Feiras, supermercados, hortomercados, lojas de gastronomia e quitandas da esquina são o cenário da grande festa: a dos alimentos. Nestes estranhos tempos em que a fome mata milhares de pessoas em todo o mundo e crianças desnutridas, abandonadas à própria sorte, projetam um futuro sombrio para a nossa civilização, a oferta de alimentos é imensa e variada, rica, opulenta, colorida, apetitosa. É um festival de pêras, vinhos, tipos de café, tantos molhos que poderíamos experimentar um por dia. A gastronomia ocidental vive novo apogeu e nos mostra que, quase seis séculos após a intensificação das rotas intercontinentais pelos europeus, ainda existem sabores a se experimentar neste vasto mundo.

A descoberta de frutas, legumes, verduras, raízes, fungos, condimentos e de um tanto de coisas de outras culturas e o aprendizado das diferentes formas de prepará-las são um grande divertimento da vida moderna. Não há mais fronteiras para os sabores. Em São Paulo, Rio de Janeiro, Nova York, Paris, Chicago ou Amsterdã, sem falar nas prósperas capitais asiáticas que se ocidentalizam, como Pequim e Tóquio, encontra-se de tudo e de todo lugar à disposição dos paladares curiosos.

Além dos produtos regionais utilizados nas cozinhas tradicionais de cada povo e dos alimentos exóticos aclimatados e produzidos em muitos lugares, o intenso trânsito de mercadorias agiliza a troca de informações entre as mesas da Malásia e do Brasil, das fazendas mineiras e dos gourmets de Nova York. E não é apenas o comércio que se intensifica; também as várias frentes do agronegócio – aclimatação de sementes e pesquisas para o desenvolvimento de novas variedades. O mundo tornou-se uma verdadeira távola redonda em torno da qual os povos se reúnem para provar o que há de saboroso em todas as cozinhas, contribuindo, cada qual, para o banquete. Culturas até pouco tempo estranhas a nós, como a tailandesa, lá dos fundos dos mares orientais, contribuem para nossas aventuras culinárias com certas frutas, o arroz-de-jasmim e molhos apimentados.

Estamos assistindo a uma megarreedição do que ocorreu no século 17, quando navios de todas as bandeiras cruzavam os mares transportando alimentos e especiarias. Diretores de compras, distribuidores, importadores e exportadores de alimentos – os mercadores da modernidade – dispõem de sistemas muito eficientes para garantir ao consumidor brasileiro morangos e uvas o ano todo, ao europeu, os mamões do Brasil, perfeitos e cheirosos, aos povos do Sudeste Asiático, os cravos da Bahia.

Paga-se bem por esses luxos, mas certamente menos do que se pagou pelas especiarias do Oriente ou pelos alimentos da América no século 17. Há uma “democratização dos alimentos” a partir de sua aceitação pelas classes altas, tal como acontecia naqueles tempos, quando as novidades chegavam às mesas dos nobres e, aos poucos, às do zé-povinho. Esse processo hoje é veloz e amplo e altera profundamente hábitos de consumo e dietas alimentares. Outro dia, minha neta de 6 anos me disse que adorava cogumelos. Certamente, cogumelos frescos são uma novidade na alimentação da criança da classe média brasileira, embora sejam tão triviais para os pequenos orientais.

Se falo principalmente do que vemos no cenário dos grandes centros, onde bancas e prateleiras nos surpreendem a cada dia, podemos observar o fenômeno também em cidades brasileiras de porte médio. Assim como me admirei ao ver, no final do ano, em Paris, os limões verdes do Brasil (na verdade, o taiti, asiático, aqui aclimatado e cultivado em larga escala) e os inhames dos nossos índios, valorizados nos mercados da cidade, o mesmo aconteceu quando encontrei num supermercado de Botucatu, interior de São Paulo, um excelente curry indiano para fazer um chutney para uma amiga. O colorau, pó obtido das sementinhas do urucum, especiaria brasileira e barata vendida às conchas nos mercados de Belém, é comercializado em pequenos pacotes, custando bem mais, no La Grande Épicerie, a maior casa de gastronomia de Paris. Vi por lá os nossos carás, também as favas e cebolas da África, chás do Nilo e da África do Sul, pimentas de todo o mundo tropical, café de grandes e pequenos produtores, sais do Paquistão ou do Himalaia, tomates de antigas culturas da América Central, ervas, flores e frutos para infusões e temperos, molhos e azeites produzidos em todo o canto.

O processo da “democratização dos alimentos” atualmente é veloz e amplo, e altera muito os hábitos de consumo e as dietas alimentares

Por aqui, na esquina de casa, descubro tesouros, a começar pelas frutas que até há pouco não conhecia: o figoda- índia e o mangostim (ou mangostão) asiáticos, por exemplo. Este último, escuro, com uma pequena coroa amarela, parece um objeto de adorno, tão bonito, e sua polpa branca, em forma de rosácea, é ainda mais atraente. Nativo do Sudeste da Ásia, ele tem fama de ser a fruta mais saborosa que existe. É gostoso mesmo. Aqui, seu cultivo começou na Bahia, nos anos 1930, e depois chegou ao Pará, de onde vêm os mangostins que encontro, embrulhados em papel de seda, no Pão de Açúcar.

A pitaia é outra lindeza da Ásia e da Austrália, agora produzida no oeste paulista. É o fruto cor-de-rosa de um cacto e tem sabor que lembra o do kiwi. Da Colômbia e do Rio Grande do Sul, onde é cultivada, chega uma frutinha encantadora da América Central e também do Brasil, a physalis. Redondinha, amarela e de sabor ácido, foi chamada de camapu pelos índios amazônicos e hoje é iguaria, vendida envolta em suas folhas secas que lembram papel de arroz.

No Mercado Municipal de São Paulo, os aventureiros dos sabores encontram surpresas como o zabão, um tipo de grapefruit (ou toronja) gigante, com gomos cor-de-rosa. Tamarindo e jambolão indianos, mirtilo, framboesa e cereja européias atravessam mares para enriquecer as cestas de frutas.

Certamente você já se deparou com uma espécie curiosa cujo sabor nem imagina. Já viu a rambutan? Conheci- a outro dia no supermercado do Jardim Botânico, Rio de Janeiro: ovalada, roxa e felpuda, essa frutinha asiática é prima-irmã da lichia – essa, você já provou, mas há dez anos não a encontrava por aí. O agrônomo paulista Leonardo Miyao, diretor-geral de compras de FLV (frutas, legumes e verduras) do grupo Pão de Açúcar, me informa que ela é da Malásia, cultivada em outras regiões tropicais, e nos chega do Equador.

Nosso paladar descortina sabores de povos distantes, mas também os de nossa própria gente – regionalismos antes pouco valorizados ou desconhecidos. Ao lado de espécies amazônicas como a atemóia e a chirimóia, irmãs da fruta-do-conde, saboreamos iguarias antes restritas às suas regiões de origem, como o abiu preto amazônico, a castanha do baru do Planalto Central, o pequi amarelinho, obrigatório no arroz com frango e açafrão-da-terra dos goianos, e a siriguela nordestina. Que festa!

No passado, a dificuldade de obter salmão (acima), vários tipos de frutas (esquerda) e caviar (esquerda, alto) tornava-os artigos de luxo. A globalização do comércio simplificou esse fluxo e pôs essas iguarias, assim como panetones (alto) e massas italianas (acima), ao alcance de muitas pessoas.

Algumas frutas “de quintal”, aquelas que não eram produzidas comercialmente, estão ao alcance de nossos desejos. Se você, assim como eu, tem doces lembranças das amoras roubadas da árvore do quintal do vizinho, tem como se consolar. Amora, marmelo, carambola, sapoti, maracujá, romã, mexerica, carambola, jabuticaba, não é preciso suspirar – elas estão por aí, quase o ano inteiro, bem arrumadinhas nas bandejas de isopor. Quase todas também chegam aos mercados da Europa, dos Estados Unidos, do Canadá, da América do Sul e de países árabes – especialmente o maracujá e a mexerica produzidos no Brasil. Nossos produtores participam ativamente do mercado internacional, exportando principalmente frutas mais conhecidas, como maçã, banana, laranja, manga, uva, mamão e abacate.

Diferentes tipos de laticínios, frutas, hortaliças, até o saudável azeite: não existem mais preconceitos em relação à oferta de alimentos, e todos eles, até os mais exóticos, encontram espaço no gosto dos consumidores.

A fruticultura brasileira evoluiu bastante nas duas últimas décadas, procurando ajustar-se às exigências do mercado interno e especialmente externo, com a pressão crescente dos consumidores em relação à diversidade e qualidade dos produtos – ausência de resíduos agroquímicos, agricultura sustentável, etc. Segundo dados do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, o Brasil é o terceiro maior produtor de frutas do mundo, com 43,7 milhões de toneladas em 2007, atrás apenas da China e da Índia. Na última década, as exportações aumentaram 19,3%, gerando receita de US$ 644 milhões em 2007, segundo o Instituto Brasileiro de Frutas (Ibraf).

Se as mangas produzidas aqui são encontradas na rede Carrefour do Golfo Pérsico, dispomos nos nossos mercados de cerca de 50 variedades dessa fruta indiana trazida pelos portugueses no século 17, cada qual mais saborosa e carnuda. Elas foram desenvolvidas em todo o mundo tropical, através de hibridações. Os melões africanos também se multiplicaram, e hoje os encontramos com formatos, cores e texturas variados.

E a melancia para criança carregar? É a personal melancia, com o diâmetro de uma mão aberta. Tem sabor, polpa vermelha, poucas sementes e é leve, que maravilha! Trata-se de um lançamento internacional da fruticultura brasileira especialmente para atender o mercado norte-americano. Começou a ser comercializado aqui, com exclusividade, pelo grupo Pão de Açúcar. As empresas de alimentos hoje se dão a esse luxo: trabalhar com itens exclusivos, numa parceria com produtores de sementes de alta qualidade (nesse caso, com a anglo-suíça Syngenta Seeds, que opera em 90 países, incluindo o Brasil). Entre as maiores desse segmento está também a japonesa Sakata Corporation, que montou aqui sua sede para a América Latina.

“Encurtar o caminho entre a produção e a mesa do consumidor garante maior qualidade e preço do produto”, explica Miyao. Não importa se este é obtido também de pequenos fornecedores, cultivadores de orgânicos das serras fluminenses, artesanais de fazendas mineiras ou ainda de grandes fornecedores do Exterior. Supre-se a falta de morangos, por exemplo, no mercado interno, o que acontece por quatro meses ao ano, importando-o, nesse tempo, da Califórnia. Frutas secas e frescas de climas temperados podem vir dos Estados Unidos, da Itália, de Portugal; os alhos, da Espanha; as cebolas, da Argentina; frutas tropicais, da Colômbia. É uma ópera bem orquestrada regida pelo calendário global de safras.

Se o reino das frutas talvez seja o que nos ofereça mais novidades, o das hortaliças também é movimentado. Cogumelos de vários tipos, asiáticos e europeus, produzidos na região de Mogi das Cruzes, miniverduras e flores comestíveis, especialidades da gastronomia. Se formos prospectar as prateleiras dos supermercados, a diversidade de molhos, cereais, grãos, massas, laticínios e bebidas nos fará dar a volta ao mundo em algumas horas. Nas do Zona Sul, grupo carioca, encontro o sofisticado biscoito de especiarias holandês Speculaas, já feito no Brasil; na Basilicatto, em São Paulo, as cipollinas importadas da Itália; no Empório Santa Maria, também na capital paulista, preciosidades como a pimenta-longa da Indonésia e o ras-elhanout da Tunísia. O melhor de tudo é que não há mais preconceitos com relação à oferta: jaca ou mangostim, pimentas do Pará ou da Ásia, tudo tem seu lugar na vida do consumidor.

Os mercados brasileiros colocam à disposição de seus clientes cerca de 50 variedades de manga