Fundamentalistas islâmicos no poder no Afeganistão lançaram ofensiva diplomática para obter reconhecimento internacional. Críticos temem que crise humanitária no país esteja sendo usada como trunfo e condenam iniciativa.As autoridades norueguesas asseguram que os diálogos internacionais com o Talibã não equivalem a uma legitimação do grupo fundamentalista islâmico. Porém ativistas dos direitos humanos, sobretudo no Afeganistão, discordam, condenando a decisão de Oslo de receber os militantes que tomaram o poder naquele país asiático em agosto de 2021.

Por sua vez, os talibãs saúdam as conversas na Noruega como uma “conquista”. Ao fim do primeiro dia de conversações, nesta segunda-feira (24/01), um alto funcionário do grupo afirmou à agência de notícias AP tratar-se de “um passo para legitimar o governo afegão”.

Após reunir-se, nesta terça-feira, com os enviados dos Estados Unidos, França, Reino Unido, Alemanha e União Europeia, o ministro do Exterior talibã, Amir Khan, comentou que “a Noruega estar nos fornecendo esta possibilidade é uma conquista, em si, porque nós partilhamos o palco com o mundo”.

O Ocidente se defronta com um dilema: embora acusando o Talibã de ininterruptos abusos dos direitos humanos no Afeganistão, a comunidade reconhece que agora é mais importante do que nunca entabular o diálogo com os islamistas.

A principal razão para tal é a crise humanitária sem precedentes no país: no começo de janeiro, a Organização das Nações Unidas fez “o maior apelo de todos os tempos” por assistência humanitária para um único país, afirmando serem necessários 4,4 bilhões de dólares para evitar que deteriore ainda mais “a crise humanitária que cresce mais rápido no mundo”.

“Estamos reivindicando que eles descongelem as verbas afegãs e não punam os afegãos comuns por causa do discurso político”, apelou no domingo o representante talibã Shafiullah Azam. “Devido à fome, devido ao inverno fatal, acho que é hora de a comunidade internacional apoiar os afegãos, e não puni-los por causa de suas disputas políticas.”

Poço sem fundo para o Ocidente

Nesse espírito, a ministra do Exterior norueguesa, Anniken Huitfeldt, frisou que a comunidade internacional “tem que conversar com as autoridades nacionais de fato” e “não pode permitir que a situação política acarrete um desastre humanitário ainda maior”. Envolver-se com o Talibã, contudo, pode se provar- um poço sem fundo para o Ocidente, já que o grupo busca reconhecimento e ajuda internacional para seu governo e pode usar a situação para atingir esse fim.

“Os talibãs estão usando a crise humanitária afegã para se manter relevantes. Eles convenceram a comunidade internacional a dialogar com eles diretamente, e o encontro de Oslo é um bom exemplo disso”, comentou à DW o analista político Mohammad Shafiq Hamdam, ex-consultor da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) para o Afeganistão.

Shamroz Khan Masjidi, ex-professor e analista político, também crê que os militantes intensificaram os esforços diplomáticos a fim de obter reconhecimento para seu regime. E Hamdam adverte a comunidade internacional a se manter cautelosa ao lidar com o grupo.

“Os afegãos não reconheceram os talibãs como seus dirigentes. Não deve haver nenhuma discussão sobre reconhecimento sem que se realizem eleições no Afeganistão. É preciso haver no país um governo inclusivo, que respeite os direitos humanos.”

Fome, seca, pandemia

Grande parte dos observadores considera improvável que o Talibã passe a respeitar os valores dos direitos humanos. Mas a questão é se o Ocidente deve esperar até os fundamentalistas acatarem suas exigências, antes de agir para evitar a catástrofe humanitária que ameaça a nação devastada pela guerra.

Em outubro, Mary-Ellen McGroarty, diretora do Programa Mundial de Alimentos para o Afeganistão, informou que 8,7 milhões de habitantes estão “a um passo de morrer de fome”. À fome aguda associa-se uma seca severa e a pandemia de covid-19.

Milhões de afegãos estão desempregados e tiveram as contas bancárias congeladas; muitos vendem seus bens para comprar comida. Pela primeira vez, comunidades urbanas encaram insegurança alimentar em níveis comparáveis aos das áreas rurais.

O analista político afegão Salahuddin Ludin confirma que a vida se tornou “extremamente difícil” para a maioria da população: “As organizações internacionais de assistência abandonaram o país; os talibãs não conseguem pagar os salários dos funcionários do governo; o setor de saúde pública está caótico.”

Lal Gul Lal, ex-diretor da Organização de Direitos Humanos do Afeganistão, recorda que o país já enfrentava uma crise humanitária bem antes de o Talibã tomar o poder, e a situação seguiu deteriorando nos últimos meses. As sanções financeiras internacionais prejudicarão até certo ponto os fundamentalistas no poder, mais seu impacto sobre a população já é terrível, destaca.

Reconhecimento, só sob condições rigorosas

O ex-consultor da Otan Hamdam acha que os talibãs talvez consigam convencer a comunidade internacional a desbloquear parte do capital afegão congelado, “mas o Ocidente não deve lhes dar nenhum cheque em branco”. “A assistência deve ir diretamente para o povo afegão, e a liberação dos fundos deve estar subordinada aos talibãs atenderem à exigência do povo de que se estabeleça um governo inclusivo e se respeite os direitos das mulheres.”

Para o ex-professor Masjidi, é compreensível que os fundamentalistas islâmicos se sintam encorajados pelas conversas em Oslo, porém seu sucesso diplomático depende de cooperarem com a comunidade internacional, a qual “deve exigir responsabilidade dos talibãs e forçá-los a permitir que as moças frequentem escolas e universidades”. Além disso, “eles também precisam cortar laços com organizações terroristas, se querem reconhecimento internacional”.

Na sexta-feira, no Twitter, o diretor de relações estrangeiras do grupo de oposição afegão Frente Nacional de Resistência (NRF), Ali Maisam Nazary, criticou a Noruega por hospedar as conversações: “Devemos todos erguer as nossas vozes e impedir qualquer país de normalizar um grupo terrorista como representante do Afeganistão.”