Na década de 1980, a situação econômica dos indígenas de San José de Uchupiamonas era crítica. Seus habitantes viviam isolados. Estavam a dez horas de canoa do povoado de Rurrenabaque e longe de qualquer pro- Nduto básico, como combustível, sal ou sabão.

Embora tivessem consciência de que destruir a mata não daria um futuro melhor a seus filhos, alguns membros da comunidade já viam o desmatamento como opção. Outros estavam prestes a abandonar suas terras para buscar uma sobrevivência na cidade, mesmo precária. Por isso, os líderes comunitários precisavam encontrar uma alternativa econômica para evitar o esvaziamento da população.

Foi um lago de águas límpidas e serenas que inspirou o sonho: construir às suas margens uma pousada ecológica que pudesse receber visitantes estrangeiros em busca de um maior contato com a natureza. E que, ao mesmo tempo, pudesse ser uma fonte de sustento para a comunidade. A proposta foi batizada com o nome do lago, Chalalán.

O destino fez com que o projeto estivesse intimamente ligado a uma desastrada aventura na Amazônia. Em 1982, o jovem israelita Yossi Ghinsberg e três amigos partiram para uma jornada no rio Tuichi, em busca de ouro. Deu tudo errado e Yossi se perdeu na floresta durante 20 dias. Teria morrido se não fosse resgatado pelo boliviano Tico Tudela. “Yossi foi encontrado em estado crítico. Só pensava em comer. Era sua obsessão nos primeiros dias depois do resgate”, lembra Tudela.

Ghinsberg transformou sua desgraça em um best-seller, Selva, que se tornou um dos principais promotores do turismo da região. A obra virou leitura obrigatória para todo jovem israelense que, após fazer os três anos de serviço militar obrigatório, visitasse a América do Sul. Os primeiros visitantes eram israelenses que vieram conferir se a história do livro era real. O fato era verídico e Tudela começou a receber cada vez mais visitantes.

Talvez para agradecer por estar vivo, Ghinsberg reencontrou, dez anos mais tarde, os chefes de San José de Uchupiamonas, que também haviam dado apoio no resgate. Como ele havia se perdido perto da comunidade, Ghinsberg resolveu auxiliar os indígenas com o projeto da pousada.

A proposta da comunidade, depois de passar por inúmeros corredores burocráticos, foi finalmente aprovada em 1995. Recebeu o apoio técnico da ONG Conservação Internacional e uma ajuda econômica de quase US$ 1,5 milhão do Banco Interamericano de Desenvolvimento. Graças a essa soma, o sonho começou a se tornar realidade.

A POUSADA MUDOU radicalmente o destino de San José de Uchupiamonas. Chalalán foi a primeira empresa de ecoturismo na Bolívia a pertencer e ser administrada por uma comunidade nativa. Metade das ações é da Organização Territorial de Base, ou seja, da comunidade. A outra metade pertence a 74 famílias, aquelas que acreditaram na idéia desde o início.

Zenón Limaco, um dos fundadores da empresa, diz que a história de Chalalán representa uma experiência única na região. “Serve como exemplo internacional. Foi uma iniciativa que buscou – e encontrou – sustentabilidade para toda uma comunidade indígena”, afirma ele. “Fomos caçadores e até mesmo vendedores de carne de animais selvagens na cidade de Rurrenabaque. Éramos obrigados a destruir a natureza e os animais da floresta para sobreviver. Hoje, temos uma proposta diferente: trabalhamos com animais vivos e árvores em pé”, acrescenta.

Mais do que apenas construir uma pousada, Limaco lembra que foi necessário fazer um pacto de paz com a natureza. Chalalán precisava de uma floresta em excelente estado de conservação para atrair os ecoturistas. Afinal, ninguém vai à Amazônia para ver destruição. O pacto deu certo e Chalalán começou a receber visitantes desde 1999. Alguns até ilustres, como o ator Brad Pitt, que visitou a pousada em anonimato, e o príncipe Joaquim da Dinamarca.

Henrique Vilka é o contador da empresa Chalalán. “Em 2007 foram 1.350 visitantes, quase todos estrangeiros. A receita vem crescendo, e no ano passado movimentamos US$ 430 mil”, diz. “Nossa empresa pagou ao Estado boliviano impostos no valor de US$ 50 mil.” Em um país onde o comércio informal impera, o fato de um empreendimento indígena pagar seus impostos é um exemplo admirável.

A empresa Chalalán traz, anualmente, vários benefícios à comunidade de San José de Uchupiamonas. O lucro gerado pela pousada é investido em melhorias no povoado e até pagou parte da construção da escola secundária. Como o projeto já possui certa notoriedade, não é difícil encontrar novos parceiros que queiram apostar no lugar. O posto de saúde foi criado assim, com a ajuda da cooperação espanhola. Hoje, ele conta com enfermeiros como Sandro Alves. “Sou da comunidade, mas saí para me formar em La Paz como enfermeiro. Depois de alguns anos, regressei. Meu lugar é aqui”, afirma ele. O mais importante é que Alves trouxe o conhecimento de volta para sua terra natal.

Uma das grandes vitórias dos indígenas de San José de Uchupiamonas foi a demarcação de suas terras. Como a pousada e o vilarejo estavam dentro dos limites do Parque Nacional Madidi, eles receavam que uma mudança de ventos ou humores políticos pudesse vir a prejudicar o empreendimento. Assim, solicitaram ao governo boliviano que sua área fosse considerada como uma Terra Comunitária de Origem, depois de comprovado que a comunidade sempre havia habitado aquele território. Uma carta do Banco Interamericano de Desenvolvimento apoiando o pedido foi vital para que o processo fosse aprovado rapidamente. O resultado, hoje, é uma área demarcada de 210 mil hectares.

As cabanas da pousada foram construídas seguindo um desenho tradicional indígena. Todo o material foi coletado de forma sustentável. O telhado, por exemplo, foi montado com folhas da palmeira “jatata” e tem uma vida útil de 20 anos. A filosofia é a do impacto mínimo. O esquema ecológico inclui o tratamento das águas e o uso de energia solar. Cada cabana foi construída com cuidado e carinho pelos membros da comunidade. Gente das 74 famílias envolvidas participou do mutirão.

O lago Chalalán, dentro do Parque Nacional Madidi, é um pedaço de paraíso que a comunidade indígena San José de Uchupiamonas soube transformar em um empreendimento ecoturístico de sucesso. Ali impera a sensação de liberdade tropical: uma criança do vilarejo de San José de Uchupiamonas salta nas águas do rio Tuichi.

O SERVIÇO DA POUSADA foi outra preocupação. Para montar uma boa equipe, foram necessários tempo e muita persistência. O líder Freddy Limaco conta que 100% das pessoas que trabalham hoje na pousada são da comunidade. “Desenvolvemos programas de treinamento porque sabíamos que não poderíamos crescer sem uma capacitação adequada. Temos jovens preparados para o serviço de guias, de cozinha ou de arrumação dos bangalôs. Todos foram treinados para oferecer um serviço de qualidade”, observa Limaco.

Com um pé em cada mundo – o indígena e o ocidental -, os membros da comunidade criam uma fusão harmoniosa entre as duas culturas. Por exemplo, o restaurante da pousada, além de oferecer a cozinha internacional, também disponibiliza pratos da culinária nativa, como o peixe assado dentro de folhas de bananeira. O pacote Chalalán também inclui a cultura indígena. Os membros da comunidade fazem questão de compartilhar sua música, dança e até rituais. A tradicional oferenda de folhas de coca à Pacha Mama, a Mãe- Terra, é ensinada a todos os visitantes interessados.

Desde o início da construção da pousada, a natureza voltou a ser respeitada ali. Caminhar por uma das trilhas de Chalalán é como estar em um curso de biologia ao vivo. A sala de aula borbulha em riquezas naturais: existem cerca de 6 mil espécies de plantas em Madidi. O Parque Nacional concentra uma das maiores diversidades de plantas endêmicas do mundo, que somente ali nascem e podem ser vistas. Essa abundância é o que atrai o viajante ávido para conhecer um ambiente natural exuberante e, mais importante, não manipulado pelo seres urbanos.

O Parque, criado em 1995, oferece uma grande variedade de pisos ecológicos, pois as altitudes variam de 180 a 6.100 metros. Madidi protege umas das áreas mais ricas do planeta em biodiversidade, os Andes Tropicais. A região é considerada pelos cientistas como hotspot, um ponto prioritário para os esforços de conservação.

Uma prova de que o ambiente é seguro para os animais é que macacos aparecem agora com mais freqüência no alto das árvores que circundam a pousada. Cedo pela manhã ou ao entardecer é a vez dos pássaros envolverem Chalalán com uma sinfonia de cantos. Das 2.600 espécies de aves da América do Sul, 1.100 vivem em Madidi!

Os habitantes de San José de Uchupiamonas conseguiram provar que é possível, em menos de duas décadas, transformar uma comunidade. Para isso, foi preciso ter competência e criatividade para planejar o projeto e o compromisso de todos para realizar o sonho. Eles souberam ultrapassar os desafios, sem corromper valores sagrados e tradições. Ontem, eram agentes da destruição da Amazônia. Hoje, são ativos guardiões da floresta – e empresários turísticos que podem dar lições de responsabilidade social.