Micro e pequenas empresas brasileiras contam agora com uma nova forma de crescer: plataformas virtuais de captação de recursos – equity crowdfunding, em inglês. A ferramenta reúne empreendedores desejosos de criar ou expandir negócios e indivíduos com dinheiro no bolso, que querem dar um voto de confiança – e, claro, lucrar com isso.

O novo mecanismo da economia colaborativa funciona como uma bolsa de valores em escala reduzida, oferecendo a empresas com faturamento anual de até R$ 3,6 milhões o que antes era exclusividade das grandes companhias. 

As regras para o equity crowdfunding vêm sendo acordadas entre um grupo de  trabalho formado por empresas do setor e a Comissão de Valores Mobiliários (CVM), órgão regulador do setor. “A CVM tem mostrado disposição de regulamentar e melhorar as condições”, afirma Adolfo Melito, líder do grupo e consultor em economia criativa da Fecomercio-SP. 

Graças a isso, as normas implementadas até o momento são bastante generosas: as empresas podem arrecadar até R$ 2,4 milhões por ano e, para os investidores, não existem restrições de perfil, de valores ou lastro. A dinâmica é simples: quem busca recursos apresenta uma ideia, uma projeção de crescimento e oferece participação na empresa como retorno futuro. Quem se interessar oferece os valores que desejar e a taxa de juros condizente com o risco do negócio. Como num leilão reverso, as melhores ofertas ganham. Se o crescimento acontece como planejado, os investidores se tornam sócios.

Frederizo Rizzo, fundador da Broota, a primeira plataforma do tipo a operar no Brasil, no ano passado, acredita que o modelo está prosperando também porque não é um agente disruptivo do mercado – como os empreendimentos da economia colaborativa frequentemente são. “Estamos trazendo capital novo para esse mercado e isso é interessante para o BNDES, para os órgãos reguladores e para o capital de risco”, analisa.

Polemizando

Embora muito se fale em economia colaborativa, poucos sabem o que isso de fato  significa. O novo conceito, em essência, propõe uma mudança do tradicional formato fabricação-produto-preço-venda parao modelo de serviço-experiênciacompartilhamento de bens. Ela já movimenta bilhões de dólares, impulsionada por crises econômicas globais e pela busca de um mundo mais sustentável. 

Recursos que estavam ociosos se tornam fonte de renda, como o quarto de hóspedes que só recebia pó e agora já pode ser anunciado no Airbnb para acolher visitantes. Ou o carro que ficava parado na garagem pode ser cadastrado na rede de compartilhamento de veículos Fleety. Se está sobrando espaço na mala de viagem, basta se oferecer para trazer encomendas de compras em férias no exterior pelo Cabe na Mala. Ou, em alguma ocasião, pedir emprestado para o vizinho itens que só são usados uma vez a cada tanto, como uma furadeira, por meio do Tem Açúcar. 

Potencializada pela internet, que facilita o acesso à informação e a conexão com pessoas de todo o mundo, a economia colaborativa possibilita, a quem não se importa em dividir espaço e pertences com estranhos, fazer uma graninha extra. As polêmicas surgem quando essas novas frentes de negócios são encaradas como concorrência desleal pelo mercado tradicional. 

Quem coloca um quarto à disposição no Airbnb (a maior rede social de hospedagem do mundo, que já instalou 25 milhões de hóspedes em 34 mil cidades de 190 países) não precisa de alvará, não é fiscalizado pela Vigilância Sanitária nem paga impostos sobre seus rendimentos. Naturalmente isso incomoda o setor hoteleiro, que precisa atender a uma série de formalidades estruturais, legais e fiscais. 

Da mesma forma, o Uber e o UberPOP incomodam os taxistas, que fizeram, nos últimos meses, vários protestos de rua em diferentes capitais do mundo, inclusive São Paulo e Rio. Esses aplicativos – já proibidos na Alemanha, França, Espanha e Tailândia – comunicam passageiros com motoristas profissionais e não profissionais, respectivamente, driblando a exclusividade que os taxistas têm por lei e barateando o custo das corridas. 

Não é novidade que, nos setores em que a internet entra, os preços caem e demissões acontecem, mas também são criados outros postos de trabalhos e tudo se reconfigura. Com a economia colaborativa não é diferente, até porque ambas estão bastante entrelaçadas. Novas propostas se instalam por força da criatividade e da necessidade, que geralmente andam juntas. Resta ao mercado e ao governo correrem atrás para se adequar ao que a sociedade está buscando. 

Startups

Em junho do ano passado, a Broota fez uma captação para si própria. Em novembro, prestou o mesmo serviço para terceiros pela primeira vez, e em oito dias, o estúdio de design Cremme levantou R$ 100 mil para iniciar suas atividades. Rizzo explica que mais do que uma plataforma de captação, a Broota é uma rede social em que empreendedores, investidores e mentores podem se relacionar muito antes de uma rodada de investimentos.

Hoje já são mais de 200 startups cadastradas no Broota (nem todas prontas para captar) e mais de 500 investidores cadastrados. Destes, 150 já deram seu voto de confiança a alguma empresa iniciante. Segundo a experiência do executivo, os investidores buscam negócios inovadores e gostam de apoiar as causas em que acreditam. “É isso que promete impulsionar o equity crowdfunding”, afirma Rizzo. Mais de R$ 1 milhão foi movimentado na plataforma até janeiro. Para 2015, a meta é alcançar os R$ 4 milhões. 

As vantagens das plataformas são a maior proximidade com as empresas e a possibilidade de um ganho maior do que com ações de grandes companhias. O contrato padronizado evita gastos do investidor com assessoria jurídica a cada documento assinado. “O maior ganho é se tornar sócio e não lucrar com os juros. Na ponta do lápis, vale mais a pena colocar o dinheiro em renda fixa do que investir em startups, porque na bolsa de valores o ganho é menor, mas mais provável”, diz Rizzo.

Em breve outra plataforma deverá operar no Brasil: a Eusocio. “Estamos prontos para publicar pedidos de investimentos e já estamos conversando com algumas startups”, adianta Rafael Vasconcellos, sócio da plataforma. Ele destaca que o benefício social de incentivar o empreendedorismo é muito grande.

Embora esse tipo de operação esteja estreando no Brasil, em outros países já está bem mais madura. As operações de crowdfunding com retorno financeiro – o que não inclui o crowdfunding de doações e de recompensa – cresceram mundialmente nos últimos cinco anos, chegando a movimentar US$ 6,4 bilhões em 2014, segundo a Iosco (International Organization of Securities Commissions, uma organização das CVMs de todo o mundo). A maior parte desse total vem do P2P landing (comunidades de empréstimos pessoa a empresa e pessoa a pessoa), mas o Brasil não contribui com nada para isso.

Não por falta de iniciativa. Em 2010, a Fairplace foi a primeira tentativa do tipo no país. Mas o Banco Central jogou uma pá de cal sobre ela e qualquer outra que pensasse entrar no ramo, supostamente para proteger o negócio dos bancos. Criada por Eldes Mattiuzzo, ex-executivo do Unibanco, essa comunidade virtual punha em contato quem tinha dinheiro para emprestar e quem precisava de verba – fosse para um projeto pessoal, como reformar a casa ou pagar a universidade, fosse para turbinar um empreendimento, como a expansão do negócio ou compra de equipamentos. Um verdadeiro “Banco dos Pobres”, do economista bengali Muhammad Yunus, virtualizado e descentralizado.

Apesar de apenas intermediar o relacionamento entre as partes, a Fairplace foi denunciada pelo Banco Central ao Ministério Público por atuar como instituição fi nanceira. As operações foram interrompidas em dezembro de 2011. Embora os ganhos sociais fossem tão promissores quanto nos financiamentos empresariais, uma barreira foi levantada pelo mercado tradicional, que enfrentaria uma concorrência sem precedentes. “As possibilidades das comunidades de empréstimo P2P funcionarem aqui são remotas, porque os bancos dominam no país”, critica Adolfo Melito. 

A diferença, no caso do equity crowdfunding, é que foi criada uma categoria de “plataforma de investimento”, desvinculando o perfil das empresas do eixo de instituição financeira. E provando que, quando não há reservas de mercado, todos podem sair ganhando com a economia colaborativa. Principalmente a sociedade.