Se depender dos políticos alemães, em breve os vacinados terão seus direitos fundamentais de volta, enquanto os demais esperam meses pela primeira dose. Uma receita de injustiça e desunião, opina Anja Brockmann.Na Alemanha, se havia algo com que se podia contar até agora, em meio à pandemia, era com a disposição da população de se manter unida nesta crise, de proteger os fracos, mesmo tendo que arcar com grandes restrições. A solidariedade mantém o país coeso em tempos em que o combate à covid-19 é mais marcado pela campanha eleitoral do que por bom senso político ou saber científico.

Tão mais fatal, portanto, é o fato de serem justamente os políticos a cancelarem essa solidariedade. O ministro da Saúde, Jens Spahn, foi o primeiro, ao anunciar que os totalmente vacinados estariam livres de imposições como testes e quarentena compulsória.

Poucos dias depois, outros se manifestaram, reivindicando a devolução rápida e integral de todos os direitos fundamentais aos já vacinados. Viagens, idas ao restaurante, concertos, academia de ginástica: para estes, em breve tudo isso poderia estar acessível para eles.

Tranquilizantes em vez de convicção política

Sim, os direitos fundamentais são um bem precioso, restringi-los deve ser a exceção. E, sim, num povo de 80 milhões não se pode esperar até o último ter sido vacinado. Mas será mesmo que é para se iniciar essa discussão em meio à terceira onda da pandemia, com as unidades de tratamento intensivo sobrecarregadas? É certo iniciá-la num momento em que – como consequência de decisões políticas – nem 6% da população está totalmente vacinada?

E não foi justamente Jens Spahn que, ainda no fim de 2020, disse que quem esperasse solidariamente até os demais serem vacinados também teria direito de esperar paciência solidária por parte dos já inoculados? Retrospectivamente, dá para desconfiar que essa frase não passou de uma mera uma pílula calmante, em vez de uma convicção política.

Milhões na Alemanha, entre os 16 e 59 anos, não receberão um imunizante antes de julho, não poucos terão que esperar até setembro. Esses assim chamados “não priorizados”, os saudáveis, os jovens, aguentaram as restrições basicamente sem queixa.

Eles se ajeitam com aulas e trabalho à distância, sentados à mesa da cozinha; fazem compras para os vizinhos mais idosos; esperam pelo segundo ano seguido, sem sucesso, por uma vaga de treinamento profissional. O coronavírus é comparativamente menos letal para eles, mas, caso se contagiem, também eles estão sujeitos a anos de saúde debilitada.

E: eles não estão aguardando só a imunização, mas também os seus direitos fundamentais.

Alternativa solidária

Essa é uma desigualdade que não se anula nem mesmo com testes de coronavírus, no máximo se mitiga. E isso, só se a política finalmente providenciar para que haja possibilidades de se testar a toda hora e inteiramente grátis.

Mas esse não é o caso: uma vez por semana pode-se fazer um teste rápido oficial de graça, a fim de ao menos desfrutar de liberdade por algumas horas, todo teste adicional custa até 39 euros, os preços variam de região para região. Nem todos vão poder custear seus direitos fundamentais diariamente, muito menos se permitir quarentenas prolongadas depois das viagens de férias. Exclusão não gera inveja, como a política quer fazer crer, mas sim injustiça.

E no entanto há uma alternativa solidária e eficaz do ponto de vista epidemiológico. Se se ampliasse o prazo entre a primeira e a segunda dose, como no Canadá ou no Reino Unido, até o fim de junho todos que desejam se vacinar na Alemanha teriam recebido uma vacina, obtendo um alto grau de proteção contra o Sars-Cov-2. Isso desafogaria consideravelmente as UTIs, evitaria mutações fortuitas e proporcionaria direitos fundamentais para todos, com maior rapidez.

Para essa alternativa, porém, é necessária uma decisão corajosa da política, algo com que não se pode realmente contar na Alemanha, no momento. Os jovens, porém, não vão esquecer quem lhes negou solidariedade, e no pior dos casos, darão as costas de vez para a política.