Os cientistas que examinaram os primeiros exemplares do ornitorrinco (Ornithorhynchus anatinus) enviados da Austrália para a Inglaterra, em 1798, ficaram tão atônitos com o que viram que imaginaram estar diante de uma farsa. O espanto não surpreende, pois esse animal é dono de uma série de características estranhas. A primeira delas: trata- se de um mamífero que põe ovos. Outra: possui um couro espesso, que permite a permanência em águas geladas, combinado com um bico parecido com o de um pato, dotado de um sistema sensorial empregado para procurar alimentos na água. O macho tem um esporão que dispara um poderoso veneno, destinado a afastar predadores ou competidores.

Desde o século 18, esses detalhes bizarros têm despertado o interesse da ciência por esse representante da ordem dos monotrematas. Outra novidade de impacto surgiu agora, graças ao trabalho de um grupo internacional: o seqüenciamento de seu genoma. Publicada na edição de 8 de maio da revista científica Nature, a análise mostra que as particularidades do animal não se limitam ao seu exterior, mas são também destacadas geneticamente. A seqüência foi comparada com as do homem, do camundongo, do cão, do gambá, do frango e do lagarto.

As estranhas características genômicas do ornitorrinco são valiosas para se entender a evolução dos mamíferos. Seu bico, por exemplo, está equipado para procurar alimentos na água.

Os cientistas descobriram que o genoma do ornitorrinco tem aproximadamente o mesmo número de genes que codificam proteínas encontrado no genoma dos demais mamíferos – cerca de 18,5 mil. Ele também compartilha mais de 80% de seus genes com outros mamíferos cujos genomas foram seqüenciados.

O genoma do animal contém, além de detalhes de mamíferos, características comuns aos répteis. A principal é o registro de genes ligados à fertilização de ovos. Outra é a presença de poucos receptores olfativos, diferentemente dos demais mamíferos.

Os pesquisadores também descobriram que o veneno produzido pelo animal deriva de duplicações em determinados genes durante a evolução, herdados de ancestrais répteis.

“À primeira vista, o ornitorrinco aparenta ser resultado de um acidente evolucionário”, disse Francis Collins, diretor do Instituto Nacional de Pesquisa do Genoma Humano, nos Estados Unidos, que financiou parte do estudo. “Mas, independentemente de sua aparência estranha, a seqüência de seu genoma é muito valiosa para compreender como os processos biológicos fundamentais dos mamíferos evoluíram. Comparações de seu genoma com os de outros mamíferos levarão a novas descobertas a respeito da história, estrutura e funcionamento do nosso próprio genoma.”

“Com o seqüenciamento, poderemos identificar quais genes foram conservados, quais foram perdidos e quais se transformaram durante a evolução dos mamíferos”, afirma Richard Wilson, da Escola de Medicina da Universidade Washington, um dos autores da pesquisa.

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