Nos últimos anos, extremistas de direita justificaram massacres sangrentos com uma suposta preocupação ambiental, vinculando a imigração à devastação da natureza. Para ambientalistas, é apenas ódio disfarçado de verde.Pelo menos três massacres de extrema direita nos últimos anos teriam sido cometidos por pessoas que se identificam como ecofascistas.

O homem branco acusado de matar dez negros em um supermercado na cidade de Buffalo, no estado americano de Nova York, no último sábado (14/05), evocou teorias da conspiração antissemitas e vinculou a migração em massa à degradação do meio ambiente para justificar os assassinatos, em um manifesto racista de 180 páginas.

“Por muito tempo permitimos que a esquerda coopte o movimento ambientalista para atender às suas próprias necessidades”, afirma ele no manifesto. “A esquerda tem controlado todas as discussões sobre preservação ambiental, ao mesmo tempo em que chefia a destruição contínua do próprio ambiente natural através da imigração em massa e da urbanização descontrolada, sem oferecer uma solução verdadeira para nenhum dos dois problemas.”

Esse chamamento ao ecofascismo – ou racismo verde – reflete os discursos dos homens que, em 2019, cometeram massacres racistas em El Paso, no Texas, e em Christchurch, na Nova Zelândia. De fato, o assassino de Buffalo parece ter copiado grandes seções de seu manifesto do autor do massacre em Christchurch.

O australiano, que matou 51 pessoas em duas mesquitas na cidade neozelandesa, se descreveu como um “ecofascista etnonacionalista” e clamou por “autonomia étnica”, bem como pela “preservação da natureza e da ordem natural”. Em seu manifesto, o assassino vinculou as mudanças climáticas à superpopulação de não europeus – uma das ideias centrais do ecofascismo.

O que são ecofascistas?

“A definição mais simples seria [alguém com] uma política fascista ou visão de mundo fascista que invoca a preocupação ambiental ou a retórica ambiental para justificar os elementos odiosos e extremos de sua ideologia”, afirma Cassidy Thomas, doutorando na Universidade de Syracuse, em Nova York, que estuda a ligação entre extremismo de direita e política ambiental.

Em entrevista à DW, Thomas explica que fascistas comuns são populistas ultranacionalistas que invocam uma narrativa de crise civilizacional por meio de linhas culturais e nacionalistas. Os ecofascistas veem as mudanças climáticas ou os distúrbios ecológicos como a ameaça civilizatória dentro dessa equação.

Os ecofascistas estão presos a teorias racistas e acreditam que a degradação do meio ambiente leva à degradação de sua cultura e de seu povo, acrescenta Thomas.

Eles frequentemente se radicalizam pela internet – como o atirador de Buffalo diz ter feito – e muitos acreditam que os brancos, juntamente com o meio ambiente, são ameaçados pela superpopulação não branca. Ecofascistas geralmente pedem o fim da imigração ou a erradicação de populações não brancas.

“O que eles vislumbram é a dissolução de Estados democráticos liberais miscigenados ou desses Estados democráticos muito liberais e pluralistas, e a substituição dessa formação política por Estados etnicamente definidos e ecológicos que são de natureza menor”, afirma Thomas.

As teorias excessivamente simplistas dos ecofascistas fracassam em abordar as realidades complexas das mudanças climáticas e dos danos ecológicos, e ignoram o fato de que o Norte Global é responsável pela maioria das emissões que causam o aquecimento global, por exemplo.

Por que pessoas se atraem pelo ecofascismo?

Ideologias de extrema direita, como o ecofascismo, estão atraindo jovens que cresceram com as mudanças climáticas, mas acreditam que os governos não têm conseguido lidar com a crise adequadamente.

“Infelizmente, uma vez que as mudanças climáticas pioraram nos últimos 30 anos e ficou mais difícil ignorá-las ou questioná-las – mesmo pelos membros mais extremistas de direita e conservadores da cena política –, você começa a ver indivíduos com uma visão incrivelmente niilista e sombria do futuro do mundo”, afirma Cassidy Thomas.

As narrativas ecofascistas fornecem a seus adeptos um “senso de propósito” e um “chamado à ação”, acrescenta o pesquisador. “E é por isso que essas narrativas ecofascistas que são cultivadas nessas subculturas online são tão perigosas.”

Tais teorias são frequentemente propagadas em fóruns anônimos, como 4chan, 8chan e o agora extingo Iron March, assim como em plataformas mais populares, como o Twitter.

Logo após cada um dos massacres recentes, pesquisadores observaram um aumento no interesse pelo ecofascismo em comunidades do submundo da internet, bem como no tráfego de buscas online.

Ecofascismo na política?

Os populistas de direita são tradicionalmente negacionistas das mudanças climáticas, mas têm visto cada vez mais potencial em capitalizar as preocupações com a questão ambiental.

Em um exemplo notório, o procurador-geral do estado americano do Arizona, que anteriormente já deturpou a ciência do clima, mencionou a proteção do meio ambiente quando processou o governo de Joe Biden por afrouxar as leis de imigração. Ele alegou que os migrantes latino-americanos iriam consumir recursos, causar emissões e poluir o meio ambiente se não fossem impedidos por um muro na fronteira dos Estados Unidos com o México.

Na Europa, a francesa Marine Le Pen invocou as mudanças climáticas e a proteção ambiental em suas campanhas nacionalistas à Presidência da França, enquanto a ala jovem do partido alemão de ultradireita Alternativa para a Alemanha (AfD) – cético em relação ao clima – pediu que a legenda adotasse as mudanças climáticas como uma ferramenta eficaz de recrutamento.

A autora e ativista climática canadense Naomi Klein disse o seguinte ao jornal The Huffington Post: “Há uma raiva por aí que vai escoar para algum lugar, e temos demagogos que são especialistas em direcionar essa raiva para os mais vulneráveis, enquanto protegem os mais poderosos e mais culpados.”

Origens nazistas do ecofascismo

Embora seja composta de várias correntes de teorias de extrema direita, grande parte da ideologia ecofascista tem suas raízes nos primeiros movimentos nazistas e no partido fascista na Itália.

“Na Alemanha, eles usaram esses pontos de discussão para justificar parcialmente algumas de suas principais iniciativas, como o Lebensraum”, explica Thomas, citando o conceito colonialista nazista de criar um “espaço vital” para os alemães.

“Eles viam a presença de povos não alemães como uma ameaça simultaneamente à integridade da cultura alemã e ao meio ambiente alemão”, afirma o especialista.

Essa ideologia levou à Reichsnaturschutzgesetz de 1935, as primeiras leis de conservação ambiental da Alemanha, bem como a um impulso para a agricultura orgânica.

Membros da cena de extrema direita na Alemanha e em toda a Europa ainda defendem causas ambientais e conceitos como agricultura orgânica. Na Alemanha, grupos ambientalistas correm o risco de serem infiltrados por extremistas de direita.

Thomas diz haver semelhanças nos fatores que levam ao ecofascismo hoje. Na Alemanha nazista e na Itália fascista, a população viu que o capitalismo e o industrialismo trouxeram consigo a rápida urbanização e a degradação ambiental, bem como o deslocamento das populações rurais.

E nos Estados Unidos, figuras da extrema direita têm cada vez mais invocado as preocupações ambientais como justificativa para suas crenças, incluindo o líder nacionalista branco Richard Spencer. Antes da manifestação extremista de direita e supremacista branca Unite the Right (Unir a direita) em 2017 em Charlottesville, ele incluiu uma grande seção sobre proteção ambiental em seu manifesto online.

Anteriormente, Spencer afirmara que o “controle e a redução da população” é a “solução óbvia para os estragos das mudanças climáticas”.

Ambientalistas rechaçam o ecofascismo

Os principais movimentos ambientalistas, que abraçam amplamente a justiça social, rejeitam veementemente os ecofascistas. Segundo eles, a ideologia de extrema direita apenas disfarça o ódio de “verde” e está mais focada na supremacia branca do que na proteção ambiental.

Os ambientalistas também observam que os principais responsáveis pela destruição ecológica são as nações ocidentais ricas, e não os alvos dos ecofascistas. Análises da ONU têm mostrado que o aumento da riqueza, e não o crescimento populacional, é um motor muito maior do uso de recursos.

Segundo o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), o efeito do crescimento populacional é ofuscado pelo aumento das emissões per capita. Os habitantes dos países mais ricos do mundo emitem 50 vezes mais do que os de países mais pobres, apesar de os mais ricos terem um crescimento populacional muito mais lento.

Os ambientalistas, portanto, pedem que o crescimento populacional seja dissociado do uso de recursos e emissões, por meio da reorganização das economias e da adoção de práticas sustentáveis.