Em 2012, o site da Khan Academy, do norte-americano de ascendência indiana Salman Khan, batia recordes. Além de crescer 400% ao ano, mais de seis milhões de pessoas o acessavam por mês, não em busca de entretenimento, mas de aulas, em sua maioria, de ciências exatas. Seus vídeos tiveram mais de 140 milhões de visualizações. Mais de meio bilhão de exercícios escolares foram feitos. Nessa audiênca cativa estão os computadores da família de Bill Gates, o dono da Microsoft, que assiste, entusiasmado, às aulas com os fi lhos.

O modelo de ensino digital do professor Khan não difere muito de outras iniciativas encontradas na internet. Cursos e plataformas de ensino digitais coexistem com a Khan Academy há certo tempo e estão em crescente expansão. Um bom exemplo são os vídeos de aulas de universidades internacionais de renome como o Massachusetts Institute of Technology (MIT) – na qual o próprio Khan se graduou em matemática e engenharia elétrica – e a Universidade Stanford, na Califórnia. Mas, apesar da tradição, as duas instituições juntas jamais somaram tantas visitas quanto o site tocado apenas por Khan antes de se profi ssionalizar, em 2010.

Suas aulas são simples. Na tela, imagens, desenhos e rascunhos de próprio punho vão surgindo para ilustrar o raciocínio do professor de 36 anos. Os vídeos são curtos, com duração média de 15 minutos, para evitar a dispersão do aluno. O criador do método parte da tese de que a capacidade de concentração de um aluno num mesmo assunto não passa de 18 minutos. Por motivos similares, Khan também nunca aparece nos vídeos, pois acredita que a figura do professor é fonte de distração. Mestre em ciência da computação, o professor indiano-americano, na verdade, criou um software simples com exercícios e respostas para os problemas escolares.

O que poderia, então, justificar tamanho sucesso? “O que eu acho que realmente cativou as pessoas nos vídeos foi a informalidade. Elas viam que aquilo era de verdade e falava para elas”, explicou Khan em São Paulo, em janeiro passado, onde veio difundir seu método, depois de apresentálo à presidenta Dilma Rousseff, em Brasília. Na capital paulista também aproveitou para lançar a edição brasileira do seu livro Um Mundo, uma Escola (Editora Intrínseca).

Solução familiar

Os esboços do que viria a se tornar um programa fenômeno de ensino online surgiram sem pretensão. Em 2004, Khan ofereceu-se para dar aulas de reforço escolar à prima Nadia. A garota de 12 anos saíra-se mal numa prova final de matemática do sexto ano. Mesmo desmotivada, acabou aceitando a ajuda. O problema era que Nadia morava em Nova Orleans, a 2.450 quilômetros de Boston, onde Sal, como é conhecido, vivia na época. A distância foi contornada por conversas por telefone e duas mesas digitalizadoras, que permitiam aos primos visualizar, pelo computador, os cálculos que faziam.

Deu mais do que certo. Nadia refez a prova e recuperou a nota. Seus irmãos mais novos também começaram a pedir aulas pela internet com Khan e a moda foi pegando. Em dois anos, mais gente da família aderiu ao método, que, àquela altura, passou a utilizar vídeos e um software gerador de exercícios desenvolvido pelo próprio Sal. “Em 2006, eu me peguei dando aula para 10 ou 15 primos”, contou Khan, em São Paulo.

Empolgado com os resultados, seguiu o conselho de um amigo e passou a publicar as videoaulas no YouTube. Mesmo sem publicidade, seu trabalho começou a ser visto por pessoas fora do círculo de convivência. No início de 2009, os acessos já chegavam a milhares e exigiam cada vez mais esforço de Khan, que se desdobrava para conciliar a atividade filantrópica com o ganhapão de analista de fundos de investimento – cada vez menos estimulante.

Embora convencido do potencial da Khan Academy, Sal não tinha a intenção de cobrar pelas aulas. Sua inspiração é do tipo missionária: oferecer educação de qualidade online gratuita para todos em qualquer lugar do mundo. No entanto, precisava de renda para sustentar a mulher, estudante de medicina realizando residência médica, e um fi lho recém-nascido. Resolveu, então, assumir o risco de viver um tempo com suas economias até encontrar um patrocinador. Eventualmente, recebia doações, mas nada expressivas.

Tudo mudou quando, em 2010, o projeto despertou a atenção do Google e de Bill Gates, que se declarou fã das suas aulas no palco em um evento dedicado a discutir ideias inovadoras em Aspen, Colorado. Daí para o estabelecimento de uma parceria que garantiria o aporte necessário para potencializar o crescimento da Khan Academy foi questão de semanas. Como aluno, a contribuição do criador da Microsoft foi modesta, mas como patrono o aporte foi determinante. O US$ 1,5 milhão doado pela Fundação Gates e mais um investimento de US$ 2 milhões do Google permitiram a Khan tentar, à sua maneira, transformar a educação.

Da internet à classe

A efi ciência das videoaulas digitais foi posta à prova em escolas de Los Altos, no Vale do Silício, na Califórnia. Todas as turmas (duas de quinto ano e duas de sétimo) que participaram do projeto piloto de matemática obtiveram resultados excelentes em exames estaduais padronizados de profi ciência. A essa altura, Khan, agora acompanhado por uma equipe, tinha desenvolvido mais um software, capaz de fornecer um monitoramento detalhado do rendimento dos alunos para ajudar os professores a orientar as aulas.

Toda essa tecnologia despertou o interesse de outras instituições, da mídia e também de países como o Brasil. Em 16 de janeiro, na véspera de uma reunião com Khan, o ministro da Educação, Aloizio Mercadante, anunciou a adoção das suas videoaulas nos 600 mil tablets que serão distribuídos pelo Ministério da Educação, a partir deste ano, a professores de ensino médio de escolas públicas no país. O governo também anunciou a criação de um portal online, aberto, contendo vídeos de aulas e palestras em todas as áreas do conhecimento, a ser produzido com conteúdos das universidades federais brasileiras.

“Fiquei impressionado com a energia do governo brasileiro”, disse Khan à PLANETA. “Em apenas doze horas no Brasil me reuni com o ministro da Educação e com a presidente. Eles me pareceram bastante empenhados. Espero que dê resultados.” Em São Paulo e em Santo André, dez escolas públicas do terceiro ao quinto ano do ensino fundamental já participam de um projeto-piloto que usa tecnologia da Khan Academy. O trabalho é resultado de uma parceria com a Fundação Lemann, do empresário Jorge Paulo Lemann, dono da cervejaria belgo-brasileira AB Inbev, que já traduziu 400 vídeos para o português, além de adaptar os softwares à realidade do nosso país. Ao longo de 2013, o plano é traduzir mais 600 vídeos de matemática. Lemann doou R$ 10 milhões ao projeto para implantá-lo em 200 escolas. No Rio de Janeiro, cerca de 1.000 escolas da rede municipal já estão usando vídeos de Khan em sala de aula, segundo a secretária de Educação, Cláudia Costin.

De acordo com a Fundação Lemann ainda não é possível falar em impacto no aprendizado, já que o projeto está sendo desenvolvido há apenas um ano. No entanto, as perspectivas são animadoras. “O que a gente percebe de imediato é o aumento da disposição dos alunos para estudar matemática e um maior engajamento nas aulas. O nosso software, assim como o da Khan, tem um componente de jogo que motiva os estudantes”, diz Daniela Caldeirinha, coordenadora de projetos da Fundação Lemann. O uso dos relatórios dos alunos também ajudou os professores a otimizar o trabalho em sala de aula. “Eles podem identifi car algumas dificuldades e fazer intervenções mais precisas”, afirma Daniela.

Conhecimento

Cada vez mais universidades alinhadas à filosofia de ensino gratuito de qualidade na internet têm produzido conteúdos para cursos abertos, conhecidos em inglês como open courses. Em sites como o coursera (www.coursera.org), universidades americanas de ponta, como Stanford e Princeton, divulgam videoaulas com cursos completos em diferentes áreas do conhecimento. “Esta é uma forma de garantir o acesso ao conteúdo universitário de alta qualidade a uma parcela maior da população que não tem condições de frequentar o ensino superior. Trata-se de um direito fundamental do ser humano”, diz Daphne Koller, professora de Stanford e cofundadora do portal.

Em menor número, universidades brasileiras começam a seguir o exemplo. A Universidade Estadual Paulista lançou em 2012 o Unesp Aberta (www.unesp.br/unespaberta), site feito a partir de conteúdo multimídia utilizado em cursos de ensino a distância. A Fundação Getulio Vargas e a Universidade do Sul de Santa Catarina (Unisul) já integram o Open Course Ware Consortium (www.ocwconsortium.org), organização internacional que estimula o compartilhamento de recursos educacionais online.

“Com a revolução da internet, não tem mais sentido as universidades quererem trancafiar o conhecimento dentro de si mesmas”, afirma Murilo Matos Mendonça, membro da mesa diretora do OCW e professor da Unisul. “Essa barragem transbordou e não é mais capaz de conter o fluxo de conhecimento que está por aí. Uma forma de a universidade continuar a ser relevante é adotar uma postura de compartilhamento e colaboração e mudar suas estratégias dentro da sociedade”, diz o professor.

Mas a questão não é de simples solução. No Brasil, as modalidades de ensino a distância ainda encontram resistência de boa parte da sociedade, seja por ignorância por falta de meios e de acesso à internet, seja por desconfiança com o processo pedagógico a distância ou mesmo pela recusa em compartilhar os direitos autorais dos conteúdos. Há baixa adesão a iniciativas como a OCW, da qual apenas seis instituições nacionais são membros.

“Enquanto no MIT todo o conhecimento científico produzido está disponível online, via Open Course Ware, a PUC-SP ainda vive no sistema de xerox para alunos”, critica Ladislaw Dowbor, professor de economia e administração da PUC-SP. “A gente investe tanto em educação e acaba com o acesso travado por conta do copyright; é preciso facilitar o acesso online, esse é o eixo democrático.”

Para alguns educadores, essa relutância significa atraso. “Não tem mais como separar o modelo de aprendizagem por modalidades, presencial ou a distância. As ferramentas que outrora eram exclusivas do ensino a distância, como o Google, hoje regem o dia a dia”, explica Stavros Xanthopoylos, diretor do FGV online (www5.fgv.br/ fgvonline/). “Os modelos educacionais não podem prescindir das ferramentas que movem a vida pessoal e profissional das pessoas. Ter preconceito do uso desses instrumentos no modelo educacional significa estar fora da realidade”, afirma Xanthopoylos.

Entre os defensores dos recursos educacionais abertos não falta quem critique a falta de aprofundamento no debate pedagógico em torno do uso das novas tecnologias digitais. Mas o valor da democratização do conhecimento pela internet é ponto pacífico. “É muito empolgante pensar que o mesmo conteúdo usado por Bill Gates e filhos está sendo utilizado por crianças em um orfanato na Mongólia”, disse Salman Khan à uma audiência atenta à revitalização da educação em São Paulo.