A Terra que nos mantém pode ser considerada em termos de diferentes esferas. Há a litosfera, composta pelas fundações rochosas do nosso planeta; a hidrosfera, que representa a água do nosso planeta; e a criosfera, que abrange as partes congeladas das regiões polares e das altas montanhas. A atmosfera é o ar que respiramos, e nós também fazemos parte da biosfera, dos organismos vivos da Terra. Essas esferas têm existido, de uma forma ou de outra, durante a maior parte dos 4,6 bilhões de anos de existência do nosso planeta. Mais recentemente, uma nova esfera surgiu – a tecnosfera.

A tecnosfera, no sentido em que a entendemos, é um conceito desenvolvido pelo geólogo e engenheiro americano Peter Haff, professor emérito na Universidade Duke, nos Estados Unidos. Assim como o Antropoceno (em geologia, a “idade recente do homem”), essa esfera está rapidamente cres­cendo em reconhecimento – tendo sido, por exemplo,­ foco de uma recente iniciativa da Haus der Kulturen der Welt (Casa das Culturas do Mundo), centro internacional de arte contemporânea em Berlim.

Tal como o Antropoceno, a tecnosfera é controversa, principalmente devido ao papel – e às restrições – que proporciona aos seres humanos. Ela sugere que, coletivamente, temos muito menos liberdade para guiar o sistema terrestre do que pensamos ter.

A tecnosfera engloba todos os objetos tecnológicos produzidos pelos seres humanos, mas isso é apenas parte dela. É um sistema, e não apenas uma crescente coleção de equipamentos tecnológicos. Essa distinção é crucial e pode ser ilustrada por uma comparação com o conceito mais estabelecido da biosfera.

Originariamente criado por Eduard Suess, geólogo austríaco do século 19, o termo biosfera foi desenvolvido como conceito pelo cientista russo Vladimir Vernadsky, já no século 20. Ele propôs que não se tratava apenas de uma massa de seres vivos sobre a Terra, mas da combinação disso com o ar, a água e o solo que mantêm a vida orgânica, e a energia do Sol, a qual, em grande parte, fornece-lhe energia. Mais do que a soma de suas partes, a biosfera se interconecta e se sobrepõe às outras esferas da Terra, ao mesmo tempo que apresenta suas próprias dinâmicas e propriedades emergentes.

Alterando a natureza

A tecnosfera, do mesmo modo, não engloba apenas nossas máquinas, mas também nós, humanos, assim como os sistemas profissionais e sociais por meio dos quais interagimos com a tecnologia: fábricas, escolas, universidades, organizações sindicais, bancos, partidos políticos, a internet. Também inclui os animais domésticos que criamos em grandes quantidades para nos alimentar, as plantações cultivadas para sustentá-los e para nos sustentar, e os solos agrícolas, que são extensivamente modificados a partir de seu estado natural para realizar essa atividade.

Cidade iluminada: consumimos energia em ritmo alucinante (Foto: iStockphoto)

A tecnosfera também inclui: estradas, ferrovias, aeroportos, minas e pedreiras, campos de petróleo e gás, cidades, rios e reservatórios projetados. Ela tem produzido quantidades extraordinárias de resíduos que vão desde aterros sanitários até a poluição do ar, do solo e da água. Uma “prototecnosfera” de alguma espécie sempre esteve presente ao longo da história da humanidade, porém, na maior parte do tempo, ela tomou a forma de áreas­ isoladas e dispersas de pouca significância planetária. Agora, ela se tornou um sistema globalmente interconectado – um novo e importante desenvolvimento em nosso planeta.

Quão grande é a tecnosfera? Uma medição grosseira consiste em realizar uma avaliação da massa de suas partes físicas, a partir de cidades e do solo escavado e modificado que constitui seus alicerces, até as terras agrícolas, as estradas, ferrovias, etc. Uma estimativa de ordem de grandeza chegou a cerca de 30 trilhões de toneladas de materiais que nós usamos, ou que usamos e descartamos, neste planeta.

As partes físicas da tecnosfera também são muito diversas. Ferramentas simples como machados de pedra foram feitas por nossos antepassados há milhões de anos. Mas tem ocorrido uma grande proliferação de diferentes tipos de máquinas e objetos manufaturados desde a Revolução Industrial e, especialmente, desde a “grande aceleração” de crescimento populacional, industrialização e globalização, em meados do século 20.

A tecnologia também está evoluindo cada vez mais rapidamente. Nossos antepassados pré-industriais viram pequenas mudanças tecnológicas de uma geração para a outra. Agora, em um espaço de pouco mais do que uma geração humana, os telefones celulares – para citar apenas um exemplo – foram apresentados ao público em massa e passaram por várias gerações.

Fósseis do futuro

Neste ponto, uma analogia pode ajudar a mostrar a natureza impressionante desse recém-chegado planetário. Geologicamente, objetos tecnológicos, incluindo os telefones celulares, podem ser considerados “tecnofósseis”, porque são construções criadas biologicamente que são robustas e resistentes à degradação; eles formarão os fósseis do futuro, para caracterizar os estratos do Antropoceno.

Fábricas se instalaram na paisagem terrestre há mais de dois séculos (Foto: iStockphoto)

Ninguém sabe quantos tipos diferentes de tecnofósseis existem, mas quase certamente eles superam o número de espécies de fósseis conhecidas, enquanto a tecnodiversidade moderna, considerada dessa maneira, também excede a diversidade biológica moderna. O número de espécies de tecnofósseis também está continuamente aumentando, uma vez que a evolução tecnológica agora supera em muito a evolução biológica.

Enquanto quase toda a energia da biosfera provém do Sol, parte da tecnosfera também é alimentada pela energia solar – e outros recursos renováveis como a energia eólica –, mas a maior parte é alimentada pela queima de hidrocarbonetos, incluindo o petróleo, o carvão e o gás. Essas fontes de energia não renováveis, na prática, representam a luz solar fossilizada que foi acumulada nas profundezas da Terra por centenas de milhões de anos, e que agora está sendo consumida em apenas alguns séculos.

Durante milênios, os seres humanos têm utilizado fontes de energia como moinhos d’água, mas a enorme explosão de energia que agora é necessária para alimentar a tecnosfera está em uma escala completamente diferente. Uma estimativa sugere que os seres humanos, coletivamente, consumiram mais energia a partir de meados do século 20 do que em todos os 11 milênios anteriores do Holoceno.

Inundados com resíduos

A tecnosfera, no entanto, se diferencia da biosfera em um aspecto fundamental. A biosfera é extremamente hábil em reciclar os materiais dos qual é feita, e essa facilidade permitiu que ela sobrevivesse na Terra por bilhões de anos. A tecnosfera, por outro lado, é fraca em reciclagem. Alguns dos resíduos são muito óbvios, como os plásticos que vêm se acumulando nos oceanos do mundo e nos litorais dos continentes.

Os animais domésticos também estão incluídos na tecnosfera (Foto: iStockphoto)

Outros tipos, sendo incolores ou inodoros, são invisíveis para nós, como o dióxido de carbono proveniente da queima dos combustíveis fósseis. Atualmente, a massa de dióxido de carbono emitido industrialmente na atmosfera é enorme – cerca de 1 trilhão de toneladas, o que equivale a cerca de 150 mil pirâmides egípcias. Esse rápido crescimento de produtos residuais, se não for controlado, é uma ameaça à existência continuada da tecnosfera – e dos seres humanos que dependem dela.

A tecnosfera é uma ramificação da biosfera e, como ela, é um sistema complexo com suas próprias dinâmicas. Fatores importantes em seu surgimento foram a capacidade da nossa espécie de formar estruturas sociais sofisticadas, bem como de desenvolver e trabalhar com ferramentas. Contudo, Haff ressalta que os seres humanos são menos criadores e administradores da tecnosfera do que componentes dentro dela e, portanto, ficam limitados a atuar­ para mantê-la existindo – especialmente porque a tecnosfera conserva a maior parte da população humana viva por meio do fornecimento de alimentos, abrigo e outros recursos que fornece.

Seu desenvolvimento permitiu que a população humana aumentasse das poucas dezenas de milhões que podiam ser mantidos vivos pelo modo de vida caçador-coletor pelo qual nossa espécie evoluiu, chegando aos 7,3 bilhões de indivíduos que habitam o planeta atualmente. Apenas uma inovação tecnológica – os fertilizantes artificiais produzidos com o uso do processo de Haber-Bosch (o método desenvolvido pelos químicos Friz Haber e Carl Bosch de sintetizar diretamente a amônia a partir do nitrogênio e do hidrogênio) – mantém viva cerca de metade da população humana.

Na atualidade, a tecnosfera não está evoluindo por estar sendo guiada por alguma força humana controladora, mas sim graças à invenção e ao surgimento de novidades tecnológicas úteis. Existe agora um tipo de coevolução dos sistemas humanos e tecnológicos.

Condições alteradas

Atualmente, a tecnosfera pode ser considerada como parasitária na biosfera, por alterar as condições de habitabilidade planetária. As consequências óbvias disso incluem as muito elevadas – e em aceleração – taxas de extinção de espécies de plantas e animais, assim como as mudanças do clima e da química dos oceanos, que são bastante prejudiciais às comunidades biológicas existentes. Essas mudanças podem, por sua vez, prejudicar o funcionamento da biosfera e das populações humanas.

Terra cultivada: fertilizantes artificiais permitem alimentar cerca de 50% dos humanos (Foto: iStockphoto)

Idealmente, por essa razão, os seres humanos devem tentar auxiliar­ a tecnosfera a evoluir para uma forma que seja mais sustentável no longo prazo. No entanto, os seres humanos coletivamente não têm escolha senão manter a tecnosfera operante – porque agora ela é indispensável para nossa existência coletiva.

Desenvolver os graus de liberdade, nesse contexto, para uma ação política e socioeconômica efetiva, é um dos desafios que a tecnosfera em evolução nos apresenta. Um primeiro passo aqui consiste em compreender de maneira mais completa o funcionamento dessa extraordinária nova fase na evolução do nosso planeta. Aqui, ainda existe muito a fazer.

(*) O geólogo britânico de origem polonesa Jan Zalasiewicz é professor de paleobiologia na Universidade de Leicester (Reino Unido). Ele trabalhou como geólogo e paleontólogo de campo para a British Geological Survey e, desde 2009, preside o Grupo de Trabalho Antropoceno da Comissão Internacional sobre Estratigrafia.