Os afegãos estão cada vez mais decepcionados com a intervenção ocidental e voltam a confiar nos talibãs. Mas a própria palavra talibã já não é a mais apropriada para designar esses militantes armados. Os novos grupos de guerrilheiros agora são variados, atuam em todo o território e agem cada um por sua conta. O objetivo de suas ações, no entanto, permanece o mesmo: expulsar do país os ocupantes estrangeiros, considerados infiéis e bárbaros pelo islamismo radical ali reinante.

Esses novos rostos de insurgentes guerrilheiros são chamados de neotalibãs. Suas táticas de luta são simples: não existe definição clara de suas frentes de batalha e nem dos campos onde eles são treinados e se preparam para os ataques. São agricultores e estudantes de teologia islâmica que se engajam na guerrilha.

Os neotalibãs são milhares. Eles se tornaram pragmáticos, juram à população terem abandonado métodos primitivos como os apedrejamentos e os enforcamentos públicos. São superarmados e, sobretudo, dominam mais da metade do território nacional. Tentam ser reconhecidos pela população como um exército de resistência, um pouco como o Hezbollah tenta fazer no Líbano.

Dominam as províncias de Farah, Nimroz, Helmand, Kandahar, Uruzgan, Zabul, Paktlika, Ghazni, Wardak, Paktia, Khost, Nangarhar, Kunar e Nuristan. Sua imaginária linha de frente, no momento, engloba inclusive a área de Cabul, embora ainda não tenham conseguido penetrar no perímetro urbano da capital. Mas toda a parte sul do Afeganistão voltou a ser campo de batalha pelo controle do país.

UM RELATÓRIO DE 406 páginas circula em todas as embaixadas e consulados de Cabul, contendo dados sobre os mais recentes avanços dos estudantes corânicos. Ele se intitula “The Retourn of the Taliban” (O Retorno do Talibã) e foi publicado na Inglaterra pelo Security and Development Policy Group (Senlis), um dos mais importantes centros mundiais de estudos sobre relações entre política estrangeira, desenvolvimento, atividades militares e combate ao tráfico de drogas.

AS PREMISSAS DO relatório são assustadoras. Com base na pesquisa do Senlis, 88% dos homens afegãos consideram o Ocidente empenhado numa guerra de religião contra o Islã; 50% dizem que os ocidentais são desonestos; 48% que são egoístas; 46% que não respeitam as mulheres; e terríveis 49% esperam e acreditam em Osama Bin Laden como o seu grande vingador.

Segundo os especialistas, isso não significa que a Al Qaeda tenha ampliado sua influência no Afeganistão. Pelo contrário, “o movimento de inssurreição – afirma o relatório – pode ser descrito hoje como uma coalisão de grupos antigovernamentais que com freqüência operam de maneira independente e nos quais a Al Qaeda e as diversas facções militares operantes no país não desempenham um papel significativo”.

Os grupos de neotalibãs são constituídos por nacionalistas da etnia pashtum, conservadores islâmicos, afegãos que perderam o contato com suas raízes e seu modo tradicional de vida, instrutores militares oriundos do Paquistão e dos países árabes, bem como afegãos mercenários recrutados com dinheiro ou obrigados a combater sob ameaças.

O chefe de polícia de Kandahar, a mais importante cidade do Sul, revela: “Aqui, os talibãs estão em toda parte. Os ocidentais não sabem distingui- los no meio da população, mas os moradores locais sim. As meninas e moças não podem mais freqüentar as escolas, as mulheres permanecem em casa e todos os homens deixam a barba crescer. Certos homens são recrutados com a promessa de um salário mensal de US$ 500, enquanto um policial governamental ganha apenas US$ 80, e com freqüência apela-se para o desespero daqueles que vivem nos campos de refugiados.”

Da mesma forma que seus predecessores, os neotalibãs adotam uma interpretação extremista do islamismo sunita. Mas, do ponto de vista militar, eles evoluíram, adotando agora ações terroristas de forte impacto, desenvolvendo uma guerra dinâmica, altamente organizada e munida de armas sofisticadas e táticas de guerrilha tradicional. O relatório aponta ainda o Paquistão como principal implicado na coordenação, financiamento e organização da insurreição.

Como antigamente, o recrutamento acontece nas madrassas e mesquitas do Paquistão e das províncias do sul do Afeganistão, mas o novo reservatório de combatentes são os campos de refugiados.

QUANTO ÀS ARMAS E munição, o relatório explica que “ao longo da fronteira paquistanesa existe uma florescente indústria especializada na produção de armas copiadas de modelos estrangeiros. Os preços são muito baixos: uma metralhadora Ak 47 é vendida por US$ 250. Com freqüência são os próprios soldados do governo que vendem suas armas, e muitos dos seus comandantes estão envolvidos com o tráfico. Uma bazuca custa apenas US$ 40, um morteiro de 82 milímetros, não mais de US$ 60, e uma peça de artilharia de calibre médio, entre os US$ 80 e US$ 100.

Os neotalibãs também dispõem de armas mais sofisticadas, como os lança- foguetes RPG, que chegam via Usbequistão e Tagiquistão, provenientes da China e do Irã. A tudo isso se somam as mais de 30 mil armas depostas pelos 63 mil militares reformados há quatro anos pelo presidente Karzai. Acusado de ser submisso aos interesses dos Estados Unidos, Karzai é odiado pelos insurgentes.

TAMBÉM NA ÁREA da propaganda e do marketing, os neotalibãs se modernizaram. Sua produção de cassetes, DVDs, jornais e revistas cheios de imagens pode ser encontrada com facilidade nos bazares de Kandahar, glorificando as ações de insurreição e condenando os “invasores”. Uma fotografia publicada num desses jornais mostra um soldado ocidental que revista uma mulher afegã, tocando-a e, portanto, profanando-a. O movimento transmite suas mensagens a partir de uma rádio pirata chamada A Voz da Sharia. Em pelo menos duas províncias foram criados sites na internet que continuamente exibem vídeos de ataques às forças estrangeiras e transmitem mensagens atribuídas ao Mulá Omar.

Na origem dessa situação explosiva – conclui o relatório –, está a falência da política ocidental no Afeganistão. De uma missão antiterrorismo passou-se a uma atividade antiinsurrecional. A presença da ONU e da Otan tornou-se parte do problema, e não mais instrumento de solução.

Os talibãs se fortalecem e estão em contínua ascensão. Para os observadores mais importantes, mesmo que eles não consigam retomar o poder, a batalha civil já está perdida no Afeganistão.

Um fracasso atrás do outro

Há exatos seis anos, os acontecimentos de 11 de setembro de 2001 colocaram em confronto duas culturas globais – a democracia ocidental e o terrorismo muçulmano – da maneira mais dramática possível. Os Estados Unidos lideraram uma resposta militar aos atentados, lançando importantes operações militares no Afeganistão. Sua promessa de acabar com o Talibã e remover as bases terroristas no país foi recebida com muito entusiasmo por parte da população afegã.

Essa ação militar, infelizmente, falhou inteiramente em alguns dos seus objetivos mais importantes. Não conseguiu conter e muito menos eliminar a produção e o tráfico de narcóticos que continua a florescer no Afeganistão. Também não teve sucesso em criar no país uma infra-estrutura mínima de saúde, educação e alimentação.

Hoje, sobretudo na região sul, há grandes bolsões de miséria e fome, e pouco ou nada foi feito para solucionar o problema dos campos de refugiados. As tropas da ONU e o governo do atual presidente, Amid Karzai – aliado dos Estados Unidos e odiado pelos insurgentes, – fracassaram por completo em termos de segurança.

Qual a razão de uma bancarrota tão generalizada? Especialistas dizem que ela é devida sobretudo à incapacidade ocidental de compreender – e respeitar – a particular visão de mundo da população local, que é muito diferente da visão de mundo ocidental. Os afegãos se identificam basicamente com o mundo islâmico, e seu sentido de identidade é estreitamente ligado ao Islã e à Umma – a comunidade islâmica mundial.

Para saber mais Leia o relatório completo do The Senlis Council sobre o retorno do Talibã, no site http://www.senliscouncil.net/modules/publications/ 014_publication