Nas minhas aulas, sempre procuro deixar clara a diferença entre opiniões e fatos. É uma regra fundamental, um exercício intelectual muito simples com que devemos nos comprometer na era pós-iluminista. Comecei a ficar obcecado com questões tão óbvias quando descobri, em 2005, que alguns alunos estavam argumentando que algo “é verdade porque acredito” – e eles não estavam brincando. Desde então, suspeito que tal condicionamento intelectual, tal fusão de física com metafísica (esclarecida por Averróis há quase mil anos) – que ano após ano se torna cada vez mais dominante (fé como critério supremo, independentemente de todas as evidências no sentido contrário) – tem suas origens nas majestosas igrejas do sul dos Estados Unidos.

Mas o pensamento crítico envolve muito mais do que apenas distinguir fatos de opiniões. Tentar definir o que é um fato seria suficiente. A própria ideia de objetividade se origina paradoxalmente de uma única perspectiva, de uma lente. E qualquer um sabe que, com a lente de uma câmera fotográfica ou de vídeo, apenas uma parte da realidade é capturada, o que muitas vezes é subjetivo ou usado para distorcer a realidade no suposto interesse da objetividade.

Por alguma razão, os estudantes tendem a se interessar mais por opiniões do que por fatos. Talvez por causa da ideia supersticiosa de que uma opinião informada é derivada da síntese de milhares de fatos. Essa é uma ideia perigosa, mas não podemos fugir da responsabilidade de dar nossa opinião quando é necessário. Tudo o que podemos e devemos fazer é observar que uma opinião informada continua sendo uma opinião que deve ser testada ou questionada.

Em determinado dia, os estudantes discutiram a caravana de milhares de centro-americanos (pelo menos mil deles crianças) fugindo da violência rumo à fronteira mexicana com os EUA. O presidente Donald Trump ordenou que a fronteira fosse fechada e chamou os que procuravam refúgio de “invasores”. Em 29 de outubro de 2018, ele tuitou: “Essa é uma invasão do nosso país e nossos militares estão esperando por você!” O posicionamento de militares na fronteira custou aos EUA cerca de US$ 200 milhões.

Controvérsia

Como um dos meus alunos insistiu em conhecer minha opinião, comecei com o lado mais controverso da questão. Observei que os EUA foram fundados sobre o medo da invasão, e apenas um grupo seleto sempre soube explorar essa fraqueza, com consequências trágicas. Talvez essa paranoia tenha ocorrido com a invasão inglesa de 1812, mas se a história nos diz algo é que os EUA praticamente nunca sofreram uma invasão de seu território – se excluirmos os ataques de 11 de setembro de 2001; o de Pearl Harbor, que na época era uma base militar em território estrangeiro; e, antes disso, no início do século 20, a breve incursão de um mexicano chamado Pancho Villa montado em um cavalo.

Americanos em guerra no México (esquerda): intervenção no vizinho do sul. Parada do Dia de São Patrício em Nova York (direita): os migrantes irlandeses eram “melhores” que os negros (Fotos: iStock)

Mas os EUA de fato se especializaram em invadir outros países desde a época de sua fundação – assumiram os territórios indígenas, depois metade do México, do Texas, para reinstalar a escravidão, até a Califórnia; intervieram diretamente nos assuntos latino-americanos, para reprimir protestos populares e apoiar ditaduras sangrentas – tudo em nome da defesa e da segurança. E sempre com consequências trágicas.

Portanto, a ideia de que alguns milhares de pobres a pé invadam o país mais poderoso do mundo é simplesmente uma piada de mau gosto. Também é de mau gosto para alguns mexicanos do outro lado adotar essa mesma conversa xenofóbica que lhes foi direcionada – infligindo aos outros o mesmo abuso que eles sofreram. No decorrer da conversa, mencionei de passagem que, além da paranoia fundamental, havia um componente racial no argumento.

“Você não precisa ser racista para defender as fronteiras”, disse um estudante. É verdade, notei. Você não precisa ser racista para defender fronteiras ou leis. À primeira vista, a afirmação é irrefutável. No entanto, se levarmos em consideração a história e o contexto atual mais amplo, um padrão abertamente racista nos atacará imediatamente.

No fim do século 19, o romancista francês Anatole France escreveu: “A lei, em sua majestosa igualdade, proíbe ricos e pobres de dormir sob pontes, de mendigar nas ruas e roubar seus pães”. É preciso ser um elitista para apoiar uma cultura economicamente estratificada. Você não precisa ser sexista para espalhar o tipo mais violento de sexismo. Engajar-se sem pensar em certas práticas culturais e expressar seu apoio a uma ou outra lei é quase sempre o que basta.

Desenhei uma figura geométrica no quadro e perguntei aos alunos o que viam ali. Todos disseram que viram um cubo ou uma caixa. As variações mais criativas não se afastaram da ideia de tridimensionalidade, quando na realidade o que desenhei era nada mais que três losangos formando um hexágono. Algumas tribos na Austrália não veem a mesma imagem em 3D, mas sim em 2D. Vemos o que pensamos, e é isso o que chamamos de objetividade.

Padrões duplos

Quando saiu vitorioso da Guerra Civil Americana (1861-1865), o presidente Abraham Lincoln pôs fim a uma ditadura de cem anos que, até hoje, todos chamam de “democracia”. No século 18, escravos negros saíram da África para compor mais de 50% da população em estados como a Carolina do Sul – mas eles nem eram cidadãos dos EUA, nem sequer gozavam de direitos humanos mínimos.

Muitos anos antes de Lincoln, racistas e antirracistas propuseram uma solução para o “problema negro” enviando-os “de volta” ao Haiti ou à África, onde muitos deles acabaram fundando a Libéria (a família de um dos meus alunos, Adja, vem desse país africano). Os ingleses fizeram o mesmo para “livrar” a Inglaterra de seus negros. Mas, sob Lincoln, os negros se tornaram cidadãos, e uma forma de reduzi-los a uma minoria não era apenas dificultando a votação (como a imposição de um imposto), mas também abrindo as fronteiras da nação à imigração.

A Estátua da Liberdade, um presente do povo francês ao povo americano para comemorar o centenário da Declaração de Independência de 1776, ainda grita com os lábios silenciosos: “Dê-me suas cansadas, suas pobres, suas amontoadas massas ansiando por respirar livres…” Dessa forma, os EUA abriram seus braços para ondas de imigrantes empobrecidos. Naturalmente, a esmagadora maioria era de brancos pobres. Muitos se opunham aos italianos e aos irlandeses porque eram católicos ruivos. Em qualquer caso, porém, eles eram vistos como melhores que os negros. Os negros não conseguiram imigrar da África, não apenas porque estavam muito mais distantes do que os europeus, mas também porque eram muito mais pobres, e quase não existiam rotas marítimas para conectá-los a Nova York. Os chineses tinham mais oportunidades de chegar à costa oeste, e talvez por isso uma lei, aprovada em 1882, proibiu-os de entrar apenas por serem chineses.

Chinatown em San Francisco (esquerda): uma lei de 1882 vetava a entrada de chineses nos EUA. Protesto antirracista (direita): para muitos americanos, os negros são “pobres” e “maus” (Fotos: iStock)

Entendo que essa foi uma maneira sutil e poderosa de reformular a demografia, o que equivale a dizer a composição política, social e racial dos EUA. O nervosismo atual sobre uma mudança nessa composição nada mais é do que a continuação dessa mesma velha lógica. Se não fosse esse o caso, o que poderia estar errado em fazer parte de um grupo minoritário ou ser diferente dos outros?

Primado do pânico

Claramente, se você é uma pessoa boa e é a favor de aplicar corretamente as leis, isso não o torna um racista. Você não precisa ser racista quando a lei e a cultura já são. Nos EUA, ninguém protesta contra imigrantes canadenses ou europeus. O mesmo é verdade na Europa e até mesmo no Cone Sul da América do Sul, povoado principalmente por descendentes de europeus. Mas todo mundo está preocupado com os negros e as pessoas híbridas e mestiças do sul. Porque eles não são brancos e “bons”, mas pobres e “maus”. Atualmente, quase meio milhão de imigrantes europeus vivem ilegalmente nos EUA. Ninguém fala sobre eles, assim como ninguém fala sobre como um milhão de cidadãos dos EUA estão vivendo no México, muitos deles ilegalmente.

Com o comunismo descartado como desculpa (nenhum desses estados cronicamente fracassados de onde os migrantes vêm é comunista), vamos novamente considerar as desculpas raciais e culturais comuns ao século anterior à Guerra Fria. Todo trabalhador de pele escura é visto como um criminoso, não como uma oportunidade de desenvolvimento mútuo. As leis de imigração estão cheias de pânico com a visão de trabalhadores pobres.

É verdade que você não precisa ser racista para apoiar leis e fronteiras mais seguras. Você também não precisa ser racista para espalhar e sustentar um velho paradigma racista e de classe, enquanto enchemos nossas bocas com chavões sobre a compaixão e a luta pela liberdade e pela dignidade humana.

* Jorge Majfud é escritor e professor uruguaio-americano