Embora viajar para o Nordeste seja quase sempre sinônimo de praias e coqueiros.

Há pouco mais de uma década, o empresário Eduardo Bagnoli era chamado de louco ao dizer que o sertão nordestino Hpoderia se transformar num dos grandes pólos de turismo do Brasil. Não desistiu de suas idéias e agora, mais que nunca, reúne argumentos para defender os seus projetos e opiniões. Nesta entrevista à revista PLANETA, Bagnoli explica o que há de tão especial nessa região brasileira. Experiente, também chama a atenção para a proteção ambiental do semiárido e diz que o preconceito é um dos motivos que impedem o crescimento do turismo no interior do Nordeste.

Para a maioria das pessoas, viajar pelo Nordeste é sinônimo de praia. O que lhe faz pensar que o sertão pode se tornar um grande pólo de turismo?

Primeiro, saber que os atrativos dessa região brasileira são similares e tão importantes quanto os de outros lugares no mundo, que recebem milhares de turistas todos os anos. O Nordeste possui paisagens únicas, centenas de sítios arqueológicos, cavernas, formações geológicas incríveis e muita coisa para ser descoberta.

Segundo, porque eu vejo o turismo em regiões de árido e semiárido como uma tendência mundial. Atualmente, esses locais são grandes pontos de visitação em todo o mundo.

Para dar apenas uma idéia, no Exterior, aproximadamente 70% do ecoturismo e do turismo de aventura são realizados nesses tipos de regiões, como na Patagônia argentina e na chilena, no Deserto do Atacama, nos parques nacionais do Meio-Oeste dos Estados Unidos, na África do Sul e nos desertos do Marrocos, da Tunísia, do Egito e, principalmente, da Austrália.

O açude Gargalheiras, na região do Seridó, sertão do Rio Grande do Norte, que já recebe a visita de milhares de turistas todos os anos.

“O preconceito é um dos grandes impedimentos para que o turismo chegue ao interior do Nordeste”

E essa tendência se deve a quê?

Um dos motivos é que, em todo o mundo, o ser humano ocupou primeiro as áreas mais propícias à pecuária, à agricultura e à industrialização. Sobraram então os desertos e regiões mais secas, que foram deixados de lado. Isso fez com que, além da paisagem, grupos étnicos primitivos, bem como as suas culturas, fossem preservados nessas regiões remotas.

Hoje, são essas culturas que interessam ao estrangeiro, aos viajantes do Exterior, que querem descobrir locais inexplorados, costumes distintos. Além disso, nessas regiões você pode fazer turismo praticamente o ano inteiro, pois nelas quase não chove e as estações são bem definidas, o que é muito bom para o turismo.

E por que o senhor acha que esse potencial ainda não foi aproveitado no Brasil?

Costumo dizer que o preconceito é um dos grandes impedimentos para que o turismo chegue ao interior do Nordeste. Não o único, obviamente, mas um grande empecilho, principalmente por ter raízes históricas e culturais profundas.

Temos isso muito arraigado: na escola, por exemplo, temos como base a obra de escritores nordestinos renomados, como Graciliano Ramos e Raquel de Queiroz cujos livros fazem da seca e seus efeitos negativos o maior argumento narrativo.

Por conta dessa visão estereotipada e mais ligada ao passado é que até hoje o Nordeste é sempre associado a pessoas e animais sofrendo e morrendo de sede. Possui, porém, várias regiões e atrativos naturais e culturais que podem servir de base para o desenvolvimento do turismo sustentável e a erradicação da miséria crônica, que dispõe de poucas alternativas para ser combatida.

Quais seriam esses exemplos?

Posso assegurar que um marco nesse sentido é o trabalho desenvolvido na região do Cariri paraibano, mais especificamente no Lajedo do Pai Mateus, situado no município de Cabaceiras, na Paraíba. Em 1997, eu comecei a levar turistas para lá. Entre 2000 e 2004, somente a minha empresa levou mais de 3 mil escandinavos. Seguindo os meus passos, uma empresa concorrente também investiu no sertão e levou mais de 5 mil escandinavos para a região.

Atualmente existem muitas agências nacionais e estrangeiras levando turistas para o interior do Nordeste, embora esses locais do sertão ainda permaneçam desconhecidos para a maioria dos brasileiros.

O viajante brasileiro conhece a Patagônia, o Atacama, os parques nacionais do Meio-Oeste norte-americano, contudo, nunca foi aos parques nacionais da Serra da Capivara e Sete Cidades no Piauí, à Chapada Diamantina na Bahia ou ao próprio Lajedo do Pai Mateus, na Paraíba.

Para se ter uma idéia da dimensão do problema, a Serra da Capivara recebe 10 mil visitantes por ano, enquanto em um local com atrativos semelhantes no deserto australiano, o Parque Nacional de Kakadu, a visitação anual é de 260 mil pessoas.

Esses dois lugares possuem lindas paisagens naturais e abundantes pinturas pré-históricas milenares, mas, diferentemente daqui, têm visitação largamente incentivada por um grande programa de marketing.

E qual seria o caminho para isso?

Infelizmente, chego à conclusão de que para explorar o turismo do Nordeste é necessário focar primeiro no turista estrangeiro e, chamando a sua atenção, motivar assim o brasileiro.

Arrisco afirmar que os brasileiros ainda precisam de alguém para dizer que o que temos aqui no Brasil é bom. O majestoso Lajedo do Pai Mateus, na Paraíba, agora cogitado para fazer parte da seleta lista de Patrimônios Naturais da Humanidade, está apenas começando a ser notado pelos brasileiros.

E há estrutura para receber esses visitantes?

O Nordeste já tem a estrutura necessária? Claro que o interior não tem o mesmo padrão do litoral, com hotéis cinco-estrelas, resorts. Mas tem hotel bom, tem estrada boa, tem um povo hospitaleiro. A região está se desenvolvendo rapidamente, está bem servida de estradas, que são uma das moedas de troca dos políticos da região. Tem hotéis de padrão quatro- estrelas, como nas cidades de Mossoró, no Rio Grande do Norte, e Campina Grande, na Paraíba. Esta última, por exemplo, tem até vôos diretos de São Paulo.

E o que mais é necessário para se avançar nesse sentido?

É necessário mais investimento, claro, mas também é preciso uma postura ética e patriótica que se contraponha à manutenção dos antigos estereótipos negativos.

O desenvolvimento sustentável dessa região, com base no turismo, pode representar a erradicação de boa parte da miséria e da má distribuição de renda que ainda hoje atingem vários Estados do Nordeste.

Guia turístico mostra as pinturas rupestres existentes no município de Currais Novos, no Seridó, no sertão do Rio Grande do Norte.

“Os brasileiros ainda precisam de alguém para dizer que o que temos aqui no Brasil é bom”

Infelizmente, para os nossos políticos, o turismo ainda não tem a relevância que merece, por mais que haja uma tendência mundial de crescimento do setor.

Mas não há projetos por parte do governo?

Sim, há projetos, mas sempre calcados no imediatismo, sem um planejamento. A região do Seridó, uma das mais pobres do Rio Grande do Norte, tem muitos sítios arqueológicos e forte cultura tradicional, com imensas belezas naturais.

Antes de incentivar a visitação a essa região – como hoje acontece -, devese garantir a preservação desse rico patrimônio, por intermédio da criação de unidades de conservação.

Deve-se também estabelecer a “capacidade de carga” para cada atrativo, estimando-se o número máximo de visitantes que podem receber por dia, sem que essa visitação implique danos ao meio, à sua integridade.

E é preciso traduzir tudo isso para a linguagem turística, o que significa fazer um museu, criar “ícones” da região. O vaqueiro, com o seu gibão de couro e o tatu, bicho resistente e encouraçado, poderiam muito bem ser utilizados nas campanhas de marketing da região.

Também a carne-de-sol e o delicioso queijo-de-coalho representariam bem o Nordeste. Por sua vez, o Seridó é um lugar de extrema importância para a pré-história brasileira.

No entanto, ali não existe um museu arqueológico de grande porte e moderno, que esteja à altura de toda essa ancestralidade e que desperte a curiosidade dos visitantes.

E a questão ambiental? Um avanço do turismo nessa região não poderia gerar um problema nesse sentido?

Por isso é que não se pode ser imediatista. Não existe turismo que tenha por base um atrativo natural, se não for criada uma unidade de conservação capaz de proteger o lugar e seu entorno.

É fato: assim que um lugar se transforma em atrativo turístico, começa a sua exploração comercial e o seu uso predatório. Há vários exemplos disso. Em Martins, cidade serrana do Rio Grande do Norte, existe a Casa de Pedra, uma das maiores cavernas brasileiras esculpidas, ao longo de milhões de anos, em mármore.

Porém, ela sofreu sérias depredações que impedem hoje a sua recuperação e retiram dela a beleza que poderia garantir a perpetuação de sua visitação e contribuição para o desenvolvimento econômico daquela área.

O que me consola é que a maioria desses lugares já está mapeada. E não podemos deixar que ocorram mais problemas nesse sentido. Isso, se houver vontade política.