Na varanda do escritório no 17º andar de um edifício na Savassi, região nobre de Belo Horizonte, Rodrigo Cartacho, um dos fundadores da empresa Sympla, aponta os prédios na paisagem urbana do San Pedro Valey. “Daqui de cima dá para a gente ver umas cinco startups. Na festa de inauguração deste escritório, toda hora alguém dizia: ‘Olha lá, dá pra ver o meu escritório daqui’”, relembra. O boom de empresas de inovação nessa área do centro-sul da cidade começou em 2011 e já gerou uma vasta comunidade de empreendedores concentrada em bairros do centro da capital. 

Por definição, startups são empresas jovens e embrionárias, às vezes em constituição, com projetos promissores de pesquisa, investigação e desenvolvimento não necessariamente de informática, mas frequentemente trabalhando com tecnologia de informação, porque é bem mais barato criar uma empresa de software do que uma indústria. Grandes empresas inovadoras como Google, Yahoo! e Facebook algum dia já foram startups.

Na arborizada capital mineira de 2,5 milhões de habitantes, as empresas que procuram modelos de negócio originais acabaram se concentrando numa mesma região. “São Pedro é uma área bastante acessível em comparação com outras zonas nobres. Também oferece um ótimo custo-benefício porque engloba bairros próximos a áreas comerciais importantes, como Lourdes, Cidade Jardim ou Funcionários”, explica Matt Montenegro, um dos fundadores da startup BEVED.
 

De tanto trombarem uns com os outros nas padarias e ruas do bairro, os novos empreendedores instalados na região começaram a brincar que estavam numa espécie de Vale do Silício mineiro, e o nome San Pedro Valley pegou. Atualmente, já são mais de 150 empresas integrando a comunidade, que está se espalhando para outros bairros.

Mas se engana quem pensa que a proximidade entre as empresas é apenas geográfica. “O San Pedro Valley virou mais um conceito do que um local. É uma comunidade que já existia antes mesmo de ter esse nome”, explica Cartacho. Ao contrário de muitos mercados, nos quais a competição e a desconfiança são as regras do negócio, o de San Pedro Valley parece trabalhar na lógica oposta. “O grande destaque daqui é a troca de experiências entre os empreendedores sem nenhum tipo de contrapartida”, afirma Tomás Duarte, um dos fundadores da TRACKSALE. 

Os “startupers” não apenas conversam abertamente sobre o andamento de seus negócios como também se apoiam mutuamente ao usarem os produtos dos colegas. “Quando alguém novo está em treinamento, eu sempre brinco que vamos ensinar a ele como usar o trabalho de umas 30 startups. Utilizamos o tempo todo ferramentas desenvolvidas por outras empresas como nós. É mais um dos motivos pelos quais queremos que a comunidade cresça como um todo, e não apenas o nosso negócio”, afirma Cartacho. 


De fato, muitas companhias do San Pedro Valley estão decolando. A própria SYMPLA é um exemplo. Em 2012, ano em que foi criada, a startup faturou R$ 500 mil. No ano seguinte, R$ 5 milhões. E a projeção para este ano é de R$ 20 milhões. De acordo com Vitor Peçanha, cofundador da ROCK CONTENT, uma das pioneiras do San Pedro Valley, já existem dez empresas da região que faturam mais de R$ 1 milhão por ano. A mais famosa da atual geração é a Samba Group, considerada pela revista americana Fast Company uma das dez empresas mais inovadoras da América do Sul, e que caminha para deixar de ser uma startup e tornar-se uma empresa madura. 

 

Mercado mineiro

A pioneira que lançou Belo Horizonte no cenário da inovação chamase Akwan. A empresa de buscas na internet desenvolvida por professores da Universidade Federal de Minas Gerais foi comprada em 2005 por ninguém menos que o Google. A gigante da internet queria abrir um centro de pesquisas na América Latina, e a compra da Akwan levou ao lançamento de um escritório em Belo Horizonte. A partir daí, a capital mineira começou a crescer em importância na área de tecnologia e a se mostrar como uma alternativa viável a São Paulo e Rio. O advento do San Pedro Valley foi mais uma fase dessa empreitada. “Belo Horizonte está se tornando um marco na cena de startups da América Latina e do mundo. Ainda é cedo para dizer como somos vistos de uma forma mais profunda, mas, de modo geral, já figuramos nas listas da Forbes, e Economist, Fast Company e outras publicações globais”, aponta Matt Montenegro. 

Se a palavra de uma revista como indicativo do sucesso de Belo Horizonte como polo de inovação for discutível, a vinda de profissionais de outros países é um fato. Andrew Charles Travis, CEO da SENSIMOB INC., é um deles. No ano passado ele veio de San Francisco, nos EUA, para participar do programa Start-up Brasil, financiado pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). “Ficamos sabendo do San Pedro Valley assim que chegamos e estamos ativamente envolvidos na comunidade de start-ups desde então”, diz Travis. “Me parece ser um ecossistema que cresce rapidamente com o grande talento local.” 

A qualidade de vida na capital mineira, aliada ao ecossistema empreendedor gerado pelo San Pedro Valley e ao baixo custo de vida em relação a outras metrópoles, também contribui para atrair  empreendedores de outros Estados. O cearense Jorge Rocha e o alagoano Paulo Tenório, fundadores do Traktopro, se mudaram para Belo Horizonte no início deste ano e lançaram o primeiro produto da sua startup já em terras mineiras. Em Fortaleza, Rocha largou a agência de publicidade e desenvolvimento de software que tinha montado para lançar a startup com o sócio. Não são poucos os empreendedores que seguem o mesmo caminho e saem de empregos tradicionais para começar um negócio em forma de startup. “Já trabalhei em banca de revista, já fui ambulante e no final acabei com uma agência, mas larguei para ir para o Traktopro. Quero é trabalhar com o meu sonho, e não com o sonho do cliente”, diz Rocha. 

Caminho das pedras

Para tornar o sonho realidade, Rocha, Tenório e outros que querem criar um negócio a partir da inovação têm antes de superar a barreira do financiamento e da viabilidade econômica. “Para jovens que iniciam suas startups, o acesso ao capital é ainda mais desafisador. De acordo com a consultoria global de pesquisas EY, 43% dos jovens empreendedores brasileiros consideram o acesso a capital ‘muito difícil’ ante 15% dentre o total de entrevistados no país”, afirma Flávio Machado, sócio líder da EY em Minas Gerais.

O TRAKTOPRO, por exemplo, em menos de dois meses já alcançou cerca de 3.500 downloads no Brasil e em países como África do Sul, Irlanda, EUA e Japão. Mas ainda não gera dinheiro. “Ainda não estamos faturando com o aplicativo porque o disponibilizamos totalmente de graça. Mas já estamos trabalhando em maneiras de gerar renda”, explica Rocha.

Sem a fonte de renda do trabalho anterior e sem os lucros que o Traktopro ainda não gerou, os empreendedores nordestinos procuraram uma ajuda externa para tocar o negócio. Acabaram indo bater no programa Seed (Startups and Entrepreneurship Ecosystem Development), criado pelo governo estadual com o objetivo de fomentar o desenvolvimento de startups em Belo Horizonte e estimular o crescimento do San Pedro Valley. Na primeira etapa, 40 startups foram selecionadas para receber cada uma um aporte de até R$ 80 mil, parte dos quais será dada em forma de bolsas de R$ 2 mil mensais para cada um dos fundadores durante seis meses. Dessas empresas, oito são estrangeiras e seis são de outros Estados do Brasil. 

Em março, outras 40 companhias foram selecionadas para participar de uma segunda rodada do programa. “Também temos mentorias com grandes nomes do cenário empreendedor e um espaço compartilhado que pode ser usado para reuniões e eventos, além de fornecer formação técnica e pessoal, em que o empreendedor é levado a repensar suas próprias habilidades”, explica Leandro Campos, gerente do programa Seed. Ou seja, além de entrar com o recurso financeiro, o Seed fornece algo essencial ao desenvolvimento das startups: o ambiente empreendedor. 

É fácil perceber a aura inovadora ao se entrar na sede do programa. O local não lembra em nada o ambiente corporativo tradicional. Como acontece nas companhias de inovação tecnológica, como o Google, a ideia é mostrar um ambiente colorido e descontraído, no qual os empreendedores tenham prazer em trabalhar. Logo na entrada, uma janela de vidro dá para uma piscina de bolinhas azuis e vermelhas, na qual se pode entrar pulando em um alçapão. No andar superior, há uma mesa de sinuca e uma cozinha americana, com geladeiras, máquina de café e micro-ondas. Canecas no secador indicam que cada um tem que lavar o que suja. O Seed parece uma mistura de albergue com campus, com design de bom gosto. A atmosfera de troca de experiências faz lembrar um centro acadêmico.

Obviamente, engana-se quem pensa que os “startupers” passam o dia na mamata. Na noite que a reportagem visitou o Seed, a piscina de bolinhas estava vazia e a sala de eventos, cheia. As mesas eram ocupadas por empreendedores e notebooks, a maioria, do sexo masculino, na faixa dos 20 aos 30 anos. Do lado de fora, na calçada, Matt Montenegro, da Beved, e Jorge Rocha, do Traktopro, conversavam com outros participantes do programa, Filipe Magalhães, da Say2Me, do Recife, e Guilherme Fuzatto, fundador da O X da Questão, de Ribeirão Preto (SP). 

Enquanto a repórter se juntava à conversa, uma senhora com um cachorro passou em frente ao Seed e, curiosa, perguntou: “Aqui é loja de quê?”. Todos se entreolharam por alguns segundos sem saber como responder. “É uma loja de gente”, disse Montenegro. “Não”, corrige Rocha, com seu sotaque nordestino. “Aqui é loja de sonhos.”