O alto número de rios partilhados e a escassez de água para populações em crescimento já levaram muitos políticos e estudiosos a alardear futuras “guerras pela água”. Em 1995, por exemplo, o então vice-presidente do Banco Mundial, Ismail Serageldin, afi rmou que “as guerras do próximo século serão motivasa pela água”. Invariavelmente, esses avisos apontam para o árido e hostil Oriente Médio, onde exércitos já trocaram tiros por causa desse recurso escasso e precioso. Elaboradas teorias do “imperativo hidráulico” citam a água como a principal razão para estratégias militares e conquistas territoriais, sobretudo no conflito árabe-israelense. 

O único problema com o cenário paranoico é a falta de provas. Em 1951-1953 e em 1964-1966, Israel e Síria confrontaram- se em decorrência do projeto sírio de desviar o rio Jordão, mas a ação final, envolvendo ataques com tanques e aviões, parou a construção e liquidou as tensões entre os países nessa área. A água teve pouco ou nenhum impacto no pensamento estratégico dos militares na subsequente violência árabe-israelense, incluindo as guerras de 1967, 1973 e 1982. Mas foi uma fonte subjacente de estresse político e um dos temas mais difíceis em negociações posteriores. Em outras palavras, mesmo que as guerras não fossem uma disputa pela água, os acordos de partilha foram um impedimento para a paz.

Tratados disseminados

Enquanto o abastecimento e a infraestrutura de água serviram muitas vezes como instrumentos ou alvos militares, nenhum Estado foi à guerra por recursos hídricos desde que as cidades-estado de Lagash e Umma lutaram entre si, na Bacia do Tigre-Eufrates, em 2500 a.C.

Em vez disso, segundo a Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO), mais de 3.600 tratados sobre água foram assinados desde 805 d.C. a 1984 d.C. Embora a maioria fosse ligada à navegação, ao longo do tempo um número crescente abordou a gestão da água, incluindo controle de enchentes, projetos hidrelétricos ou partilhas em bacias internacionais. Desde 1820, mais de 680 tratados de água e outros acordos ligados a ela foram assinados, com mais da metade deles concluída nos últimos 50 anos.

Pesquisadores da Universidade Estadual do Oregon (EUA) compilaram dados de disputas globais pela água e chegaram a quatro conclusões principais:

1- Apesar do potencial para disputas em bacias internacionais, a taxa de cooperação supera a incidência de confl itos graves por recursos hídricos. De 1948 a 2008 houve apenas 44 disputas violentas, 30 das quais entre Israel e um dos seus vizinhos. Também foram registrados 759 eventos relacionados a confl itos e 1.705 relativos à cooperação, o que demonstra que a violência ligada à água não é estrategicamente racional, hidrografi camente eficaz ou economicamente viável.

2- Apesar da retórica inflamada dos políticos, a maioria das ações tomadas sobre a água é amena. Cerca de 40% dos eventos situam-se entre o apoio verbal leve e a hostilidade verbal leve. Se o nível seguinte (apoio verbal ofi cial e hostilidade verbal ofi cial) é somado à equação, os eventos verbais atingem cerca de 60% do total. Assim, quase dois terços desses eventos são apenas verbais e mais de dois terços deles não originaram sanção oficial.  

3- Há mais questões de cooperação do que de confl ito. A distribuição de eventos cooperativos abrange um espectro amplo, incluindo quantidade e qualidade da água, desenvolvimento econômico, energia hidrelétrica e gestão conjunta. Já nos eventos de confl ito ligados à água, cerca de 90% envolvem quantidade e infraestrutura. Quase todas as ações militares caem nessas duas categorias. 

4- Embora não cause violência, a água tanto pode irritar quanto unir. Ela pode piorar boas e más relações. Porém, apesar da complexidade do tema, as águas internacionais podem agir como um unifi cador em bacias com instituições relativamente fortes.