em que o carbono estivesse ausente teriam, sem dúvida, uma origem diferente da nossa. Por outro lado, um organismo que utilizasse os mesmos nucleotídeos e aminoácidos que as formas de vida conhecidas, mas desfrutasse de um código genético diferente, não contribuiria em favor de uma origem independente, porque as diferenças poderiam se explicar por divergência evolutiva.

A VIDA NOS NICHOS MAIS HOSTIS

Ambientes extremos e nichos ecológicos isolados, onde a maior parte dos organismos comuns não teria como sobreviver, podem abrigar formas de vida alternativas. Como exemplo, o rio Tinto, na Espanha, repleto de minério de ferro e metais pesados (A); os gelos eternos da Antártica (B) e as fontes termais e sulfurosas como as do parque Yellowstone, nos Estados Unidos, onde a temperatura da água chega a 90 graus centígrados (C).

O parque Yellowstone possui várias lagoas vulcânicas como a da foto. Nelas, apesar do forte conteúdo mineral, a vida microscópica é abundante.

Há também o problema inverso. Organismos diferentes, submetidos às mesmas regras ambientais, frequentemente interagem para melhorar suas chances de sobrevivência. Tal convergência, se é forte, mascararia as provas de uma aparição independente. A seleção dos aminoácidos, por exemplo, pode ter sido otimizada pela evolução. Uma vida que tenha começado utilizando outros aminoácidos pode ter evoluído ao ponto de, finalmente, adotar os que hoje usamos.

A dificuldade é exacerbada pela existência de duas teorias da biogênese, primeiro estágio da evolução da vida. Uma sustenta que a vida começou por uma transformação súbita, levada talvez por uma mudança de complexidade química num sistema não necessariamente formado por uma única célula. A vida primitiva poderia ter surgido de uma comunidade de células que trocavam entre si materiais e informações, antes mesmo da autonomia celular e da individualização das espécies. A outra teoria defende a idéia de um continuum que se estenderia da química à biologia, sem que alguma demarcação clara, especialmente um “nascimento da vida”, pudesse ser identificada.

Definir o que é vida pode ser algo delicado. Fundada sobre uma propriedade (a estocagem e a utilização de informações, por exemplo) que marcaria uma transição bem definida entre o vivo e o inerte, conduz à ideia de que pode ter uma ou várias origens. Baseada em uma complexidade organizada, apresenta raízes imprecisas que podem se dissolver sem traços no domínio da química. A ideia de origens independentes para diferentes formas de vida também é questionável, a menos que os organismos estivessem separados uns dos outros, sem interação possível, como em planetas diferentes. Não estudamos mais que uma ínfima fração da população microbiana da Terra. Se as provas de uma segunda origem um dia forem conhecidas, confirmariam o determinismo biológico e consagrariam a vida, de fato, como um imperativo da natureza.

AS NANOBACTÉRIAS

Examinando sedimentos de 200 milhões de anos extraídos do fundo do mar ao largo da costa oeste da Austrália, Philippa Uwins, da Universidade de Queensland, descobriu minúsculas estruturas de 20 a 150 nanômetros de comprimento. Esses elementos foram multiplicados em laboratório e as análises mostraram que contêm DNA. No entanto, os resultados são contestados. As menores bactérias medem cerca de 200 nanômetros de diâmetro. Organismos autônomos, de acordo com as normas de vida conhecidas, não podem ser menores, porque precisam abrigar os ribossomos. Cada uma dessas estruturas, que fabricam proteína, mede de 20 a 30 nanômetros de largura. Organismos autônomos do tamanho dos descobertos por Philippa Uwins funcionariam sem ribossomos e constituiriam uma nova forma de vida.

Equipe Planeta